ECONOMIA CIRCULAR: mudar para sobreviver
Mauro Campello (MC Treinamentos)
O processo de produção de bens e serviços vem se desenvolvendo ao longo dos anos, com inúmeras mudanças desde a primeira Revolução Industrial no final do século XVIII, e a sociedade também mudou: antes era agrícola, se tornou industrial e, depois, digital, de forma muito rápida com a necessidade de desenvolver diferentes habilidades nas pessoas e novos modelos de negócios, sempre na busca de resultados.
Na maioria dos processos produtivos, as matérias-primas principais são extraídas da natureza e tal extração vem acontecendo em velocidade tal que não permite a recuperação do planeta, ou seja, a regeneração das fontes de recursos naturais. Por outro lado, muitos resíduos dos processos de produção, bem como o descarte de produtos usados contribuem para impactos diversos ao meio ambiente, ao ser humano e aos governos: poluição, aquecimento global, problemas de saúde, gastos públicos, e muitos outros. O processo atual de produção é baseado na exploração, produção, consumo e descarte final, a economia linear, apresentada na Figura 1.
Figura 1. Economia linear; fonte: SENAI (2020).
Esse processo tem algumas implicações negativas, como a exploração desenfreada de recursos naturais e o descarte final, onde são percebidos sérios problemas ambientais e sociais. Essa situação tende a se complicar para atender o aumento das necessidades humanas, já que a população mundial de cerca de 7,2 bilhões de habitantes deve chegar a 11 bilhões antes de 2050, provocando um aumento da produção para atender tais necessidades, com maior exploração de recursos naturais, mais impactos e maiores desgastes ao meio ambiente.
O desenvolvimento tecnológico, sem dúvida, contribuiu com o aperfeiçoamento de diversos processos produtivos, acelerou a produção em níveis cada vez maiores com ganhos de capacidade e maior produtividade, mas com maior exploração dos recursos naturais, comprometendo as reservas dos mesmos, e, em certo tempo, a continuidade de muitos negócios e sérios aspectos sociais. É fato que os recursos necessários para a produção não são infinitos e são grandes os riscos de colapso na atual economia linear, pois a maior produção gera mais extração, mais lixo, tanto da produção, como do pós-uso e sem recursos naturais não há produção. Interessante citar que no passado os impactos ao meio ambiente eram causados por fenômenos naturais e hoje as atividades humanas, talvez, sejam as maiores responsáveis pelos mesmos, bem mais intensos nos últimos 50 anos. É evidente a necessidade de uma nova economia que considere as situações presentes e críticas da economia linear. Esse novo modelo de economia é chamado economia circular, onde os fluxos de materiais são contínuos e os resíduos são transformados em matéria-prima; o sistema é regenerativo, ou seja, nada se perde e tudo é transformado, como na natureza: assim, o lixo é abolido ou minimizado. O processo é apresentado na Figura 2.
Figura 2. Economia circular; fonte: SENAI (2020).
Também é importante o compartilhamento de produtos, bem como o conserto e sua reutilização. Na economia circular, o que se extrai do meio ambiente volta naturalmente ao final do ciclo, sendo regenerado e reutilizado. De acordo com Luz (2017), apenas 9% do material utilizado na produção industrial retorna ao processo produtivo ou ao meio ambiente de forma devida. O resto vai para aterros sanitários, porém, na maioria das vezes, o material é descartado na natureza sem qualquer tratamento, poluindo cidades, rios e mares com danos enormes. Dentro desse novo conceito de produção onde o objetivo é não gerar lixo ou fazer com que seja o mínimo possível, alguns caminhos são necessários, como desacelerar a extração, reduzir as perdas no processo produtivo, aperfeiçoar o uso de materiais e circular mais e melhor, já que o objetivo do crescimento econômico é atender necessidades da sociedade. Na economia circular, o crescimento econômico é desconectado da exploração de recursos naturais, pensando em novos ciclos de materiais, de produção e de modelos de negócios com inovação.
Convém destacar alguns aspectos que NÃO se referem à economia circular:
- São apenas práticas de reciclagem, atributos sustentáveis e valorização de resíduos. Não, a economia circular promove o redesenho dos produtos com base na modularidade, maior durabilidade e melhor utilização;
- É solução para problemas da economia linear. Não, a economia circular muda o sistema atual e evita os problemas;
- Está relacionada à produção mais limpa e eficiência de processo. Não, a economia circular vai além, gerando efetividade com novos modelos de negócio, produção, parcerias e relações.
A inovação é fator decisivo na economia circular, seja na escolha dos materiais, no design dos produtos – muito importante já pensando no pós-consumo, serviços e plataformas que modificam a maneira de comunicação, a forma de consumo com geração de novos modelos de crescimento.
