Choques de emprego transitórios e crescimento potencial de longo prazo: uma abordagem de capital humano em Solow
Margaret Bourke-White

Choques de emprego transitórios e crescimento potencial de longo prazo: uma abordagem de capital humano em Solow

Serviços autônomos como Uber, iFood, 99 e afins se tornaram alguns dos principais empregadores na economia brasileira. Se por um lado esse tipo de emprego é positivo por manter algum nível mínimo de renda para pessoas que estariam em bicos de retorno ainda mais baixo ou dependentes de transferências governamentais, por outro pode representar um problema duradouro no mercado de trabalho e no desenvolvimento do País.

Capital humano, como outros ativos, está sujeito a depreciação. Esta depreciação é especialmente severa em períodos longos de alto desemprego ou sub-emprego. A ausência de emprego compatível com a formação da mão de obra, além de impedir trabalhadores de adquirirem experiência em suas áreas - com custo irreversível ao longo do tempo - também limita a possibilidade de atualizar suas competências, afinal a queda dramática de renda prejudica o acesso a formação adicional e o custo de oportunidade de se qualificar para um mercado extremamente restrito torna-se alto frente a alternativas como buscar sub-empregos para sobreviver.

Assim, a mão-de-obra, que investiu em aprimorar seu capital humano no passado, terá dificuldades em ver o retorno deste investimento, buscará fontes de renda alternativas (como aplicativos), envelhecerá sem adquirir experiência relevante e verá possivelmente seus salários futuros se reduzirem frente ao que era esperado antes da crise.

Além de se abater sobre milhões de desempregados, gerando enorme drama pessoal para cada um deles, a depreciação do capital humano pela fratura completa do mercado de trabalho também afeta o País de maneira ampla ao longo do tempo.

Para estudar os efeitos de choques de emprego transitórios sobre crescimento de longo prazo, fiz um modelo simples de crescimento em R, baseado em uma função de produção Cobb-Douglas com capital (K), trabalho (L) e tecnologia (A). A tecnologia (A) é determinada pelo estoque de capital humano, que pode tanto crescer via learn-by-doing quando a mão de obra está empregada, quanto diminuir a partir da depreciação das habilidades e competências da força de trabalho em períodos de desemprego. O capital (K) é acumulado a partir do investimento, cuja determinação se dá pela taxa de poupança (s) sobre o produto agregado e a força de trabalho cresce a uma taxa g.

Estimo então o produto de pleno emprego, com total utilização dos fatores K e L por um número n de períodos e, usando os mesmos parâmetros, estimo o produto introduzindo um choque de desemprego transitório, com duração d.

Aplico o modelo para 500 períodos, assumindo taxa de learn-by-doing de 5% por período de emprego e de 3% de depreciação do capital humano por período de desemprego. O choque ocorre no período 10, se estende por 10 períodos e chega ao máximo de 20% de desemprego antes de cair a 0% novamente. Os efeitos são severos.

Diferença em % entre o produto per capita entre o cenário com pleno emprego e o com choque de desemprego por 10 períodos
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Durante a vigência do choque, a diferença entre o produto per capita de pleno emprego e o produto per capita em desemprego chega a quase 20%, decaindo lentamente até chegar a 1,3% no período 500.

Tendo em vista que a acumulação de capital é função do produto, este período transitório de desemprego gera diferenças marcantes no estoque de capital per capita entre os dois cenários. Sob o choque, a diferença de capital per capita chega a 12%, se estabilizando em torno de 2% ao final do período 500.

Partindo da ideia de existência de um estado estacionário no modelo, este choque transitório de emprego, ao depreciar mais fortemente o capital humano e condicionar diferenças de produto, levaria, tudo mais constante, a um estado estacionário inevitavelmente mais baixo que no cenário de pleno emprego, exigindo algum tipo de investimento corretivo no capital humano ou alguma mudança na taxa de poupança para compensar os períodos de atraso.

Voltando ao nosso caso, somos um pântano de ineficiência que já lida com baixíssimo capital humano como condição estrutural. Estamos atrasados há décadas frente ao resto do mundo e não temos perspectiva de superar essa diferença em prazo razoável. Como este pequeno modelo sugere, submeter nossa já precária mão de obra a longos períodos de desemprego, com efeitos quase irreversíveis sobre seu limitado capital humano, é condenar o país a um caminho de desenvolvimento ainda mais lento no longo prazo.

Neste sentido, a economia do sub-emprego em que vivemos serve de fato como boia que alivia uma falência socioeconômica ainda maior, mas, ao ser um atoleiro de capital humano, sinaliza um futuro preocupante que talvez já seja irreversível no seu atraso anunciado.

Caso a situação do mercado de trabalho não melhore em breve, o que dificilmente ocorrerá tendo em vista a viscosidade do emprego frente a outras variáveis e a falta de plano concreto neste sentido, mataremos todos os dias algumas décadas mais de potencial econômico e condenaremos mais algumas gerações a arcar com um fracasso que nunca foi seu.

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