Dois blogs sobre a COP de Madri
No primeiro dia: (de Madri) Vamos cair na real, nunca uma COP abriu numa situação global mais deprimente. Já não estou falando da confirmação sistemática dos piores cenários previamente traçados pelo IPCC nem das atitudes de Trump. Cenários são e serão sempre imprecisos –para melhor ou pior-- e Trump não consegue controlar a quinta economia do mundo: os estados que não aceitam seu anúncio de deixar o Acordo de Paris e tratam de cumprir a NDC dos EUA por eles mesmos, contando ainda com a debacle econômica do carvão. Nada garante que serão bem sucedidos mas estão tentando.
O pior é o que acontece com a China. O maior emissor, depois de uma certa estabilização em 2014 e 2015, voltou a aumentar suas emissões de carvão, sua exportação de carvão e seu financiamento de usinas novas a carvão pelo fundo afora, inclusive no Brasil, em Candiota (RS). Seu esforço de fechamento da algumas usinas obedecera a uma logica de combate à poluição atmosférica. Não se pode dizer ainda que a China não cumprirá sua (modesta) NDC, em intensidade da carbono (não no agregado) e seu “pico de emissões” em 2030. Talvez o faça mas isso é altamente insuficiente para uma trajetória global de sequer 2 graus. O Japão também deixa pairar dúvidas sobre sua (pequenina) NDC, retomou o carvão depois de Fukushima e, pior, exporta e financia usinas fora do país, assim como a China! A Índia, cujas emissões sobem sem parar esta construindo dezenas de novas usinas a carvão com um lock in de uns 40 anos, embora seja um dos países mais dramaticamente vulneráveis à mudança climática.
Somemos a isso os recordes de desmatamento no Brasil e na Indonésia. Essas emissões praticamente são ignoradas no último relatório do PNUMA (programa das ONU para o meio ambiente – UNEP, em inglês) da série GAP onde se analisa o abismo das projeções de emissão atuais em relação a meta de 2 graus ou 1.5. Por uma razão que considero incompreensível o relatório não incorporar dados de desmatamento por considerar de difícil avaliação –o que é falso-- e, na hora das recomendações por países, quando fala do Brasil, simplesmente não se refere à nossa maior fonte de emissões e maior potencial de redução das mesmas: o desmatamento. Um escândalo de incompetência!
A Europa parece na trajetória de cumprir a sua NDC mas certos países como a Polônia, a Hungria e a Republica Tcheca bloqueiam qualquer esforço para torna-la mais ambiciosa e compatível com uma trajetória de 2 graus muito menos 1.5. A Alemanha, ao marcar para 2038 o fechamento de sua última usina a carvão, deu um mau exemplo porque dá um álibi aos países mais pesadamente carvoeiros. Já a Rússia que teve, recentemente, incêndios florestas na Sibéria ainda mais extensos que os da Amazônia, tem parte de seu establishment politico, científico e militar “favorável” ao aquecimento global --diferente do negacionismo, o “aquecentismo”!-- por apostar em ganhos econômicos na agricultura e no degelo do Ártico (petróleo e gás). Não pensem que só Brasil se vê como celeiro do mundo. A Rússia aposta nisso, aparentemente pensando que a mudança climática joga a favor enquanto aqui sabemos, cientificamente, que ela ameaça muito seriamente nossa agricultura --mesmo que boa parte dos ruralistas não se deram conta, ainda. Na Groenlândia andam aparecendo uns "aquecentistas"também depois que o Trump anunciou que queria compra-la...
Nesse quadro o formato e escopo das COP parecem cada vez mais desamparados. As sociedade civil global se mobiliza, é certo. A geração Greta está nas ruas e nas redes sociais mas sem propostas consequentes para lá do protesto e da denúncia. Não adianta a garotada do Rebellion, em Londres, colar a bunda no asfalto e tirar um selfie. Precisamos, sim, de uma revolução, mundial, radical da sociedade civil, mas ela tem que ir fundo na economia, nas suas bases, nos seus sistema de valores: é aí que o bicho pega.
Não basta taxar o carbono e atacar os subsídios –em geral em operações mal geridas que acabam gerando revolta social. É preciso, além de fazer isso politicamente bem feito. Compensar os perdedores.
E, insisto, insisto, é preciso precificar positivamente o carbono: o menos-carbono tem que valer dinheiro. Virar o "novo ouro".
Se governos, bancos centrais e agencias multilaterais são incapazes de fazê-lo temos que criar uma criptomoeda do clima (nós da 108 initiative damos murro em ponta de faca, desde Lima-2014).
Uma criptomoeda com vocação de virar moeda e substituir o dólar, lastrada no menos-carbono. É algo muito mais factivel e útil que o bitcoin. Se os governos, bancos centrais e agencias multilaterais não conseguem –ou não querem—faze-lo, caberá à própria sociedade, aos hackers, aos pop stars iniciarem um movimento global pela internet. Se a mudança climática é o maior problema da humanidade e está ficando cada dia mais dramática, o menos-carbono é o novo ouro.
Tão simples quando isso, caceta.