A economia circular é impulsionada por cinco condições de negócios: uso de recursos renováveis; uso de resíduos como recursos (muitas vezes descartados sem qualquer valor); compartilhamento e maior vida útil de produtos, seja por reparos, modernização, remanufatura, revenda e uso compartilhado; durabilidade e modularidade e produto como serviço - consumidor vs. usuário. Passenier (2017) cita que na economia circular os resíduos (em geral) devem ser tratados como um recurso valioso e não sem qualquer valor. Os produtos e materiais devem ser concebidos visando uma possível reutilização e não apenas o descarte - uma grande transformação pela economia circular. Joustra e Eijk (2017) citam que a economia circular muda conceitos: produto se transforma em serviço, consumidor em usuário e economia sem exploração de recursos naturais.
Segundo Weetman (2019), dois fatores são fundamentais na transição para a economia circular: capacitadores e aceleradores. Os capacitadores estão relacionados como as empresas estão “pensando de maneira diferente” para desenvolver estratégias e processos para criar e captar valor ao longo da cadeia produtiva. Isso inclui a biomimética, a química verde, o pensamento sistêmico e a inovação frugal, bem como os avanços da tecnologia com aumento da eficácia e mais valor. Assim, os capacitadores, “ajudam as empresas a se tornar mais eficientes e competitivas ou a desenvolver produtos, serviços e modelos de negócios”, cita Weetman (2019, p. 154). Os aceleradores fornecem condições diversas para o progresso de modelos de economia circular, com destaque para a colaboração vertical (entre fornecedor-cliente otimizando as de nível de atendimento, inovação do produto, planejamento da demanda, redução de riscos), colaboração horizontal (integração de vários fornecedores para melhorar a escala) e a avaliação do ciclo de vida (abordagem cradle to grave - do berço ao túmulo, para se ter uma visão geral dos aspectos ambientais do produto ou processo), conforme Weetman (2019). A Figura 3 apresenta uma relação entre os aspectos da economia circular e os capacitadores e aceleradores.
Figura 3. Framework da economia circular: capacitadores e aceleradores; fonte: adaptado de Weetman (2019).
A sustentabilidade está diretamente relacionada com a economia circular, uma vez que considera os aspectos sociais, econômicos e ambientais. Há que considerar a falta de infraestrutura de muitos governos municipais para o tratamento do lixo orgânico e hospitalar, bem como dos resíduos recicláveis. A economia circular ajuda a reduzir o volume de lixo gerado na produção.
O conceito e as práticas de economia circular ainda são relativamente novos no Brasil, mesmo estando adiantado em alguns países, Holanda, por exemplo, mas algumas empresas já estão utilizando-os nas políticas de produção e relacionamento com clientes e fornecedores, com destaque para Natura (CAVALCANTI et al, 2019), as construtoras Newinc, Precon e MRV (PEREIRA et al, 2019), a Dell e a Citrosuco.
A economia circular tem a condição de impulsionar os negócios atuais, desenvolver novos tipos de negócios, gerar emprego, proteger o meio ambiente, rever valores e atitudes, criar consciência no consumo e melhorar relações: seria o novo comum na produção?
Referências:
CAVALCANTI, H. S.; GOMES, J. S. O.; LOPES, K. K. J.; SOUZA, N. A.; CAMPELLO, M. Uma breve análise sobre a evolução da logística. Resende: XVI SEGET - Simpósio de Excelência em Gestão e Tecnologia - AEDB 2019. Anais...Resende, 2019.
JOUSTRA. D. J.; EIJK, F. van. Economia circular: do conceito à transição. Economia circular Holanda - Brasil: da teoria à prática. Cap.3; org. Beatriz Luz, 1.ed. Rio de Janeiro: Exchange 4 Change Brasil, 2017.
LUZ, B. As escolhas, o aprendizado e o processo de transição. Economia circular Holanda - Brasil: da teoria à prática. Cap. 5; org. Beatriz Luz, 1.ed. Rio de Janeiro: Exchange 4 Change Brasil, 2017.
PASSENIER, A. O futuro que desejamos. Economia circular Holanda - Brasil: da teoria à prática. Apres.; org. Beatriz Luz, 1.ed. Rio de Janeiro: Exchange 4 Change Brasil, 2017.
PEREIRA, F. M.; LOPES, J. P.; MACEDO, V. F.; CAMPELLO, M. Logística reversa dos resíduos da construção civil - Estudo de aplicações com foco em empresas privadas. Guarulhos: X FATECLOG 2019. FATEC. Anais...Guarulhos, 2019.
SENAI - SERVIÇO NACIONAL DE APRENDIZAGEM INDUSTRIAL. Economia circular. [curso online]; duração 20 horas. São Paulo: abr/mai.2020.
WEETMAN, C. Economia circular: conceitos e estratégias para fazer negócios de forma mais inteligente, sustentável e criativa. 1.ed. São Paulo: Autêntica Business, 2019.