E se te dissessem que a revolução agrícola foi uma fraude?

E se te dissessem que a revolução agrícola foi uma fraude?

“Sapiens: uma breve história da humanidade” é daqueles livros que castigam o cérebro sem misericórdia nenhuma, ao abalar crenças que construímos ao longo de nossa vida e formal educação. Ler a obra foi impactante e terrível.

Impactante pois explica de forma simples porém sólido e profundo como o Homo sapiens foi capaz de sobreviver à evolução. E terrível por desmistificar a revolução agrícola - que até a leitura dessa obra acreditava cegamente - como a maior invenção da humanidade.

O livro tem início situando o Homo sapiens como apenas uma das espécies do gênero homo - outra famosa eram os “neandertais” -, mas a primeira a utilizar sua imaginação e comunicação como vantagem competitiva.

Muitos animais se comunicam. Alguns poucos são capazes de criar situações - uma espécie de primata, macaco-verde, inventa uma aproximação de um leão, por exemplo, para que outros macacos não comam sua refeição. Só o sapiens misturou comunicação e imaginação para criar seres animados e ideias com o intuito de convencer outros.

O homem deixou de se organizar em grupo exclusivamente para sobreviver, como qualquer outro animal, e passou a procurar sentido em suas ações. Um grupo não trocaria de caverna em razão da escassez de alimento no entorno, e sim porque uma rocha em forma de morcego anunciava um mau presságio.

Esse começo é enriquecedor. Cada página é uma descoberta, como se fosse a primeira vez que estivesse estudando história (e de certa maneira é). E passada a revolução cognitiva chegara a hora da revolução agrícola.

Não sei se vocês compartilham desse sentimento, mas toda vez que vejo algo sobre agricultura em meios não especializados encho o peito de orgulho, e foi esse o caso. Não consegui disfarçar o sorriso de ter uma profissão que mudou os rumos da humanidade.

Isso até o sub-capítulo ter sido batizada com os dizeres: “A maior fraude da história”. O qual reli algumas vezes para me certificar que estávamos falando do mesmo assunto. Mesmo desgostoso, segui adiante.

Resumindo o ponto do historiador Yuval Noah Harari, a agricultura piorou a condição de vida do homem à época, além de criar um enorme desbalanço natural. Se antes o sapiens era parte de uma complexa e equilibrada cadeia alimentar, com o advento da agricultura transformou-a em pirâmide, onde obviamente ocupou o topo.

Em relação às condições de vida o autor aponto que a piora deveu-se principalmente a uma restrição na diversidade de tipos de alimentos quando comparador ao homem coletor-caçador, e início da subserviência a rotina, trabalho árduo e tempo.

O autor não deixa de relacionar que a agricultura permitiu a produção de mais alimento por área; surgimento de povoados e vilas; nascimento da propriedade privada e desenvolvimento do comércio. A diferença é que onde vislumbro como nosso maior salto evolucionário (leia artigo aqui), o autor enxerga superestimação.

Confesso ter sido difícil superar essa discordância, mas foi muito válida. O livro seguiu genial e elucidativo. Mais importante, além dos diversos ensinamentos antropológicos me ensinou que, diferente das objetivas leis da física, ideias e conceitos são mutáveis.

Isso não quer dizer que mudei de opinião. Pelo contrário. Me mantenho crente de que a agricultura foi nossa maior invenção, mas acreditar cegamente em qualquer história que seja, nunca mais.

Refletir, meditar e repensar nossas posições, mesmo que de acontecimentos de 12 mil anos atrás, são um belo jeito de começar o ano.

Felipe Carvalho

Consultor e Auditor Ambiental e ESG | Botânico | Professor | Escritor.

8 a

Ótima reflexão, Rodolfo. Muitas pessoas no seu lugar teriam se fechado a tais ideias e as recusado completamente. Infelizmente a história humana é complexa, e nem sempre bonita, e as vezes nossa espécie dá passos tortos sem entender muito porque e se arrependendo depois. Longe de que isso represente diretamente alguma proposta de ação ou posicionamento para as condições de vida do nosso tempo presente, a reflexão sobre estas bases da civilização pode trazer valiosas lições históricas e para nosso futuro, e mesmo sobre o funcionamento da humanidade. O assunto é farto, e acredito que você poderá achar mais reflexões de valor em muito livros. Pessoalmente recomendo "História das agriculturas no mundo: do neolítico à crise contemporânea", de Laurence Roudart e Marcel Mazoyer (2009), mas existem muitos outros.

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