E falando em ódio...
E falando em ódio...
Em entrevista a Folha de São Paulo, o ex-ministro e economista Bresser Pereira discorreu sobre seu livro “A Construção Política do Brasil”. Inobstante a existência de diversas respostas marcantes, fui originalmente tocada pela afirmação de que “ o pacto nacional-popular articulado pelos governos do PT desmoronou pela falta de crescimento. Surgiu um fenômeno novo: o ódio político, o espírito golpista dos ricos...o ódio teria ocorrido do fato de termos um governo de centro-esquerda e que se conservou de esquerda... continua defendendo os pobres contra os ricos. O ódio decorre do fato de que o governo revelou uma preferência forte e clara pelos trabalhadores e pelos pobres. Não deu a classe rica, aos rentistas.”
A palavra ódio, citada por Bresser chocou ! Desde o dia que li a entrevista, fiquei pensando sobre essa afirmativa e confesso que minha educação cristã foi fortemente repensada e, ainda tenho dúvidas sobre esse sentimento, que repentinamente desvendou um céu nublado no nosso Nordeste - mesmo que o brilho da lua de fogo e do suor dioturno teimem em permanecer.
Há quem afirme que este período da humanidade deverá ser citado como a Idade da Estupidez. O raciocínio tem muita lógica. Ao tempo que a ciência avança, no terreno espiritual ou no emocional, retornamos ao breu da ignorância.
A maioria das pessoas é beneficiária do avanço, mas sequer procura saber quem produziu esse saber. A internet é o melhor exemplo disto. O volume de informações jogadas na internet é estarrecedor, embora o caldo espesso dessa sabedoria venha extraído do senso comum. Conceitos adquiridos em mesa de boteco, adaptados das sabedorias de nossos antepassados adquirem aura de verdade porque é a verdade da maioria. Nesse momento os fanáticos entram em cena e nesse grupo “politicamente correto” os pregadores propõem absurdos que rapidamente são absorvidos pela maioria. Nada mais indelicado, nada mais preconceituoso que perder a liberdade de discordar.
Primeiro, procurei entender a afirmativa do economista e busquei consolo no significado do sentimento de ódio para a psicologia e reencontrei Jung, “todas as projeções provocam contra projeções quando o objeto está inconsciente da qualidade projetada pelo sujeito.”. Ou seja, sem meias-palavras, quando você odeia o defeito de alguém, você tem este defeito em você, pode ser que ele não seja tão evidente, pode ser que você não aceite e pode ser que ele não esteja desenvolvido a ponto de ser notado, mas ele existe no seu inconsciente. Portanto, meu ódio pode transformar-se em amor e vice-versa. O campo dos sentimentos é profícuo e rico. De que ódio falamos?
Basta uma rápida recordação de História Universal para lembrar que a origem do ódio entre ricos e pobres é anterior ao nascimento de Cristo, e portanto nesta ótica, não explica o momento social, político que vivemos no Brasil. Reconheçamos pois que sempre vivemos sob este estigma e pronto.
O que talvez o economista queira reconhecer e prefiro acreditar é que a partir de agora, existirão duas classes sociais: ricos e pobres; a classe média, esta classe infinitamente dividida pelos institutos de pesquisas e dita como impulsionadora da sociedade, esta classe de pessoas ao qual me incluo, que trabalha, que produz, mas que vem perdendo seu poder econômico e social dia a dia, de fato, mostra-se revoltada com os ricos, os pobres, com os políticos, os poderosos, com os empregadores, os empregados, com os fanáticos, os ateus, os pagãos, os religiosos, com a música sem qualidade, enfim, com os lixos culturais que reproduzimos.
Estudo realizado nas universidades europeias sobre o conteúdo da web, concluiu que 99,99% dos internautas oferecem somente bobagens, superstição, pieguice, vulgaridades e pornografia. Isto falando de universidade europeia. Só para situar melhor, no ranking mundial, perdemos para o Cazaquistão em padrão intelectual. Esta cruel imagem de nossa incapacidade de raciocinar faz com que cerca de 40 milhões de pessoas, usuárias de WatsApp neste país aceitem como ovelhas, afirmativas e mensagens de todo tipo, ovelhas que aceitam como mamíferos toda manipulação de massa e toda voz corrente que se mostra impositiva, por algum mistério de nosso inconsciente.
Uma preocupação apresentada no estudo europeu é referente à reprodução do lixo cultural por outros meios de comunicação. A pesquisa ao tomar como exemplo professores de primeiro grau, todos mostraram-se influenciadas pelos “movimentos de ignorância” e óbvio, repassam suas ideias aos alunos. Isso indica que teremos uma geração de alienados, bastante fundamentado nas teorias de boteco.
A sociedade está diagnosticada como doente terminal e a cada vez agrava mais sua doença. Respeitosamente discordando do ex- ministro, não é somente o sentimento de ódio entre classes sociais que alimenta este momento, até porque este sentimento, como vimos, sempre esteve presente, porém estagnado; mas é a sensação de impotência, de inutilidade, de desprezo por aqueles que desejam uma vida mais digna, com qualidade de expressão cultural de todos os níveis, que nutre a classe a qual pertenço.
Nas manifestações , do novo 15 de março não identifiquei o sentimento de ódio, como relata Bresser em sua fala. Pelo contrário, inexistiu divisão entre classes. Naquele domingo encontrei homens, mulheres, crianças, velhos, ricos, empresários, assalariados, políticos, pobres, brancos, negros e todas as representações de tribos da sociedade de forma organizada e consciente protestando pacificamente contra essa utopia que se tornou o poder no Brasil.
E isto me leva a crer que as manifestações ocorridas, estão distantes de uma sociedade de elite, como sugere o texto inicial de Bresser, mas vão de encontro ao sentimento novo de justiça, de poder de voz, de consciência moral renovada e revelada de todas as formas e cores democráticas, jamais pensadas e experimentadas neste país.
Reconheço desta vez, contradizendo todas as sandices e lixo cultural, a internet cumpriu seu nobre papel. Parabéns ao povo brasileiro! Estamos orgulhosos com o sentimento de repúdio (e não de ódio) que uniu nossa nação!
Desprezar esse movimento pode custar muito a todos nós. Que possamos evoluir pelo menos no campo emocional e articular algum pacto de coragem e entendimento entre aqueles que detém o poder. A partir de então, quem sabe poderemos ter alguma chance de evolução no terreno espiritual?
Pernambuco, julho de 2015.
Mara Annumciato
Psicologa, Especialista em Administração de Empresas; Especialista em Gestão de Pessoas; Especialista em Planejamento e Gestão Empresarial;. Atualmente ocupa o cargo de Gerente da Corregedoria na Prefeitura de Jaboatão dos Guararapes. – PE
e-mail pessoal: mara.annumciato@gmail.com