E o Carro Elétrico, hein?!
Essa semana foi noticiado em vários jornais que "As vendas de veículos eletrificados cresceram 91% em 2023". Parece um número impressionante, mas mas qual o impacto dessa tecnologia no mercado? E por que eles não falam veículos "elétricos"... Bom, por que não é a mesma coisa.
Os dados da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE) falam de 93.927 emplacamentos ante 49.245 em 2022. Mas esse número inclui tanto os 100% elétricos - na realidade denominados Veículos Elétricos a Bateria (BEV, na sigla em inglês) e os híbridos - que são veículos normais a combustão, mas que tem um motor elétrico auxiliar. Acontece que os 100% elétricos (BEVs) representaram pouco mais da metade (56%) dessas vendas, ou 52.359 unidades. Os demais são os híbridos a gasolina e flex (41.568 unidades).
Segundo a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (ANFAVEA), ano passado foram vendidos 2,3 milhões de veículos novos, sendo 1,7 milhão de automóveis. Ou seja, a participação dos veículos elétricos (BEVs) foi de somente 3%.
Para se colocar em perspectiva o Brasil tem 115 milhões de veículos, sendo 60 milhões de automóveis. Os novos BEVs contribuíram com 0,087% (0,00087) da frota.
Acho que podemos concordar que os BEVs são efetivamente desprezíveis na frota.
Mas isso é bom ou ruim?
Existe um "hype", um frisson, muito grande em relação aos BEVs, muito maior do que o impacto que eles realmente causam (por enquanto). O principal argumento é que os veículos elétricos seriam a salvação da lavoura em relação à mudança climática.
Infelizmente a realidade é BEM outra.
O principal componente de um veiculo elétrico a bateria é, bem... a bateria. Em veículos compactos, a bateria pode pesar algumas centenas de quilos, enquanto nos de maior porte, como SUVs ou veículos premium, o peso da bateria pode exceder facilmente 1 tonelada.
O lítio é um componente essencial nas baterias de íon de lítio, amplamente utilizadas nesses veículos devido à sua alta densidade de energia e longa vida útil. No entanto, há várias preocupações associadas a essa dependência.
Em primeiro lugar, a extração de lítio pode ter sérias consequências ambientais. Ela envolve a remoção de grandes quantidades de solo, o que pode resultar em erosão, perda de biodiversidade e contaminação da água. Além disso, o processo de extração e processamento do lítio requer grandes quantidades de água, levando a preocupações sobre o uso sustentável desse outro recurso valioso (muita gente ainda acha que água é de graça - mas isso é outra conversa).
Outra questão crítica é a concentração geográfica das reservas de lítio. Grande parte do lítio mundial está concentrada em poucos países, como Austrália, Chile e Argentina. Isso cria desafios geopolíticos e econômicos, já que a demanda global por veículos elétricos pode levar a uma dependência excessiva dessas nações para o fornecimento de lítio.
Além disso, a exploração descontrolada desses minerais pode resultar em condições de trabalho precárias para os mineiros, muitas vezes em países em desenvolvimento. Isso levanta questões éticas sobre a cadeia de suprimentos.
Além do lítio, vários outros minerais são essenciais para a produção em larga escala de baterias. Amplamente utilizado em baterias de íon de lítio, o cobalto enfrenta preocupações relacionadas à sua extração. A maioria das reservas de cobalto está localizada na República Democrática do Congo, onde as condições de mineração envolvem práticas não sustentáveis e condições de trabalho desumanas.
Importante para aumentar a capacidade e a densidade de energia das baterias, o níquel enfrenta desafios semelhantes em termos de extração e processamento. A mineração de níquel pode resultar em impactos ambientais, como a degradação do solo e a contaminação da água.
Utilizado nos anodos das baterias, o grafite é essencial para a condução elétrica. No entanto, a produção de grafite muitas vezes envolve impactos ambientais, incluindo o uso intensivo de produtos químicos.
Enquanto o manganês é crucial para aumentar a estabilidade das baterias, sua mineração e processamento também podem ter impactos ambientais adversos, especialmente quando não são adotadas práticas sustentáveis.
Só que o problema não acaba aí. A gestão de resíduos das baterias também representa um desafio significativo. À medida que os BEVs se tornam mais comuns, a quantidade de baterias usadas aumenta, levando à necessidade crítica de abordar a reciclagem e a disposição final de maneira sustentável.
