E você, qual sua análise 'selvagem' sobre as implicações do momento histórico que vivemos?

Todo o contexto de pandemia e suas consequências me fez refletir: ‘quais serão as implicações em termos de comportamento no consumo de produtos de beleza?’. 

Já percebemos uma alteração ‘responsiva’: lojas fechadas impulsionam compras digitais e consumidores re-priorizam categorias. A incerteza sobre o futuro econômico é impulsionada pela contradição na fala da liderança política e pela baixa confiabilidade dos modelos matemáticos, fortalecendo o sentimento de medo e provocando na população o impulso de se preparar para o pior. Quando se pensa na cadeia de suprimentos global, o contexto de paralisação, demanda e bloqueio das barreiras incita a necessidade de redesenho para um contexto local e mais ágil. Também devemos achar curioso os picos nas pesquisas de ‘como fazer pão’ e tours virtuais no google search. 

Mas, como tudo isso vai impactar, de forma prática e mais no médio/longo prazo, a oferta e demanda dos produtos de beleza? Como esse consumidor vai querer se relacionar com as marcas, será que algo vai mudar? Resolvi explorar a questão com uma análise ‘selvagem’. Mergulhei em artigos da Mintel, Kantar, BeautyStreams, acompanhei as redes e bati muito papo. Compartilho aqui, algumas dessas reflexões: 

             É inegável que o contexto da pandemia trouxe como consequência direta o aumento na conscientização de higiene básica e saúde. Acompanhamos esse reflexo no disparo do consumo de produtos de limpeza pessoal e doméstica; para o futuro, podemos esperar um olhar mais atencioso e preocupado do consumidor nessa perspectiva. No relatório Anticipating the balance of 2020, realizado pela Kantar, a preocupação com saúde e novas exigências de vigilância sanitária aparecem como consequências culturais e estruturais nos cenários projetados. 

Em termos práticos, esse novo olhar do consumidor impulsiona a categoria de cuidados como um todo, abrindo espaço para ampliar a categoria de prevenção para além do álcool em gel e o uso de embalagens que reduzem a exposição aos germes e exigem menos contato: sticks, embalagens antibacterianas, sprays etc. 

Além disso, é de esperar que o paradoxo do Trust & Share seja ainda mais intensificado, ou seja, os consumidores serão mais exigentes sobre informações dos produtos que consomem: rastreabilidade dos ingredientes, eficácia e benefícios para saúde. Considerando as consequências desse aspecto no curto prazo, os formadores de opinião com conhecimento mais especialista poderão ganhar mais relevância para apontar a verdade. Sim, talvez até tecnologias facilitadores de rastreamento, como o tão falado blockchain, poderão se tornar mais relevantes.

Em um dos artigos da Mintel, uma pesquisa focada em clean beauty mostra que – após a pandemia – consumidores estão mais abertos a aceitar produtos sintéticos desde que esteja claro sua eficácia e os impactos para saúde do consumidor e no meio ambiente. Com esse trecho, quero salientar o ponto: o consumidor sairá ainda mais exigente no momento de consumo e, dessa vez, com olhar criterioso para sua saúde e segurança; o que reforça o argumento de que vozes mais especialistas deverão surgir como principais influenciadoras. 

O curioso de se observar é a abertura a ingredientes sintéticos quando há forte movimento da indústria para produção e comunicação do uso de ingredientes orgânicos. Penso que a pandemia abre dois potenciais cenários: (1) - o medo e a busca pela saúde e segurança transforma a população em preocupada o suficiente para colocar a sua saúde e segurança acima de tudo e o discurso e a estética do cientificismo prevalece; (2) - a noção de saúde se expande para a percepção de bem-estar, há uma ascensão do estilo de vida saudável e mindset espiritual; consumidor busca que a sua saúde interna tenha reflexo no externo. Não vejo os opostos como verdades absolutas mas facilitadoras de construir personas e traçar ações práticas. Percebemos a convivência de ambos por um consumidor que busca formas de aumentar sua imunidade pela vitamina C ou dietas alimentares. 

A busca pelo bem-estar e mindset espiritual já era uma tendência antes da pandemia acontecer, o que vemos agora é uma intensificação dessa tendência com novas frentes de aplicação. Com mais tempo em casa - um cenário de convite à introspecção, menor contato físico e mistura do modo ‘trabalho’, modo ‘relaxamento’ – o consumidor passa a buscar referências que o auxiliem no desenvolvimento da saúde interna e mental buscando nas marcas um apoio quanto a isso. No curto prazo, percebe-se um forte movimento de comunicação com tutoriais de autocuidado, fomento à interação social mesmo online (ex: campanha AMARO) e dicas de práticas meditativas. Por ser algo que já se mostrava como tendência no mercado, vejo um potencial de ampliar a aplicação do conceito para o campo de desenvolvimento de produtos e serviços inspirados em saberes milenares e biologia humana. Já pensaram na aromaterapia, microbioma ou nos conceitos da Ayurveda como fonte de inspiração para novos produtos? E produtos derivados de Cannabis? Sabia que já o “travesseiro mais confortável do mundo” já usa esse tipo de ingrediente.

Em complemento, com a dificuldade de exportações e importações, a valorização do produtor local e os efeitos da crise para cadeia de suprimentos global culminam na oportunidade de utilizar a tradição local, ingredientes, práticas, rituais, como inspiração para linhas e storytellings diferentes. 

Por fim, não podemos negar que esse momento foi um convite para o consumidor experimentar as compras digitais: novas categorias, novas marcas, ou até mais do mesmo. A pandemia foi um acelerador para transformação digital das organizações e para aceitação de um novo canal de consumo. Mais que nunca, agora é o momento de se investir em sites e conteúdo que compensam a ausência de experiência do produto em loja. Descrições mais específicas, imagens esteticamente mais detalhistas Aumento na distribuição de miniaturas e amostras.  

             E você? Quais mudanças para além do setor de beleza enxerga?