As dores e as glórias do ponto focal do Compliance

As dores e as glórias do ponto focal do Compliance

Pensando nas diferentes caixinhas de atuação do Compliance - Estruturação, Consultivo, Investigativo e Administrativo -, o ponto focal seria o Consultivo. Basicamente, ser o ponto focal do Compliance significa ser a referência dentro da empresa sobre as políticas e procedimentos que estabelecem o padrão de comportamento esperado dos colaboradores, bem como sobre a adesão dos colaboradores a essas diretrizes. Do ponto de vista prático, se existe uma política de Conflitos de Interesses e essa política exige o preenchimento de uma autodeclaração, pode haver dúvidas de como preencher o formulário, assim como decorre daí a necessidade de análise e tratativa dos eventuais conflitos identificados. Nessa mesma linha, se a política foi implementada, ela requer o treinamento do público alvo e reiteradas atividades de comunicação para disseminação do conhecimento sobre o tema. 

E não para por aí. Toda empresa atua nas duas pontas: se vende serviços, também contrata algum tipo de serviço. Dito de outra forma, partindo do pressuposto que a maioria das empresas no mercado possuem uma política de Gestão de Terceiros, provavelmente o Departamento de Compliance da empresa A será responsável por conduzir um processo de due diligence na empresa B, tal qual o Departamento de Compliance da empresa B conduzirá a due diligence da empresa C (e talvez até mesmo da empresa A). Sim, ao mesmo tempo em que cabe ao ponto focal do Compliance analisar red flags, mídias negativas e processos judiciais de um fornecedor, cabe a essa caixinha responder a eventuais questionamentos de compliance numa due diligence do contratante, prestar esclarecimentos sobre o programa de compliance e até mesmo apoiar o jurídico na revisão e/ou negociação de cláusulas anticorrupção. Isso se aplica, também, a situações de M&A (fusões e aquisições) ou rodadas de investimentos em que a empresa presta contas sobre seus controles internos e os elementos de eficácia do programa de compliance.

De forma bem simplificada, a função do Consultivo é orientar e disseminar as diretrizes do Compliance tanto para dentro da empresa quanto para fora. E tem ainda uma outra questão essencial: a alimentação dos indicadores de desempenho do programa. Fazendo um link com o texto anterior, enquanto o monitoramento desses indicadores como forma de extrair insights de melhoria é atrelado à função de Estruturação, os insumos para que as análises sejam feitas de forma adequada partem do Consultivo. Sem falar no fato que a caixinha do Consultivo é a que mais sofre pressão dos clientes internos. Saber a quantidade de consultas recebidas, respondidas, SLA, status e temas são elementos essenciais de uma boa gestão. 

Diante de tudo isso, já dá para imaginar quais são as dores e as glórias do ponto focal do Compliance, não é mesmo? Comecemos pelas dores. Uma vez que o papel dessa caixinha é principalmente o de orientação e conscientização, é comum que os colaboradores façam perguntas óbvias cujas respostas estão claramente apontadas nas políticas. Muitas vezes os procedimentos de due diligence não são cumpridos como deveriam, os documentos necessários para análise não são encaminhados e os formulários de compliance são preenchidos de forma incompleta. Quem aí nunca passou por isso? E quem aí passa por isso direto? Sim, isso aconteceu comigo antes e acontece comigo agora também. E tenho certeza que essa é uma dor comum de muitos de nós. Gera retrabalho e atrasos desnecessários. E mais, prejudica a gestão das demandas no próprio Departamento de Compliance. 

Mas depois de refletir sobre essas dores e me colocar no lugar das pessoas que ignoram ou têm dificuldade para seguir os procedimentos padronizados, hoje eu entendi que o Compliance não é o dia-a-dia delas. Cada time dentro da empresa vive uma realidade diferente e respira necessidades também muito particulares da sua própria área. Assim, na hora de acionar o Departamento de Compliance para uma demanda qualquer, é compreensível que as pessoas se esqueçam de preencher uma parte do questionário ou de enviar determinados documentos, porque esse seria o nosso dia-a-dia como "compliance consultivo", mas não o deles. E é justamente isso que pode nos levar às glórias do departamento. 