As baterias de íon de lítio, comumente usadas em veículos elétricos, contêm materiais potencialmente perigosos (lítio, cobalto e níquel, conforme mencionado). O descarte inadequado dessas baterias pode resultar em riscos ambientais e de saúde. Se não forem tratadas adequadamente, substâncias tóxicas podem vazar para o solo e a água, afetando ecossistemas locais.
Atualmente, a taxa de reciclagem de baterias de íon de lítio é relativamente baixa, devido a desafios técnicos e econômicos. O design das baterias influencia diretamente na facilidade de reciclagem. Baterias mais complexas e integradas podem ser mais desafiadoras de desmontar e reciclar. Baterias de íon de lítio são especialmente complexas e compostas por diferentes materiais (de novo, o trio lítio, cobalto e níquel), que estão intercalados em processos intricados, tornando a extração e recuperação específicas de cada elemento um processo técnico complexo.
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A falta de padronização nos designs das baterias é um desafio adicional. Cada fabricante pode ter seu próprio design, o que complica a criação de processos de reciclagem universais e eficazes.
Fora que a implementação de tecnologias avançadas de reciclagem exigiria investimentos substanciais em instalações especializadas e equipamentos. Atualmente, os altos custos associados a essas tecnologias tornam a reciclagem menos atraente do ponto de vista econômico.
Só que o transporte das baterias usadas para instalações de reciclagem também é um fator crítico. O transporte seguro e eficiente desses materiais representa um desafio logístico, aumentando os custos (e provavelmente as emissões) associados ao processo.
No fim das contas, a demanda por materiais reciclados das baterias ainda não atingiu um nível que torne a reciclagem lucrativa. Além disso, os preços dos metais recuperados flutuam (como qualquer commodity), influenciando diretamente a viabilidade econômica da reciclagem.
Claro que há um reconhecimento crescente da importância da reciclagem de baterias para mitigar todos esses impactos ambientais negativos. Incentivos financeiros e regulamentações mais rígidas podem contribuir para superar esses obstáculos, tornando a reciclagem de baterias de veículos elétricos mais viável tanto do ponto de vista técnico quanto econômico no futuro, mas é um custo que a sociedade como um todo precisa estar disposta a pagar.
Em outra frente, muito se estuda em relação à diversificação das fontes desses minerais e a promoção de práticas de mineração éticas e sustentáveis para enfrentar esses desafios. A pesquisa e o desenvolvimento contínuos estão buscando também alternativas que reduzam ou eliminem a dependência desses minerais raros, aliviando as pressões sobre os recursos naturais e mitigando os impactos ambientais e sociais associados à produção de baterias para veículos elétricos. Mas isso ainda não está no radar pros próximos anos.
OK, mas vamos que toda essa questao da extração, produção e descarte seja resolvida. Então tá todo certo? Ainda não...
Diferentemente do que muita gente acha, a eletricidade não nasce na tomada de casa. Sei que essa revelação pode ter um efeito impactante para você, mas em muitas nações, a eletricidade é gerada predominantemente a partir de fontes fósseis (globalmente, 60% da energia elétrica ainda vem dessas fontes).
Nesses países, a mudança para veículos elétricos pode resultar apenas em uma transferência de emissões de poluentes do escapamento dos veículos para as usinas de energia. Mesmo em países com maior participação de fontes renováveis, como solar e eólica, a intermitência dessas fontes é um desafio. A produção de eletricidade a partir do sol e do vento é variável e depende das condições meteorológicas, o que pode levar a flutuações na oferta de energia.
Para mitigar os impactos da intermitência das fontes renováveis, é necessário desenvolver sistemas eficazes de armazenamento de energia em larga escala. As soluções de armazenamento, como baterias de grande capacidade, ainda estão em desenvolvimento e apresentam TODOS os mesmos desafios técnicos, ambientais e de custo que já vimos.
Tudo isso acaba impactando o custo da energia. Uma transição para veículos elétricos em grande escala certamente influenciará as tarifas de energia para consumidores e empresas.
A rápida adoção de veículos elétricos pode sobrecarregar a infraestrutura de recarga, especialmente durante períodos de alta demanda. Isso destaca a necessidade de investimentos significativos na expansão e modernização da rede de recarga para acomodar a crescente frota de veículos elétricos.
Bom, mas estamos de vento em popa na transição energética (sqn) e isso também será resolvido, então agora tudo bem, né? Calma... ainda falta uma parte.
Carregar o veiculo elétrico a bateria na "tomada de casa" é inviável tecnicamente, em funcao do tempo necessário, e muito caro, em virtude da tarifa de baixa tensão.
