Eleição de Trump e reação da China
A eleição de Trump causou muitas reações ao redor do mundo, muito influenciadas pelas declarações e posturas polêmicas que marcaram a campanha presidencial do candidato. Mas qual foi a reação da China perante a vitória do futuro presidente dos Estados Unidos? E quais serão os efeitos que a liderança de Donald Trump trará para o gigante chinês?
Xi Jinping: “relação saudável e estável” com os Estados Unidos
Eleição de Trump e o Governo Chinês
As últimas eleições dos Estados Unidos, que culminaram na polêmica vitória de Donald Trump, levantaram não somente muitas questões para debates, como mergulharam o mundo em uma onda de preocupação e medo por um futuro marcado pelo retrocesso. No plano internacional, a eleição de Trump foi recebida por discursos oficiais de apoio, de incredulidade e de outras felicitações meramente cordiais. O impossível foi encontrar uma posição de indiferença: todos sabem que essa vitória causará efeitos importantes não somente aos Estados Unidos, mas também ao restante do mundo.
No dia após os resultados, o presidente chinês Xi Jinping enviou uma mensagem parabenizando Donald Trump, ressaltando a necessidade de os dois países manterem uma “relação saudável e estável”, assumindo “ a responsabilidade especial de manter a paz e a estabilidade, impulsionando o desenvolvimento e a prosperidade globais e compartilhar amplos interesses”.
Quatro dias depois, o presidente chinês realizou sua primeira ligação telefônica ao novo presidente dos Estados Unidos, o qual tomará posse no dia 20 de janeiro. A equipe de Trump afirmou que, na conversa, foi “estabelecida uma clara percepção de respeito mútuo” e que Donald Trump acredita que “os dois líderes terão uma das mais fortes relações para que ambos os países avancem”.
Já Geng Shuang, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, afirmou que ambos os lados concordaram em manter um contato próximo, construir boas relações e trabalhar em um encontro entre Xi e Trump o mais cedo possível. O porta-voz ainda ressaltou que os dois países mantêm há tempos uma estreita comunicação e que os chineses continuarão se atentando para preservá-la.
Trump fez declarações polêmicas sobre os chineses em sua campanha
Polêmicas durante a campanha
Durante a campanha presidencial, Donald Trump foi responsável por diversas afirmações polêmicas, passeando em torno de questões de gênero, xenofobia e discursos de ódio. Em relação especificamente à China, suas declarações não deixaram de criar uma esfera de contestações. Trump causou desconforto ao afirmar em alguns de seus discursos que os chineses eram responsáveis, juntamente com a Índia, por tirar ofertas de trabalho de cidadãos dos Estados Unidos. Outro assunto bastante abordado pelo bilionário durante sua campanha seria a acusação de que a China manipularia sua moeda (yuan), favorecendo de maneira injusta as indústrias chinesas, que teriam assim vantagens na venda de seus produtos no exterior. Trump chegou a afirmar que, por isso, a China seria responsável por “roubar” os Estados Unidos e o restante do mundo e que uma das soluções seria a adoção de medidas protecionistas para impedir o que considerava ser um “comércio desleal”.
Reação dos Chineses
Nas redes sociais, as reações dos chineses foram diversas. Alguns criticavam o posicionamento do bilionário e o que ele representava, afirmavam que Trump deveria, agora que eleito, começar a agir mais como um verdadeiro presidente. Ainda foram escritos comentários de grande preocupação pela falta de experiência política e diplomática de Trump. Por outro lado, alguns chineses demonstravam apoio ao novo presidente eleito, que representava o “espírito dos brancos americanos” e a nova ascensão do “american way of life”. O fato de ser visto como um empresário bem-sucedido também é um dos fatores que influenciaram alguns chineses a apoiarem o bilionário nas redes sociais. Outros ainda demonstravam apenas a opinião de que, independente do resultado que levou à eleição de Trump, os Estados Unidos apenas não devem ver a China como um “potencial inimigo” e não deveria tentar influenciar em questões da região asiática. O fato é que a eleição de Trump movimentou as redes sociais chinesas: registros apontam que os resultados da presente eleição dos Estados Unidos foram citados online no país asiático cerca de 20 vezes mais que a primeira vitória de Barack Obama, há oito anos.
