A Eficácia da Lei de Organização Criminosa no Combate ao Crime Organizado no Brasil: Perspectivas e Análises

A Eficácia da Lei de Organização Criminosa no Combate ao Crime Organizado no Brasil: Perspectivas e Análises

A atuação de organizações criminosas no Brasil e no mundo desafia constantemente a aplicação da legislação penal e o funcionamento do sistema de justiça. Com a entrada em vigor da Lei nº 12.850/2013, o Brasil introduziu um arcabouço legal detalhado e moderno para caracterizar e reprimir o crime organizado, reconhecendo o impacto e a complexidade das estruturas criminosas que têm como objetivo a prática de crimes de forma sistemática e lucrativa. Neste artigo, exploraremos a definição e os elementos de organização criminosa segundo a legislação brasileira, exemplos de organizações mafiosas e empresariais que operam no país, além dos instrumentos investigativos que buscam mitigar a influência e o poder desses grupos.

1. O Conceito Legal de Organização Criminosa

A Lei nº 12.850/2013 define como organização criminosa a associação de quatro ou mais pessoas, organizada de forma estruturada e com divisão de tarefas, para a prática de infrações penais cuja pena máxima seja superior a quatro anos, ou ainda de crimes transnacionais. A definição reflete a importância da estrutura organizada e da continuidade das atividades criminosas, sendo um fator essencial para diferenciar esses grupos de outras associações menos complexas, como quadrilhas e bandos.


No contexto brasileiro, essa definição se aplica a facções como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV), que mantêm divisões hierárquicas claras, infraestrutura sofisticada e operações que incluem tráfico de drogas, armas e até controle de territórios em áreas urbanas e no sistema prisional. Além das facções, o conceito de organização criminosa também se aplica a organizações de tipo empresarial e mafioso, cada uma com características distintas, mas igualmente prejudiciais.

2. Organizações Criminosas de Tipo Mafioso e Empresarial

As organizações de tipo mafioso têm uma origem e estruturação diferentes das facções brasileiras. Inspiradas nos modelos da Máfia Italiana (Cosa Nostra, Camorra, e Ndrangheta), elas se caracterizam pelo uso de práticas de coerção, corrupção e, principalmente, pela infiltração em setores econômicos e políticos para garantir impunidade e lucratividade. Embora o Brasil não tenha uma máfia clássica, como a italiana ou a Yakuza japonesa, existem organizações com perfis similares, especialmente no Rio de Janeiro, onde milícias controlam áreas urbanas e lucram com atividades que vão do tráfico de armas ao controle de serviços locais.

As milícias, por exemplo, operam no modelo mafioso, controlando regiões da cidade e impondo taxas a comerciantes e moradores. Um exemplo marcante foi o caso da Milícia da Zona Oeste do Rio de Janeiro, investigada e parcialmente desarticulada pela operação “Intocáveis” em 2019. Essa organização gerenciava práticas extorsivas, exploração de segurança ilegal e controle de transportes clandestinos, com um modus operandi muito semelhante ao da máfia italiana, baseado na intimidação e na extorsão.

As organizações de tipo empresarial, por sua vez, se diferenciam pela criação de empresas legítimas ou pela utilização de conglomerados empresariais para lavar dinheiro, esconder operações criminosas e ampliar suas atividades de forma legalmente protegida. A Operação Lava Jato expôs uma rede complexa de corrupção e lavagem de dinheiro, em que empresários e políticos de alto escalão estabeleciam contratos fraudulentos e superfaturados, desviando recursos públicos em benefício de partidos e grupos econômicos.

O modus operandi desse tipo de organização envolve o uso de offshores, contratos falsos e uma sofisticada rede de contabilidade para lavar o dinheiro advindo das atividades ilícitas, frequentemente integrando-se em esquemas transnacionais. Este perfil de organização criminosa representa um desafio jurídico e investigativo, pois requer um sistema penal capaz de quebrar o sigilo bancário e acessar transações internacionais, algo que só é possível mediante acordos de cooperação e sofisticados métodos de rastreamento financeiro.

