Entenda a maconha medicinal
A maconha é uma planta que, além de substâncias psicoativas que afetam o sistema nervoso, também tem componentes medicinais — extremamente importantes para o tratamento de doenças sérias.
Nesse contexto, tem diferentes significados e diferentes utilidades nas diversas regiões do mundo. Em alguns países, as pessoas usam o cânhamo como matéria-prima para fazer as roupas. Em outros lugares, usam a cannabis como medicina e vendem em farmácias ou boticárias.
Não por menos, é bastante simplista afirmar que a maconha só serve para recreação, como também fazem algumas pessoas de alguns lugares.
Por causa dessa versatilidade, as pessoas confundem as formas de usar maconha: reduzem sua utilidade apenas ao uso recreativo. O que não é verdade.
Algumas polêmicas e conceitos pré-estabelecidos ajudam a distorcer as informações e confundir as pessoas sobre os usos dessa planta.
No fim das contas, a verdade é que os efeitos e as consequências dependem da forma e da substância da maconha que usar.
Para te ajudar a esclarecer e discernir essas informações, esse artigo propõe uma discussão séria e profunda sobre o que é a maconha, quais são as formas de utilizá-la e qual sua importância. Vamos lá?
Maconha medicinal
Um levantamento, feito pela UNODC, apontou que cerca de 183 milhões de pessoas fazem uso da maconha para fins medicinais. A UNODC é um órgão das Nações Unidas que discute as políticas de drogas dos países.
Essas pessoas estão espalhados por cerca de 135 países, que somados representam cerca de 92% da população do mundo inteiro.
Ou seja, não restam dúvidas de que a maconha medicinal (ou Cannabis Medicinal, CBD medicinal ou qualquer outro nome) está no centros das atenções quando o assunto são doenças de difícil tratamento.
Nesse sentido, a conclusão de muitos estudos sobre Cannabis demonstram a habilidade de suas substâncias em tratar convulsões, ansiedade, inflamações, dores e náuseas e, por consequência, em auxiliar pacientes com diversas doenças.
Em 19/04/2023, o Programa Institucional de Política de Drogas, Direitos Humanos e Saúde Mental da Fiocruz lançou uma nota técnica confirmando as evidências científicas de tratamentos terapêuticos que se baseiam em Cannabis e seus derivados.
A nota teve o objetivo principal de contribuir para os subsídios da literatura científica para as instituições responsáveis por diferentes aspectos referentes à regulamentação, pesquisa, produção, padronização distribuição e uso da maconha para fins medicinais.
Ana Paula Guljor, coordenadora do Programa da Fiocruz, ampliou esse dabate para incluir também a dificuldade em relação ao acesso restrito devido ao alto preço dos medicamentos:
“Quando falamos da Cannabis medicinal, precisamos discutir sobre a produção, a regulamentação do seu uso, sua distribuição, incorporação na rede do Sistema Único de Saúde [SUS] e, nesse sentido, a nota técnica da Fiocruz vem para contribuir com o diálogo social e também com a comunidade científica como um todo”.
Segundo o neurocientista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e pesquisador do Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz (CEE/Fiocruz), Sidarta Ribeiro, as indicações com mais fundamentos científicos são para epilepsia, dor neuropática e para tratar os efeitos adversos de quimioterapia ou radioterapia.
Além disso, “também vêm aflorando, com mais e mais evidências, indicações para autismo, Parkinson, Alzheimer, Síndrome de Tourette, Doença de Crohn, entre outras“, explicou Sidarta.
O biólogo e pesquisador do Laboratório de Neuroquímica do Instituto de Biofisica Carlos Chagas Filho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IBCCF/UFRJ), Ricardo Reis atualiza a situação das pesquisas científicas em relação ao assunto:
“Os benefícios terapêuticos desses compostos (CBD e THC) já foram observados tanto em modelos animais quanto em ensaios clínicos, demonstrando-se bastante seguros e eficazes. Para lém desses dois fitocanabinoides, inúmeras outras moléculas têm recebido destaque nos últimos anos“.