Jack Ma, fundador do Alibaba e um dos homens mais ricos da China, afirmou em entrevista, que Donald Trump deve manter relações com a China, pois, caso contrário, causaria um grande desastre. Apesar das declarações polêmicas ao longo de sua campanha e do clima de incerteza que paira ainda sobre os resultados da eleição de Trump, o bilionário chinês é otimista, afirmando que o futuro presidente dos Estados Unidos não irá negligenciar a relação entre os dois países.
Por outro lado, Donald Trump também é popular na China em diferentes situações. Antes dos resultados das eleições, e, principalmente, para o Halloween, máscaras com o rosto do futuro presidente dos Estados Unidos já eram sucesso entre os chineses. Fábricas, como as localizadas em Shenzhen e Zhejiang, aumentaram suas produções de máscaras de Trump e afirmavam que as do então candidato à presidência eram mais populares que as de sua rival, Hillary Clinton.
A eleição de Trump trará benefícios aos chineses?
A China também venceu?
Alguns especialistas e jornais internacionais afirmam que a China havia sido a maior beneficiada com a eleição de Trump. No plano doméstico chinês, a vitória do novo presidente, com ideais e posicionamentos tão questionáveis, representaria o verdadeiro enfraquecimento do modelo de governo dos Estados Unidos. Jornais estatais chineses alertavam que o sistema político do país americano estaria agora em declínio. Um dos editoriais do China Daily, por exemplo, teve como manchete a seguinte frase: “a democracia é a perdedora nas eleições estadunidenses”. A vitória do bilionário, além de representar o “erro” desse sistema político dos Estados Unidos, seria utilizada para exaltar, em contraponto, o sistema chinês, cuja liderança do governo do país apenas elencaria pessoas cuidadosamente escolhidas, com experiência dentro do Partido Comunista Chinês.
Com a previsão de um governo mais voltado a questões internas, os Estados Unidos de Trump apresentariam menos obstáculos aos interesses geopolíticos chineses, com destaque sobre as disputas na região do Mar do Sul da China. Taiwan, que sempre se viu respaldada pelos Estados Unidos, deve perder a força desse apoio, em um momento em que as pressões sobre a região aumentam, diante da presidência de Tsai Ing-wen, que visa a um maior afastamento de Pequim. Com receio de ficar “órfãos” de tamanho apoio dos Estados Unidos, a presidente taiwanesa, eleita no começo desse ano, não tardou em parabenizar Trump, ressaltando sua confiança em suas relações futuras, além de destacar que o país americano é o mais sólido parceiro de Taiwan.
Outro ponto visto com a eleição de Trump é a questão de uma provável nova postura dos Estados Unidos frente a cobranças relacionadas à liberdade de imprensa e a proteção dos Direitos Humanos na China. O país asiático sempre era citado acerca de prováveis violações de direitos nesses campos, críticas sempre rebatidas pelo governo chinês. Com a eleição de Trump, é previsto que essas preocupações perderiam força nos discursos oficiais dos Estados Unidos.
Diferentemente de Obama, Trump ainda atuará com apoio do Congresso de maioria Republicana. Algumas das declarações do presidente recém-eleito já foram vistas com bons olhos pela China. Trump, por exemplo, durante sua campanha, já se demonstrou contrário ao Tratado Transpacífico (TPP) – o ambicioso tratado que prevê uma área de livre comércio entre doze países, mas que excluía a China, e era visto como um plano para frear a influência do gigante asiático na região do Pacífico. Xi, inclusive, em viagem à recemte cúpula da Cooperação Econômica Ásia-Pacifico (Apec), já vem buscando fortalecer as relações com os países membros durante o evento, principalmente com aqueles que fariam parte do TPP, procurando se beneficiar da lacuna incerta que a eleição de Trump gerou sobre a concretização do Tratado.
A eleição de Trump resultará em mudanças em medidas feitas por Obama
Preocupações Chinesas
Pelas declarações polêmicas realizadas pelo presidente eleito durante sua campanha em relação à China, alguns jornais do gigante asiático levantaram a preocupação acerca de uma possível “guerra comercial” e um caráter mais protecionista do mercado, após a eleição de Trump. Mesmo com a China buscando se alçar cada vez mais sobre seus planos da Nova Rota da Seda, é inegável a importância dos mercados desses dois países em suas respectivas economias, que são mutuamente dependentes. Alguns ainda afirmam que essa “guerra comercial” seria pouco provável, mas que, mesmo se ocorresse, os maiores prejudicados seriam os Estados Unidos. O jornal chinês Global Times publicou um editorial em que afirmava que qualquer conflito comercial entre os dois países traria prejuízos às indústrias dos Estados Unidos, levando, por exemplo, a uma queda das vendas de iPhones, interrupções das importações de soja e de milho, além da substituição de aeronaves Boeing (Estados Unidos) pela Airbus (França).