3. Instrumentos Legais para o Combate à Organização Criminosa

A Lei nº 12.850/2013 prevê instrumentos essenciais para o combate ao crime organizado, sendo os principais:


Colaboração Premiada: Amplamente utilizada no caso Lava Jato, a colaboração premiada permite que membros da organização forneçam informações em troca de benefícios. No entanto, é uma ferramenta que exige precauções, uma vez que podem ocorrer abusos e manipulações das informações. A colaboração foi essencial na desarticulação das redes empresariais criminosas, mas gerou também debates sobre o respeito ao devido processo legal e aos direitos fundamentais.

Interceptação Telefônica e Infiltração de Agentes: Essas técnicas permitiram, por exemplo, desmantelar redes criminosas operando a partir do sistema prisional. As interceptações telefônicas foram fundamentais para a identificação da comunicação entre lideranças do PCC e seus subordinados, revelando as ordens de crimes que transcendiam as fronteiras estaduais e mesmo nacionais. A infiltração de agentes possibilita a coleta de provas dentro da organização criminosa, mas exige uma cuidadosa regulamentação para garantir que seja utilizada conforme o princípio da proporcionalidade.

Acordos de Cooperação Internacional: A internacionalização das organizações criminosas exige que o Brasil colabore com outros países para rastrear o dinheiro, prender líderes em solo estrangeiro e realizar extradições. A Interpol e os tratados de extradição são fundamentais para rastrear criminosos e bloquear recursos financeiros mantidos fora do país. A lavagem de dinheiro em esquemas empresariais frequentemente envolve transações transnacionais, sendo necessária uma rede de cooperação que inclua também os setores bancário e jurídico internacionais.


4. Desafios e Perspectivas para o Futuro

Ainda que a Lei nº 12.850/2013 ofereça um sólido conjunto de medidas para o enfrentamento ao crime organizado, os desafios são imensos. A superlotação dos presídios, por exemplo, cria um ambiente propício para o fortalecimento de facções, e as milícias têm se beneficiado da ausência de presença do Estado em determinadas áreas para consolidar seu controle territorial. Além disso, a corrupção em setores públicos e privados permite que essas organizações permaneçam operacionais, mesmo quando suas lideranças são presas ou investigadas.

Outro desafio é a capacidade limitada de investigação financeira e de análise de dados que possibilite identificar e rastrear redes empresariais e mafiosas. Esse tipo de organização opera com estruturas que muitas vezes ultrapassam os limites da legislação e das competências das autoridades brasileiras, exigindo uma política integrada e avançada em termos de tecnologia e cooperação internacional.

Conclusão

O enfrentamento ao crime organizado no Brasil exige uma abordagem multifacetada, que considere tanto a complexidade das organizações de tipo mafioso, como as milícias, quanto as de tipo empresarial, como as redes de corrupção desmascaradas pela Operação Lava Jato. A legislação atual proporciona uma estrutura importante para a repressão, mas a aplicação eficaz da lei requer uma integração entre diferentes esferas do governo, investimentos em tecnologia de investigação e uma cooperação sólida com instituições internacionais. Somente dessa forma o Brasil poderá efetivamente reduzir a influência das organizações criminosas e fortalecer a segurança pública.

Referências

Lei nº 12.850/2013 - Planalto

• Dados sobre operações e jurisprudência no STF e STJ

• Relatórios e estudos do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sobre sistema prisional e segurança pública

Rodrigo Teodoro da Silva

Advogado | Professor | Contencioso Cível | Trabalhista | Tributário | Direito do Consumidor | Direito Administrativo | Licitações | Contratos | Assessoria Jurídica | Treinamento

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Meus parabéns pela publicação do artigo, Kleber!

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