A EMPRESÁRIA E O MOTORISTA
CONTO
Amanda foi até a casa de seu pai, em plena quarta-feira, sentou-se no sofá ligou a TV e ficou ali, distante, pensando sobre como seria bom se ela conseguisse ter uma solução para os seus problemas.
― O que lhe entristece, minha filha?
― Nada, papai, coisas de trabalho.
― Estou indo até a praia. Se puder me acompanhar ficarei muito feliz. Podemos conversar no caminho. Quem sabe eu posso lhe ajudar em alguma coisa?
― Pai, como o senhor poderia me ajudar? Você passou a vida inteira dirigindo um caminhão, não entende nada sobre o que acontece dentro de uma empresa?
― Eu sei. Mas graças a esse caminhão você conseguiu se formar.
― Desculpa, papai, mas não é a mesma coisa.
― Vamos logo, levanta a bunda desse sofá e pega seu maiô. Quem sabe seu problema já tenha cruzado minha estrada.
Bem, pensou Amanda, um passeio na praia é sempre melhor do que ficar em casa, martelando problemas; assim, ela concordou e os dois seguiram viagem.
― Gostaria de saber, o que está deixando você assim tão preocupada? ― perguntou o pai.
Amanda achou melhor desabafar:
― Não sei do que isso irá adiantar, mas vamos lá. Quanto mais minha empresa cresce, maiores são os problemas.
― Isso é o que se espera.
― Tudo bem, porém eu preciso de alguém pra me ajudar no negócio. Sozinha eu não consigo dar conta.
― Um sócio? Um vice-presidente...
― Sim, essas coisas. Acontece que não consigo escolher uma pessoa para o cargo. Todos me parecem bons e ao mesmo tempo ruins, na verdade eu não conheço a essência daquelas pessoas, elas estão escondidas naqueles gestos e cerimônias corporativas, naquele “bom dia” quase que mecânico e apertos de mão sem um olhar verdadeiro. E o pior, eles já perceberam que estou em dúvida e agora estão em guerra para saber quem fica com a vaga e isso não faz bem pra ninguém.
― Dirigir uma empresa não deve ser muito diferente de dirigir um caminhão, minha filha.
― Como não, papai? Para se dirigir uma empresa a pessoa precisa ter muito conhecimento, muito estudo, precisa estar preparada.
― Pensei ter ouvido você dizer que estava preocupada com a essência de seus colaboradores.
― Sim, foi o que eu disse.
― Então escute... Se você quer apenas uma pessoa bem preparada, basta escolher quem tem o melhor currículo. Isso é nivelamento, graduação, não é assim que vocês chamam? Já para escolher uma boa pessoa talvez a minha experiência possa ajudar.
― Não, papai, a questão vai muito além.
― Se você não duvidar do meu plano, eu posso lhe contar minha ideia agora mesmo, mas se você estiver armada com seus pré-conceitos, nós podemos encerrar o assunto e continuar a viagem falando de outras coisas.
A jovem empresária riu do seu próprio pai, porém, por fim aceitou ouvir sua proposta.
― Combinado, qual o seu plano?
― Convide as pessoas para um passeio de carro e peça para elas dirigirem. Como estou fazendo agora. Observe bem o comportamento delas no trânsito e depois faça um comparativo com o desempenho delas dentro da empresa. Quando estamos dirigindo um carro não temos como esconder o nosso caráter e tudo se revela nos menores detalhes, assim como dar passagem para um pedestre, respeitar a faixa, assumir um erro. Eu garanto que você irá se surpreender com o resultado.
Amanda ficou algum tempo relutante com a ideia, mas depois, sem outra opção, resolveu experimentar o plano do seu pai e convidou cada um de seus colaboradores para um passeio. Inventado as desculpas mais esdrúxulas para não dirigir. Um dedo machucado, um problema na vista, um calo no pé, etc.
Passados alguns dias, Amanda retornou até a casa de seu pai, sentou-se no sofá, ligou a TV e ficou ali, sem dizer nada.
― Outro problema, minha filha?
― Não. Dessa vez não.
― Então, o que lhe entristece?
― O que me entristece é não ter confiado no senhor, é ter subestimado a sua experiência, é ter sido arrogante com o senhor só porque trabalho em um ambiente diferente. Você estava certo. Seu plano não só funcionou como me ajudou a arquitetar toda a estrutura humana da empresa.
― Quer dizer que minha vida não se resume apenas em dirigir um velho caminhão?
― Pai. Você é muito mais do que isso.
― Então explique como é que foi.
― Foi muito mais eficiente do que eu imaginava. A primeira pessoa dirigia com muita falta de respeito e sem obedecer à sinalização, portanto percebi que na empresa ela agia com a mesma displicência, mas, assim como no trânsito, ela conseguia disfarçar os seus erros; a segunda pessoa era muito apressada, achava que suas prioridades eram maiores que a dos outros, ultrapassava faróis fechados, sem se preocupar com os pedestres que estavam atravessando, e o pior, ainda batia boca com eles.
― E na empresa?
― Não era nem um pouco diferente. A terceira pessoa queria tirar vantagem em tudo. Estacionava em vaga de idosos, trocava de faixa sem necessidade, acelerava para não dar passagem, queria estar sempre à frente; porém a quarta pessoa foi a que me deu mais trabalho.
― Por quê?
― Ela me perguntou se podia trazer outra pessoa.
― Um convidado do convidado?
― Mais ou menos isso. Você já vai entender. Quando chegamos no carro ela perguntou se eu podia deixar essa pessoa dirigir, eu argumentei: “Mas por que não você? Não foi esse o nosso combinado?”, e ela me respondeu: “Estou indisposto, dirijo muito bem, mas o trânsito me deixa irritado. Melhor evitar, tem muita gente que não sabe dirigir”.
― Estranho.
― Pois é. No caminho essa pessoa hostilizou o motorista de todas as formas, desde que saímos com o carro. Coisas do tipo: “Ei, vai me fazer esperar?”, “Por que escolheu essa rua? A outra era muito melhor!”, “Vai ficar com o pé na embreagem?”, “Muda de marcha!”. Nada a deixava satisfeita.
― Melhor se ela dirigisse.
― Essa é a questão, papai. Percebi que ela não conhecia bem o trabalho. Ela não sabia fazer nada, além de dar ordens. Foi preciso demiti-la.
― Tem muita gente assim.
― No entanto, o melhor de tudo foi que encontrei uma pessoa perfeita para o cargo. Respeitosa, pontual, equilibrada, compreensiva, atenciosa. Eu jamais teria percebido suas qualidades se não a tivesse conhecido; e depois de passear com ela não tive mais dúvidas.
― Que bom.
― E tudo que precisei fazer foi sentar no banco do carona e observar como ela se comportava diante das adversidades. Esse foi o maior aprendizado pessoal que eu já tive na minha vida. A que parecia ser mais frágil e confusa no trânsito era a que demonstrava mais força e determinação para dirigir a empresa.
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