Isso sem contar todo potencial comercial do cânhamo, cultivado majoritariamente para uso industrial ou medicinal (com baixo teor de THC e alto teor de CBD): “em termos comerciais, pode ser empregado em inúmeros itens, na indústria textil, em roupas, em plásticos biodegradáveis, em biocombustível, alimentos e ração animal“.
No entanto, um dos grandes desafios para o desenvolvimento de mais pesquisas científicas sobre maconha medicinal é a dificuldade de receber auxílio de fomento em pesquisas:
“De modo geral, a ciência e a medicina canabinoide apresentam evidências científicas, tanto de eficácia quanto de segurança, mas, de fato, podem ser obtidos dados mais robustos de pesquisa clínica, da mesma maneira como são realizadas as validações de um novo medicamento, por exemplo. A medicina canabinoide ainda tem potencial de crescimento e o uso dos fitocanabinoides, assim como canabinoides sintéticos, é promissor em diversas patologias e quadros metabólicos”, relata o pesquisador da UFRJ.
Um dos principais benefícios da maconha como tratamento medicianal, na concepção de Sidarta Ribeiro, é ter poucos efeitos adversos, ter poucos grupos de risco e não produzir overdose ou dependência:
“Ela tem poucos efeitos adversos, os grupos de risco existem, mas são conhecidos e não são a maior parte da população. Então, na verdade, é um remédio muito antigo, que não está aí por acaso. Está aí porque por muitas e muitas gerações de ancestrais nossos cultivaram variedades que são muito específicas”.
Exemplos de doenças que podem ser tratadas com Cannabis
Um exemplo de doença que pode ser tratada com Cannabis é a síndrome de tourette, um distúrbio do sistema nervoso que afeta a vida de milhões de pessoas em todo o mundo, incluindo adultos e crianças.
Outros estudos também comprovam os benefícios da maconha no tratamento de diabetes e alguns tipos de epilepsia, em especial na redução da frequência das síndromes epilépticas refratárias — que resistem aos medicamentos convencionais.
A epilepsia é uma condição é uma condição que atinge 1em cada 100 pessoas, o que representa cerca de 65 milhões de pessoas no mundo.
A epilepsia refratária é o termo que se refere ao quadro grave, que acontece na infância e tem evolução desfavorável.
A esclerose múltipla, uma doença autoimune, também pode ser tratada através de Cannabis, especialmente devido às propriedades anti-inflamatórias.
Os espasmos musculares são outra condição que a maconha medicinal pode apresentar benefícios devido aos seus efeitos relaxantes.
Além do tratamento de doenças, o uso de Cannabis também pode resultar na diminuição de efeitos de algumas drogas, como o MDMA.
O efeito hipotérmico (redução da temperatura do corpo) e as propriedades anti-inflamatórias do THC podem atuar como neuroprotetores.
Isso previne a hipertermia (elevação da temperatura corporal), a ativação glial e a perda axonal de neurônios dopaminérgicos, que são efeitos do uso de MDMA.
Cannabis sativa e seu uso medicinal no Brasil
Em 2015, a legislação brasileira passou a permitir a importação de produtos à base de Cannabis Sativa. Desde então, estima-se que brasileiros e brasileiras já importaram cerca de 78 mil medicamentos com CBD.
Atualmente, permite-se que crianças e adultos utilizem maconha medicinal na forma de medicamentos. Para isso, a Anvisa importa mais de 10 tipos de medicamentos de Cannabis.
Um recente avanço nesse sentido foi a aprovação, em 2017, do remédio Mevatyl. Basta a apresentação de uma receita médica para comprá-lo.
Uma caixa contém 3 frascos de spray com 10ml. O produto possui quantidades iguais (1:1) de THC e CBD, com efeito medicinal eficiente e cientificamente comprovado.
Além disso, nos últimos anos a ANVISA concedeu 4.617 autorizações para importação de remédios à base de Cannabis, prescritos por mais de 800 médicos no país.
Uma grande questão para o acesso a esses remédios é o custo. A importação de medicamentos com CBD é muito cara.
Assim, as associações sem fins lucrativos que combatem diretamente a dificuldade no acesso a maconha medicinal no Brasil, são alternativas para driblar o alto custo desses medicamentos.