Se fixarmos a mensagem da área na cabeça das pessoas e trabalharmos com recorrência a disseminação do conhecimento e a capacitação dos colaboradores quanto aos controles de compliance, temos uma chance grande de diminuir essa ineficiência. Internamente, a aposta principal é diversificar as atividades de comunicação e treinamento, e falar a mesma língua que o público alvo. É um jogo de erros e acertos, mas que precisa estar sempre em andamento para buscar os melhores resultados. Na Neoway tivemos um primeiro ano massante de implementação de políticas, e para contornar a dificuldade de os colaboradores absorverem todo o volume de novas regras, o nosso plano de treinamento teve de tudo: treinamento presencial, vídeo online, gibi, Kahoot, gincana, game e até comemoração de aniversário. Já externamente, a dica é ter a "casa arrumada". Pela minha experiência, empresas pró-ativas que têm respostas prontas para explicar eventuais incidentes reputacionais, processos judiciais ou a estrutura do próprio programa de compliance são mais propensas a conquistar a confiança de parceiros de negócios e investidores. 

E a cereja do bolo...por se tratar de um trabalho de orientação, é desejável que a pessoa responsável por ser o ponto focal do Compliance seja extremamente comunicativa e flexível, com um "plus a mais" se gostar de ensinar. De nada adianta colocar um perfil de profissional que fale juridiquês, durão e que ache que o compliance é a única coisa que importa na empresa. Sobretudo se o ponto focal também for responsável por exercer a função de outras caixinhas do Compliance, como o investigativo. Equilibrar essas duas caixinha requer jogo de cintura.

Quando falamos do Consultivo, penso que o nosso trabalho como Compliance Officers é estreitar cada vez mais a distância entre as dores e as glórias, e uma boa gestão do Departamento só contribui para esse estreitamento.

Excelente texto, Luciana! Como falamos por aqui #voa que fala né? 🚀 O time de Compliance vem executando um ótimo trabalho e mostrando que não existe algo excelente que não possa ser melhorado. Parabéns!

Rodrigo Cirne dos Santos

Compliance Officer | Specialist in Business & Corporate Ethics, Governance, Risk Management | Expertise in Healthcare Compliance | Skilled Academic Researcher & Regulatory Analyst

3 a

Há muito tempo não leio um artigo tão interessante aqui no Linkedin. Direto e didático, você expõe de forma bem legal alguns dos principais prazeres (e desprazeres) dessa área. Quem não se identificar que atire a primeira política! 😉. Parabéns!

Tuliane S.

Controles internos e regulatório AML/PLD-CFT PQO em Compliance e ABT2 em câmbio.

3 a

Com tantas regras, normativas, circulares e resoluções aplicadas para que exista um sistema financeiro mais sólido, com proprósito de combater essa LD. Se torna um turbilhão de deveres e obrigações a cumprir. Mas deixou claro um ponto muito importante comunicação assertiva, empátia de cada setor, simplificar e ensinar conforme a diversidade, ser equanime é fundamental para atingir a conformidade! Mesmo com tecnólogia e indicadores , ser o análista ou um gestor de tudo isso , requer em 1° lugar lidar com pessoas! Ser Compliance é ser dinâmico, focado, feeling e saiber lidar com as mudanças! Engessado já existe um sistema ! Pra fluir é preciso pessoas que pensam, leêm, que buscam a informação que jamais permita-se ser um mediocre no que faz, busca a excelência em prol de todos.

Isabela Bragança Lima

Conselheira Consultiva | Sócia proprietária da Consultoria em Gestão Empresarial LAC Hub - Soluções em comunicação e integridade corporativa | Host do Universo Compliance Podcast

3 a

Perfeito Luciana Silveira, excelente reflexão. Me identifico em cada palavra, legítimas dores, olho no resultado e coração no processo. Até aqui vencemos na CEPTIS importantes batalhas com o apoio e comprometimento da alta direção; alcançamos em 2018 a grande conquista de contar com um sistema de gestão antissuborno certificado no padrão internacional ISO 37001. Mais que robustos processos de compliance, é sobre vivenciar a integridade corporativa. Parabéns Luciana Silveira, merecida vitória! Sou sua fã! 🤩👏

Beatriz Gimenez Costa

Executiva de Gestão de Riscos, Compliance e Controles Internos | Governança Corporativa | ISO 37.001 e ISO 37.301 | ESG Certified Professional pela QMS

3 a

Aiiii e essaaaa foto de capaaaaaa??? 🤍🤍🤍🤍🤍🤍🤍🤍🤍🤍 muito amor por tudo o que construímos (e vamos construir ainda), Lu!!!!

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