No final da COP 25...
A COP acabou mas não terminou. Já tinha acontecido em Durban, em 2011, mas foram 48 horas suplementares e deram do Durban Action Plan que abriu caminho para o Acordo de Paris. Dessa vez os ridículos quatro dias a mais não deram em nada. Eu sai antes para atender um problema familiar em NY mas fui capaz perfeitamente de escrever a conclusão dois dias antes do fim do tempo regulamentar:
(Madrid)Zero surpresa. Ocorreu na COP 25, em Madrid, aquilo que eu já previra na sua abertura. Nenhum progresso significativo para mais ambição, quer dizer, reforçar as metas dos países, nas suas NDC –que, aliás, não parecem em caminho de serem cumpridas por muitos deles- e encontrar mecanismos de financiamento para a descarbonização, a famosa negociação do artigo 6º, que mais uma vez não deu em nada.
A novidade em relação às outras COPs foi o aumento do elenco dos vilões. Antes eram sobretudo Arábia Saudita(mais seus seguidores árabes) , frequentemente Rússia e a India, a Venezuela, o chamado grupo dos like-minded. Agora pontificam no palco: os EUA, de Donald Trump, a Austrália (em chamas), de Scott Morrison e o Brasil, de Jair Bolsonaro.
O Brasil veio partido em 3 delegações: o grupo do anti-ministro, que pouco entendia do que estava sendo negociado, veio produzir factóides para a mídia brasileira e as suas redes sociais blosonaristas; o Itamaraty, envergonhado, impotente, entrincheirado em velhas posturas como aquela da “dupla contagem” no sucedâneo do MCL e totalmente escanteado daquele papel de articulação que costumava exercer. E tivermos a delegação sociedade civil brasileira, dessa vez excluída, da brasileira,m pela primeira numa COP, com brasileiros ilustreis usando credenciais do Chile, do Egito e de uma pletora de entidades internacionais para poder entrar na chamada “Zona Azul”. Ganhei uma do ICLEI.
Diferente de quase todos os outros países cujos pavilhões eram bancados pelos governos, o nosso foi da sociedade civil, organizado pelo Instituto Clima e Sociedade (ICS) e virou o ponto de encontro e debate dos ativistas, cientistas, indígenas, governadores, prefeitos, parlamentares e jovens, brasileiros e de outros países.
Fora do processo negociador propriamente dito houve alguns anúncios de avanços parciais: a Colômbia e a Indonésia negociaram um similar do Fundo tipo Amazônia para eles. O nosso o governo Bolsonaro com prejuízos bilionários. Inventu um factoide sua sua reativação, desmentido pela alemães.
Os estados da Amazônia assinaram termos de cooperação, inclusive com a França, que ajudei a articular falando com o representante do Macron, Podem ter resultado mas demora.
O fato mais positivo foi o anúncio da União Europeia se comprometendo, unilateralmente, com uma meta de neutralidade de emissões em meados do século no que pese a resistência da Polônia. Também avançaram na concepção de de uma "tarifa verde" para importações. Foi o que sugeri ao chanceler Jean Yves Le Drian quando nos encontrou no Rio de Janeiro, provocando aquela adida ao barbeiro do Bolsonaro. É algo bom para o Brasil porque nosso produtos tem menos intensidade de carbono pelo fato da nossa energia ser mais limpa. Eu havia sugerido aquilo que os franceses chamam de bonus-malus uma tarifa condizente com parâmetros climáticos.
Mas a Europa não é decisiva, deve cumprir sua NDC e possivelmente ir além mas estamos aqui falando de um décimo das emissões globais.Uma andorinha não faz verão... A chave está nas mãos da China, Índia e EUA. O Brasil, o Japão, a Indonésia e a Rússia têm um peso significativo. A Africa e outra partes da Ásia terão futuramente por isso precisam ser olhadas desde agora.
As COP sempre apresentam algum pequeno progresso incremental e são um momento de encontro, debate e reverberação da questão climática. Mas na questão central: redução significativa das emissões para tirar o planeta da trajetória de 4,5 graus (inferno na terra) em que esta embalada ou como financiar a descarbonização(5 tri por ano) e a adaptação (6 tri por ano), estamos empacados enquanto as consequências se descortinam aos nossos olhos e a literatura sobre o tema torna-se simplesmente apocalíptica como uma leva de livros novos similares ao que estou lendo, terrível, de David Wallace-Wells “A Terra Inabitável”. Meus amigos, está punk. Não leiam à noite...
Durante os próximos anos não temos muito que esperar da imensa maioria dos governos nacionais pateticamente paralisados quando não negacionaistas . A fresta de caminho que resta é uma revolução no valor econômico que dando ao menos-carbono (redução ou absorção comprovada de gases-estufa) o status do “novo ouro”. Uma revolução financeira que é parte de uma revolução cultural e política. Há que trabalhar com os estados, regiões, empresas, prefeituras e a mobilização da sociedade civil, sobretudo dos jovens. Há que mobilizar centenas de milhões de pirralhas Greta para inundar as ruas do planeta. Uma rima caminho de solução...