Energia renovável: Armazenamento de energia. Usinas Solares Fotovoltaicas Flutuantes. Ganhos com restrição da evaporação.

Frente ao cenário de crise hídrica derivado da seca de reservatórios hidrelétricos, somado à crise fóssil, decorrente de prejuízos ambientais inerentes, alternativas renováveis para substituição das fontes convencionais de energia (solar e eólica) vêm se tornando notáveis no cenário industrial e acadêmico do Brasil. Logo, em razão da diminuição histórica de vazão afluente e de investimentos em diversificação da matriz hidrelétrica, a representatividade média dessa fonte de geração diminuiu de 86%, nos últimos 16 anos, para 75%. Obviamente, em consequência desse fato, o setor elétrico brasileiro dispõe de medidas como: aumento do uso de fontes térmicas, e gerenciamento ótimo dos reservatórios. 

As duas fontes de energias alternativas supracitadas, solar e eólica, pela primeira vez na história, combinadas, ultrapassaram as hidrelétricas em capacidade instalada global em 2019, conforme, aponta relatório divulgado pela IRENA (Agência Internacional de Energia Renovável, na sigla em inglês). No caso do Brasil, a geração fotovoltaica é uma opção tecnicamente convidativa, em decorrência do elevado nível de energia solar disponível. Uma característica que as fontes de geração hidrelétrica e fotovoltaica tem em comum é a necessidade de grandes áreas para instalação. Nesse sentido, os reservatórios de Usinas Hidrelétricas podem ser aproveitados para instalação de Usinas Solares Fotovoltaicas Flutuantes. 

Foi inaugurada em agosto de 2019 a primeira Usina Solar Fotovoltaica Flutuante pela Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf) instalada no reservatório de Sobradinho, aproveitando a área represada do Rio São Francisco, com capacidade de gerar um 1 MW-pico e área total de 11000 m². 

Esse modelo de solução trás vantagens econômicas:

  • Não há custo com a aquisição de terreno;
  • Em alguns casos pode-se compartilhar a subestação de elevação de tensão, o sistema de transmissão e a mão de obra para manutenção;
  • Por estarem em operação, essas áreas já possuem licenciamento ambiental, potencializando ainda mais a aplicabilidade dessa tecnologia no país;
  • O governo destaca que, nos dois casos, tanto de usinas flutuantes quanto terrestres, não há necessidade de desapropriação de terras.

De forma resumida, dentre as vantagens e desvantagens em se instalar essas usinas flutuantes, destacam-se:

Vantagens: aumento da eficiência dos painéis; menor taxa de evaporação da superfície livre da água, em razão da obstrução provocada pelos estruturas flutuantes; economia de água do reservatório através da geração combinada (hidrelétrica + fotovoltaica), de forma a otimizar a geração combinada durante o dia; melhoria na qualidade da água: menor proliferação de algas, em razão da obstrução provocada pelas estruturas flutuantes; redução do efeito de poeira nos painéis, em razão da proximidade à água; menores custos com aquisição de áreas: compartilhamento da infraestrutura da Usina Hidrelétrica.

Desvantagens: dificuldades de acesso ao sistema; necessidade de um forte e adequado sistema de ancoragem, de modo a deixar os painéis sempre voltados para a sol, e a minimizar impactos provocados pelas ondas; adequação da inclinação dos painéis para que os ventos não produzam forças significativas na instalação; aumento da corrosão da estrutura metálica, em decorrência do constante contato com a água; maior custo de instalação e manutenção; restrições ambientais relacionadas ao ecossistema e aos múltiplos usos da água: pesca, navegação e recreação.

A economia com o aproveitamento desses espelhos d’água pode compensar a aquisição das estruturas flutuantes utilizadas, que podem representar até 25% dos custos totais do projeto de uma Usina Solar Fotovoltaica Flutuante.

Entretanto, ao contrário das Usinas Hidrelétricas (e plantas de geração térmica), as Usinas Fotovoltaicas não conseguem gerar, mesmo que intra-minuto, energia elétrica constante no tempo, e isso decorre de dois fatores: (1) a variabilidade intra-hora devido ao movimento aparente do sol e o cobrimento do céu pelas nuvens; (2) a não existência de um sistema de armazenamento de energia natural, papel que é cumprido pelo reservatório no caso das hidrelétricas. Nesse sentido, é interessante destacar, que a estabilidade de geração das Usinas Hidrelétricas não decorre de uma vazão afluente constante, mas sim da existência de um reservatório com elevada capacidade de regulação. Pode-se pensar em um modelo de solução análogo para o caso da energia fotovoltaica. As usinas fotovoltaicas podem gerar energia de forma estável, mesmo sem receber radiação solar constante, caso exista um sistema de armazenamento. A combinação entre usinas fotovoltaicas e hidrelétricas pode servir para esse fim, uma vez que o reservatório hidrelétrico pode ser compartilhado, auxiliando na mitigação da variabilidade da energia fotovoltaica.

“É conveniente salientar que todo sistema de armazenamento possui uma eficiência de conversão. Ou seja, tanto um sistema de armazenamento de energia por baterias, ou no caso de uma Usina Hidrelétrica Reversível, somente uma parte da energia gerada é armazenada. A grande vantagem operacional dos sistemas de armazenamento não está na energia global gerada, mas sim na possibilidade de se escolher o momento de gerar energia, podendo assim obter vantagens comerciais ao realizar a geração em um momento de maior valor comercial ou estratégico.”

