E agora, Maria?

E agora, Maria?

  Já tudo a irritava no marido: a inércia, o perfume, o toque, a maneira como mastigava ou adormecia no sofá, na hora da novela. Há muito que se divorciara, na verdade. Só não conseguia, ainda, imaginar-se a oficializar a separação sem que disparassem, dentro de si, todos os sinais de alarme. Foram, afinal de contas, muitos anos deste registo (cada vez mais) doloroso, mas conhecido. E para lá do Bojador do divórcio desconhecido, quantos seriam os Adamastores? Mal ou bem, sempre vão existindo discussões à volta da roupa fora de sítio, e almoços de família alargada ao domingo. E, por mais, que a Maria se vá sentindo cada vez mais sozinha, o ruído e a azáfama vão fintando o vazio (ao mesmo tempo que o alimentam) que, tantas e tantas vezes, a sufoca.

O que restaria se arriscasse o divórcio? E, mais a mais, quem sabe se, num passe de mágica, não poderiam voltar ao paraíso perdido de uma sintonia há muito desaparecida? pergunta-se a Maria, com mais ruído do que convicção.

  E, mais importante do que tudo, sublinhava a Maria: há os filhos e uma ideia de família. “Ai, se não fossem os meus filhos”, atira a Maria, a fazer lembrar a máxima do agarrem-me se não eu vou-me a eles. Para, logo a seguir, com a transparência e a coragem de quem é capaz de se pôr em causa, pontuar: como se a clareza de uns pais que decidem separar-se provocasse mais estragos do que os sentir, um dia atrás do outro, a desencontrarem-se da vida. Como se a clareza de uns pais que decidem separar-se provocasse mais estragos do que a violência das escaladas verbais ou das semanas a fio sem trocarem palavra.

            Um divórcio será sempre muito doloroso. Para todos. Para os adultos que, de uma assentada, se vêm a braços com o luto de um amor, de um projeto e estilo de vida, e com a imensidão do desconhecido que se abre no horizonte. E para os filhos que, tantas e tantas vezes, se sentem enredados em conflitos de lealdades, sem saberem muito bem como podem fazer valer o seu desejo (e direito inalienável!) de terem mãe sem abdicarem do pai, e vice-versa. Será, por isso, natural – e desejável! - que os pais não deixem de se preocupar com o impacto que um divórcio poderá ter na vida de uma criança. Já esta ideia de fazer pender sobre as crianças a responsabilidade de se manter ou não um casamento, não me parece poder fazer bem a ninguém. Não fará bem aos adultos, que se escudam nas crianças, na hora de assumirem as rédeas das suas vidas. E não fará bem às crianças, que tudo o que menos precisam é sentirem-se (entre os não-ditos e uma ou outra palavra solta) responsáveis pelo olhar triste do pai ou pela solidão da mãe. Pelo contrário, crescerão melhor sempre que o pai e a mãe são capazes de - muito mais por bons exemplos do que por bons conselhos – lhes mostrar que vale a pena recomeçar as vezes que forem necessárias (no casamento, no divórcio, na vida) para, com esperança, medo e coragem, nunca deixarem de ir à luta para serem mais felizes!

Nota: Atendendo ao profundo respeito pela intimidade das pessoas que me dão o privilégio de guardar as suas histórias e aos princípios deontológicos a que estou vinculado (de sigilo, nomeadamente) este, como todos os textos do blogue - sendo, por vezes, inspirado num ou noutro aspeto de histórias reais – está, como não poderia deixar de ser, muito longe de corresponder a uma descrição literal.

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