E Se Nada Acontecesse Por Acaso?
Revejo mentalmente o ano que hoje termina. Por alguma razão desconhecida, o meu cérebro prefere fixar-se nos melhores momentos, todos aqueles instantes que me fizeram sorrir. É com algum esforço que acedo às memórias do que não correu bem e do que correu realmente mal…
E todos os anos repito este processo, que considero catártico: é sempre bom eliminar as impurezas que transportamos sem querer. Afinal não queremos levar “sujidades” para o ano que se nos apresenta pela frente, verdade? Porque ele, o novo ano, é mais ou menos como um lindo caderno novo, a estrear, onde apenas queremos registar palavras bonitas, escritas com uma linda caligrafia, sem borrões, sem erros, sem mácula.
Assim é também com o novo ano: os erros, se de erros falamos, podem ficar para sempre aprisionados no ano velho! Teremos agora uma nova oportunidade de fazer tudo melhor! Mais simples! Mais bonito! De outra maneira! De novo! De recomeçar do zero!
No virar desta página, relembro sobretudo os encontros, os reencontros, os amigos, os países, as viagens, os projetos, os desafios… O que aprendi! O que vi! O que fiz! Com quem estive! Foi tanta coisa! Coleciono avidamente experiências, todas, porque a vida é feita disso mesmo.
“Sou um pouco de todos os que conheci, um pouco dos lugares a que fui, um pouco das saudades que deixei e sou muito das coisas de que gostei…” ― Antoine de Saint-Exupéry
Num novo olhar, consigo chegar às coisas menos boas… Às tais que me exigem esforço, talvez por que não as queira recordar, talvez por que estas me transportem a sítios onde não quero regressar… A pneumonia do Miguel… A morte de uma pessoa querida… As dificuldades, a crise, os lugares escuros, as sombras que às vezes tentam assolar-me… E não, não quero ir por aí. Escolho sempre a luz, embora às vezes os túneis se me apresentem na obscuridade (quase) total. E como sei que são só túneis? Porque ao longe, lá muito ao fundo, há sempre um vislumbre de brilho a tremeluzir… E onde há brilho, há luz! O caminho é por aí!
“O meu passado é tudo quanto não consegui ser. Nem as sensações de momentos idos me são saudosas: o que se sente exige o momento; passado este, há um virar de página e a história continua, mas não o texto.” - Fernando Pessoa
Apetece-me encapsular alguns momentos de 2015 no lado mais colorido do meu cérebro, criando uma espécie de âncora feliz onde recorrer sempre que necessário… E na verdade é isso que farei. Funciona como uma espécie de bolha de oxigénio, e estará disponível sempre que me apetecer respirar mais profundamente. Lá colocarei as gargalhadas partilhadas entre amigos, o prazer dos encontros com pessoas especiais, os petiscos saboreados em boa companhia, os mergulhos no Pacífico, o amor dos meus filhos, a fertilidade do meu imaginário, as confidências entre amigas, o Natal com a família e a esperança dos reencontros.
Os escolhos fazem parte da jornada. Mas o que importa mesmo é o que fica, o que retiramos de cada instante, o que conseguimos absorver, reter e reutilizar depois, da melhor maneira possível. Ainda que aparentemente uma ocorrência não pareça fazer sentido, um dia perceberemos que fez, que afinal foi por isso que experienciámos a dor, numa espécie de descoberta súbita que nos faz entender tudo. Um “ah-ha moment”, como há quem lhe chame.
“Nada acontece por acaso. Não existe a sorte. Há um significado por detrás de cada pequeno ato. Talvez não possa ser visto com clareza imediatamente, mas sê-lo-á sem que se passe muito tempo... " - Richard Bach