Desse modo, a combinação entre usinas fotovoltaicas flutuantes e hidrelétricas favorece um aumento na estabilidade de geração de energia fotovoltaica, uma vez que o reservatório pode ser compartilhado, auxiliando na mitigação da variabilidade característica da energia fotovoltaica. De forma sinérgica, a presença física dos painéis cobrindo o reservatório, por si só, evitaria uma parcela de evaporação da água. O reservatório nesse caso, substituiria o uso de baterias com o meio de armazenamento de energia. Essa seria uma opção interessante em hidrelétricas de médio e grande porte com nível de reservatório historicamente deficitário.


Abordarei agora uma breve análise qualitativa/quantitativa sobre o comportamento da evaporação em razão da adição de plataformas flutuantes sobre espelhos d’águas de reservatórios hidrelétricos.


O processo de evaporação pode ser estimado por intermédio do balanço hídrico do reservatório, fundamentado no princípio de conservação da massa. Esse processo está relacionado à mudança de estado físico, em que substâncias líquidas ganham energia o suficiente para passarem para o estado de vapor. Essa quantidade de energia é denominada calor latente de evaporação. O calor latente de vaporização para a água a 25ºC é igual 2,44MJ/kg. No entanto, a ocorrência desse processo não está condicionada somente ao recebimento dessa energia, que tratando-se de reservatórios abertos é fornecido pela irradiação solar, mas sim da quantidade de vapor d’água presente no ar acima do reservatório, denominada pressão de saturação. Assim como a irradiação solar, outras variáveis meteorológicas interferem diretamente no processo de evaporação, tais como: umidade relativa do ar, temperatura do ar e velocidade do vento. Outros fatores com menor relevância também podem afetar esse processo, como parâmetros de qualidade d’água e características físicas do reservatório (área superficial e profundidade). A interferência de todos esses fatores cria dificuldades no processo de medição direta da evaporação, entretanto, existem diferentes métodos na literatura para a estimativa indireta da taxa de evaporação, destacando-se o método do balanço hídrico, balanço energético, transferência de massa, modelos híbridos (combinando balanço hídrico e energético) e métodos empíricos.

Para a construção dessa análise, utilizei o método de Penman-Monteith e suas atualizações, pois esse inclui a variação de calor armazenado no reservatório, e por não considerar a temperatura da água igual à do ar que, por sua vez, é estimada conforme temperatura de equilíbrio. Uma das premissas desse método concerne à distributividade uniforme do corpo de água do reservatório (isotérmico), não ocorrendo, portanto, nenhuma estratificação térmica, vertical, ou horizontal.

Logo, para um determinado reservatório do SIN (Sistema Interligado Nacional) foram simuladas e calculadas quatro áreas de instalação de Usinas Solares Fotovoltaicas Flutuantes, cujas respectivas áreas foram: 54000 m², 111000 m², 239000 m² e 304000 m². A área do reservatório de aproveitamento hidrelétrico utilizado na simulação é aproximadamente 73 km².

O armazenamento de energia em função do efeito prático da presença dos painéis pode ser destinado a fins, como: irrigação de lavouras adjacentes ao reservatório da usina, ou até mesmo contribuir no abastecimento de água.

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A Figura ao lado mostra o volume acumulado no reservatório devido à obstrução física provocada pelos painéis fotovoltaicos (na região dessa oclusão, considera-se, de acordo com a literatura, que o volume evaporado reduziu-se em até 80%. Observa-se que o volume acumulado devido a presença da área A4 de 304000m² (ver Figura ao lado), por exemplo, ao final de 366 dias, é próximo à quantidade de água evaporada por todo o espelho d’água do reservatório em um dia de verão (ver Figura abaixo, dia = 75).

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Isso se deve às pequenas dimensões das usinas fotovoltaicas simuladas, se comparadas à área do reservatório, para o caso avaliado, cerca de 73km². O efeito prático da redução do volume evaporado pode ser considerado desprezível, conforme evidenciado pela baixa representatividade do volume armazenado em um ano (0,35ℎ𝑚³ equivalente a 350m³ para a 𝐴4) frente ao volume do reservatório (792 ℎ𝑚³, equivalente a 792000m³). Lembrando que 1m³ corresponde à 1000 litros de água.

Entretanto, ao considerar por exemplo o consumo médio de água per capta para uma cidade adjacente ao reservatório analisado, cuja média nos anos de 2002 a 2013 representou um consumo equivalente a 152 litros por pessoa por dia (SNIS, 2013), verifica-se, então, que o volume armazenado médio por dia em razão da presença dos painéis seria capaz de suprir a demanda diária de aproximadamente 6000 habitantes. Obviamente, não estou sendo exigente quanto às possíveis perdas inerentes do processo, podendo estar esse valor superestimado.

Entretanto, se a presença de qualquer uma das Usinas Solares Fotovoltaicas simuladas fosse somada a uma manta térmica, responsável pelo cobrimento de toda a superfície (obviamente em um caso em que não houvessem influências ao ecossistema), teria-se em um ano, um armazenamento próximo a 10% do volume máximo do reservatório, impactando positivamente no planejamento hídrico do reservatório.

Ainda sobre Usinas Fotovoltaicas Flutuantes, num próximo momento abordarei outros resultados interessantes acerca do conceito de Usinas Hidrelétricas Reversíveis aplicadas no atual cenário brasileiro, utilizando-se do bombeamento fotovoltaico para armazenar energia em reservatórios de aproveitamento hidrelétrico e otimizar o gerenciamento de volume de uma bacia hidrográfica.

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