Mais importante, as redes elétricas existentes não tem a capacidade necessária para lidar com a demanda adicional de carga imposta pelos veículos elétricos. Imagine ligar 40 chaleiras elétricas ao mesmo tempo, provavelmente você vai causar um incêndio - ou no mínimo um enfarte quando chegar a conta de luz. A recarga simultânea de muitos veículos em uma área específica pode levar a sobrecargas locais, resultando em quedas de energia ou exigindo atualizações substanciais na infraestrutura elétrica.
A expansão e modernização das redes elétricas requerem investimentos significativos. Isso inclui a instalação de novas linhas de transmissão, subestações elétricas e pontos de recarga. Seria necessário um planejamento eficaz e a coordenação entre governos, empresas de energia e fabricantes de veículos para garantir que as melhorias na infraestrutura elétrica estejam alinhadas com o crescimento da frota de veículos elétricos para evitar gargalos e assegurar uma transição suave.
A última questao (e a mais visível) é a instalação de pontos de recarga em áreas urbanas e rurais. Os desafios incluem a obtenção de licenças, a instalação de infraestrutura em locais públicos e a consideração das necessidades de carregamento em ambientes residenciais e comerciais.
Estimativas específicas de valores necessários para essa expansão variam, mas organizações como a Agência Internacional de Energia (AIE) indicam que serão necessários trilhões de dólares em investimentos em infraestrutura elétrica nas próximas décadas para apoiar a eletrificação em massa. É importante notar que esses números são altamente dependentes de vários fatores, incluindo a velocidade de adoção dos veículos elétricos e as políticas de incentivo governamentais.
Nem precisa dizer quem vai pagar essa conta.
Editor na Revista AutoBus
1 aGabriel, uma análise muito sensata e fundamental daquilo que se transformou numa obsessão para os muitos formadores de opinião que se julgam senhores da verdade quando o tema é descarbonização do transporte.
Diretor Comercial na Saletto Engenharia de Serviços | Diretor executivo na FENIVE - Federação nacional da inspeção veicular
1 aInfelizmente o frisson com veículos elétricos se deve às "meias-verdades" divulgadas pelos interessados. Além dos pontos que você expôs, há também a questão da emissão de CO2 ao longo da vida útil do veículo elétrico. Quando se considera o processo de fabricação da bateria, a produção do veículo elétrico e o seu descarte, pode-se ter emissões de CO2 superiores a um veículo de combustão interna, mesmo considerando as emissões de CO2 durante a circulação destes veículos, elétricos e combustão interna. Enfim, há muito o que se debater e desenvolver. E ainda temos o etanol, célula de combustível (hidrogênio), GNV e híbridos como players nesta história.
Gerente executivo | Solar | Carros elétricos | Mercado livre de energia
1 aVejo da seguinte forma, quem está reclamando é porque está ficando para trás, vide a tirinha abaixo
Co-founder & Executive Director at H2helium
1 aExcelente artigo, Gabriel Kropsch Além de informações relevantes, você traz questionamentos para pensar. Esse tipo de abordagem enriquece o debate e nos liberta do FLAxFLU. Parabéns!
Key Account | Gerente Comercial | MBA Gestão de Negócios | Vendas | Marketing | Gestão Funil de Vendas | Inbound | Outbound | Negociação | Sucesso do Cliente | Head Sales
1 aGabriel Kropsch, tem muita desinformação no seu Artigo sobre o veículo elétrico, como o Rafael Levy disse é até difícil saber por onde começar, o artigo claramente foi escrito por alguém que não estudou profundamente sobre os elétricos. Seu argumentos sobre as baterias são de tecnologias já ultrapassadas, hoje em dia o carro elétrico pode ser comprado por menos de 120K com um custo de manutenção muito baixo e no mínimo 4X mais barato que o gasolina, se vc tiver solar em casa não gasta nem para andar com o VE. Para frotas pesadas Ônibus e caminhões o ROI pode acontecer em menos de 24 meses se rodar mais de 100 KM/dia. Quanto ao ligar os carregadores ao mesmo tempo. Eu trabalho com infraestrutura para VE a mais de 10 anos e já proporcionei instalações para milhares de condomínios residênciais e empresariais, com tecnologia para ligar todos os carregadores ao mesmo tempo sem que o disjuntor geral desarme. Precisa de uma empresa confiável, com projeto de engenharia, ART e um produto de qualidade, com isso sim é possível ligar todos os carregadores ao mesmo tempo sem prejuízo elétrico. Como o Thiago Castilha os grandes players de petróleo já entenderam que o elétrico veio para ficar e estão investindo pesado em mobilidade elétrica.