E assim falou o ajudante geral
Em 1981, um ano depois de fundar um partido que eu e muitos brasileiros esperávamos que fosse, como o nome prometia, “dos Trabalhadores”, Lula expressou sua desafeição pela mais elementar atividade intelectual. Respondia ele a um simpatizante, Flávio Rangel, homem de teatro, tradutor, jornalista. “Você não está estudando nada? Você sente necessidade de estudar?” Com um tom de soberba e autossuficiência a emoldurar a voz rascante, Lula falou do que mais gosta – de si mesmo: “Primeiro, eu acho que eu sou muito preguiçoso. Até pra ler eu sou preguiçoso. Eu não gosto de ler, eu tenho preguiça de ler. Pelo hábito, isso é questão de hábito. Tem companheiro que passa um dia lendo um livro. Eu não consigo”. Quase quatro décadas depois, eleito e reeleito presidente da República, Lula nada fez para alterar esta biografia. Ao contrário, fez uso da sua aversão a livros para espicaçar, na figura de FHC, “intelectuais e doutores” que segundo ele nada faziam pelo país.
Em 2018, porém, o PT procurou fazer uma transformação radical na imagem do seu fundador enquanto ele cumpria pena de prisão de 12 anos e um mês por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Em seu website, o partido informou que nos dois primeiros meses de cárcere – dos 580 dias em que ficaria preso – Lula teria lido 21 livros. Muitos duvidaram da média de uma obra devorada a cada três dias, mas a ser verdade a afirmação do PT ter-se-ia a impressionante história de um sedentário que, da noite para o dia, converteu-se em imbatível maratonista das letras.
A nova página de Lula como um líder ilustrado veio a público poucos dias atrás. Em discurso, o presidente da República saiu-se com esta: “(...) A gente sabe que a gente tem que ter uma profissão. Se a gente não tiver profissão, a gente vai ser ajudante geral. E ajudante geral não ganha nada! Nenhuma mulher quer namorar com um cara que mostra a carteira profissional... Qual é a tua profissão? “Ajudante geral.” A mulher fala “Pô, cara? Nem uma profissão você tem? Pra levar o feijão, o arroz, pra casa, no final do mês? E as crianças que vão nascer? Como é que a gente vai cuidar?”. Então, tem que estudar!
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Um conselho correto, mas servido com arrogância e desprezo aos mais humildes, gerou reações como a de um brasileiro que se filmou diante de uma betoneira: “Eu sou ajudante geral, sou casado, tenho cinco filhos e uma esposa maravilhosa. Ela nunca foi me visitar na cadeia porque eu nunca fui preso”. Pelo impropério que o ajudante geral dirige depois ao presidente, talvez o pobre tenha que procurar um advogado, mas a legítima defesa de sua dignidade, e a de muitos milhões de brasileiros, é o que lhe pode acudir, se ainda houver justiça neste país. Quanto à intenção de encorajar o brasileiro a estudar, faria melhor Lula se engavetasse o “Documento de Referência” do Plano Nacional de Educação 2024-2034, abordado nesta coluna (“Rota do desastre”). É uma peça política que passa longe da preocupação de preparar os brasileirinhos para uma vida digna e produtiva. Colocar ênfase no Ensino Básico e Fundamental, historicamente relegado a segundo plano em prol do Ensino Superior, e substituir o panfletarismo ideológico pela aposta em disciplinas como português, matemática e língua estrangeira, seria uma ótima notícia para todos – a começar pelos ajudantes gerais.
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