Economia criativa: uma estratégia para o desenvolvimento municipal
O desejo de criar ou comunicar um valor que imprima nossa identidade cultural, como uma história, música, arte, e até o estilo de vestimentas, é tão antigo quanto a própria humanidade. Entretanto, durante um longo período, as atividades culturais não eram reconhecidas como um componente da economia.
Já na década de 1980, a Inglaterra reconheceu a cultura e a tecnologia como um vetor de força na economia do país, passando a ser denominado setor de Economia Criativa (NAC, 2022). Esse setor, diferentemente dos mais tradicionais da economia, inclui a criação de produtos que compõem a indústria criativa, ou seja, que possuam foco no conhecimento artístico, cultural e tecnológico.
Assim, existem pessoas com determinadas habilidades e as pessoas que pagam pelo produto dessas habilidades, constituindo-se, dessa forma, a base da economia criativa, que tem se apresentado como alternativa para o crescimento e o desenvolvimento de vários países. Os valores econômicos e culturais se unem no âmbito da Economia Criativa, sendo a área da Cultura o campo principal a ser considerado nesse contexto.
O setor cultural encontra-se entre os que mais apresentam crescimento e responde por 6,1% da economia mundial. O faturamento anual das indústrias culturais e criativas correspondem a US$2,25 bilhões e cerca de 30 milhões de empregos no mundo, sendo o setor que mais gera trabalho para pessoas que se encontram com idade entre 15 e 29 anos (UNESCO, 2024).
A economia criativa é um dos setores mais jovens e de rápido crescimento no mundo, sendo que o valor da exportação de bens culturais e serviços dobraram desde 2005, alcançando US$389,1 bilhões em 2019 (ONU, 2023).
Apesar de se encontrar em pleno crescimento na economia global, o próprio conceito de Economia Criativa ainda está em desenvolvimento. Em tramitação na Câmara dos Deputados, o PL 2.732/2022 define o termo Economia Criativa como um conjunto de atividades de criação, de distribuição e de circulação, de consumo e de fruição de bens de áreas e setores cujas atividades têm processos produtivos nos quais a dimensão simbólica é vetor determinante e preponderante de geração de valor.
Segundo os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad contínua) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a economia criativa emprega 7,4 milhões de trabalhadores no Brasil (IBGE, 2023). Tendo em vista o impacto atual e das projeções envolvendo os resultado do setor da economia criativa, é pertinente que os Municípios compreendam o potencial de desenvolvimento local impulsionado pelas atividades que compõem o setor cultural.
De forma simples, os Municípios podem observar o desencadear de atividades econômicas geradas a partir do setor cultural, a exemplo da realização de festas tradicionais, que, para manifestar as expressões populares, envolvem diversos agentes econômicos, como costureiras, maquiadores, hotéis, restaurantes e muitos outros. Assim, no âmbito da cultura, a economia criativa não somente impacta as iniciativas diretas da atividade desenvolvida, mas também outras cadeias produtivas.
O tema é tão relevante que a Unesco reconhece as cidades criativas, por meio de uma chancela, com o objetivo de incluí-las em rede a fim de viabilizar o intercâmbio das experiências aplicadas por esses locais, estimulando o desenvolvimento sustentável (SEBRAE, 2023).
Atualmente, 246 cidades do mundo compõem a rede de cidades criativas, dessas, 14 são brasileiras, com atuação nas seguintes áreas:
1. Gastronomia: Belém (PA), Florianópolis (SC), Paraty (RJ) e Belo Horizonte (MG);
2. Design: Brasília (DF), Curitiba (PR) e Fortaleza (CE);
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3. Artesanato e arte popular: João Pessoa (PB);
4. Música: Salvador (BA) e Recife (PE);
5. Cinema: Santos (SP) e Penedo (AL);
6. Literatura: Rio de Janeiro (RJ);
7. Artes midiáticas: Campina Grande (PB).
Com ou sem chancela, o importante mesmo é os Municípios compreenderem o potencial das atividades de economia criativa, e, nesse sentido, temos vários exemplos em território nacional.
Um deles é o Município de Mandirituba (PR), que com 27.434 habitantes adotou um projeto ambicioso para criar o Polo de Cinema do Paraná, visando descentralizar a produção do audiovisual brasileiro.
O projeto prevê seis estúdios de gravação, seis salas de exibição, dois refeitórios e dois alojamentos, totalizando 98 mil metros quadrados de área construída. A projeção é mobilizar uma gama de trabalhadores de variadas áreas, além das que já trabalham na área de audiovisual, e atrair visitantes e turistas, sendo um potencial de desenvolvimento socioeconômico local.
Os dados evidenciados revelam a importância da economia criativa como oportunidade de obtenção de resultados sociais e econômicos a partir da expressão da identidade cultural.
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Ana Cristina Rodrigues Maltez – Advogada; Analista Técnica da área da Cultura da CNM; Conselheira Titular do Conselho Nacional de Política Cultural (CNPC).
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1 mArtigo extremamente oportuno para a realidade cultural no Brasil. A abordagem direta, explicativa e muito elucidativa aponta as inúmeras vantagens, inclusive financeiras, em se aplicar recursos e investimentos na área da cultura em todas as esferas administrativas demonstra que a cultura é um assunto gente grande e gestores sérios e capazes de enxergar o tamanho do seu potencial social . Muito bem observado e apontado. Parabéns pelo texto.