Xi Jinping em encontro da Apec, em Lima
Em reunião durante a cúpula daCooperação Econômica Ásia-Pacifico (Apec), em Lima, no último dia 19, foi afirmado que, caso Donald Trump opte realmente por um caráter protecionista e busque frear o livre comércio, muitas das demais potências do mundo, em contraposição, não se fecharão. Xi Jinping declarou sobre a Chinaque “nós não nos fecharemos. Vamos nos abrir ainda mais.” Essas posturas e declarações demonstraram que já estão ocorrendo discussões acerca da possibilidade de novas alianças entre os países sem os Estados Unidos, principalmente entre aqueles considerados como em desenvolvimento e que buscam no livre comércio uma maior guinada em suas economias.
Outra preocupação que a eleição de Trump pode trazer à China está ligada a questões climáticas. Enquanto os governos de Obama e de Xi caminhavam em uma aliança para diminuir as repercussões das mudanças climáticas, Trump demonstrou posicionamento diverso. Em 2012, em sua conta no Twitter, o presidente recém-eleito afirmava que o aquecimento global era uma farsa, criada pelos chineses com o intuito de frear o crescimento e competitividade dos Estados Unidos no mercado mundial. Dias antes de ser eleito, Trump também afirmou que faria de tudo para retirar o apoio do país mais rico do mundo do Acordo de Paris de 2015, tratado planejado para substituir o Protocolo de Kyoto, visando ao combate da mudança climática. Mesmo assim, a China prevê dar continuidade a seus planos no assunto, e, provavelmente, terá que posicionar-se como o principal protagonista nessas discussões a nível internacional.
Ásia Dividida?
Se a China não viu com maus olhos a eleição de Trump, as reações no restante da Ásia foram divididas. O governo filipino, que vinha se distanciando da administração Obama, não tardou em apresentar felicitações calorosas ao novo presidente eleito. Já Coreia do Sul e Japão, os dois principais aliados dos Estados Unidos na Ásia, convocaram reuniões de seus conselhos de segurança nacional para discutir sobre as repercussões dos resultados das eleições.
O Japão se preocupa com seu desejo de sucesso do TPP, além de também preocupar-se com as declarações de Trump de que o Japão deveria desenvolver suas próprias armas nucleares, além de pagar pelos gastos militares da presença de forças armadas dos Estados Unidos em seu território. Mesmo com o clima de desconfiança, o primeiro ministro do Japão, Shinzo Abe, realizou seu primeiro encontro não oficial com Trump no último dia 17, afirmando que está agora “confiante em construir uma relação baseada na confiança” com o novo presidente dos Estados Unidos.
Presidente Park Geun-hye ( Coréia do Sul), Barack Obama (EUA) e Primeiro Ministro Shinzo Abe ( Japão)
A eleição de Trump representou uma oportunidade para a China se alavancar ainda mais diante de uma posição de protagonismo mundial, local pelo qual vem caminhando nos últimos anos. O posicionamento do futuro presidente dos Estados Unidos ainda é visto com desconfiança, cercado por algumas incertezas. A rivalidade com a Chinapermanecerá, mas sob uma nova roupagem. Já no campo econômico, pelo menos, crê-se que possíveis mudanças não trarão prejuízos aos dois países mais ricos do mundo: a dependência mútua entre eles é muito grande. A eleição do bilionário trouxe diferentes pólos de opiniões que ultrapassaram fronteiras territoriais e demonstraram preocupantes posturas radicais, pautadas, muitas vezes, em um discurso agressivo e de ódio gratuito. Assim, questiona-se: a vitória de Trump nas eleições dos Estados Unidos pode ser considerada, na realidade, uma vitória ou uma derrota? A única certeza que se vê, por enquanto, é que seu futuro mandato definitivamente não gerará uma coisa: indiferença.
Fontes: El País, The Washington Post, CNN, BBC, The New York Times, The Economist, Shanghaiist, G1