Entrevista Igor Tasic: Empreendedorismo real
Faz tempo que você acompanha iniciativas criativas e surpreendentes dentro do empreendedorismo. Por que se interessou por esta área, e como o próprio interesse o tornou uma empreendedor?
Sempre acreditei que empreender é algo inerente à vida e não apenas ao “mundo dos negócios”. Neste sentido sempre tive uma abordagem empreendedor em tudo que faço. Ter crescido no Brasil numa época de extrema instabilidade econômica e ter passado por dificuldades financeiras me ensinaram muito sobre risco e a importância de tentar novas formas de fazer as coisas para progredir na vida. Ser empreendedor acabou sendo uma evolução natural na minha carreira.
Imagino que você tenha dúzias de histórias de pessoas e empresas bem-sucedidas. Mas e as histórias malsucedidas? Algum Epic Fail de que se recorde? Uma história engraçada, ou mesmo uma história trágica?
Infelizmente se criou uma visão idílica, utópica sobre o ato de empreender. Não existem heróis, apenas mitos que acabam reforçando um estereotipo difícil de quebrar. Fala-se muito pouco sobre a relação entre depressão e empreendedorismo. Tenho casos próximos de pessoas que passaram por dificuldades psicológicas graves ao enfrentarem a realidade de empreender, o desconhecido, a negação etc. Não são incomuns inúmeros problemas de ordem familiar, abuso de fármacos e álcool e até mesmo casos extremos de suicidio. Mas isso é pouco falado porque rompe o “modelo zuckerberg de sucesso”.
O empreendedorismo é por excelência a pátria do otimismo. Você conhece algum empreendedor niilista, pessimista, ou mesmo cético?
Existem muitos empreendedores niilistas na essência, mas que pelo medo de “sair do armario” e serem vistos como negativos acabam tendo um discurso contrario, talvez mais saudável para a discussão sobre o ato de empreender. Acredito numa visão “no bullshit” de mundo.
O empreendedorismo é também um território ocupado por muitos picaretas que vendem sucesso à base do fracasso alheio. Vemos essa picaretagem refletida nos milhares de livros de auto-ajuda empreendedorista que grassam pelas livrarias, mais auto-ajudando seus autores do que os leitores. Por que o mercado editorial foi dominado por este tema? E quais foram os maiores absurdos que você leu nesses livros?
As pessoas sempre querem respostas fáceis (e baratas) para problemas que requerem longos prazos de investimento para amadurecer. Isso é verdade em outros campos da vida, como o auto-conhecimento ou nutrição. No caso do empreendedorismo busca-se o dinheiro e fama fáceis.
Na primeira fase do “bullshit” editorial do empreendedorismo falava-se muito da temática “não tenha mais chefe / busque fazer o que ama”. Isso vende muito porque as pessoas sempre estão muito insatisfeitas no seus cubículos e se sentem injustiçadas no mundo corporativo. Então a saída “fácil” é empreender. O problema é que a maioria dos que empreendem por estes motivos descobrem rapidamente que a coisa é muito mais complicada e vai levar muito mais tempo do que se imagina.
Aí entra a segunda fase do mercado editorial com foco no processo “ágil”. Não sou contra a ideia do lean startup ou business model canvas. Mas os autores por tras destes livros fizeram uma simplificação tão grosseira de alguns tópicos que acabaram popularizando ferramentas de trabalho que buscam se centram muitas vezes em si mesmas. Vejo empreendedores novatos que em vez de estarem preocupados em buscar problemas relevantes para resolver se centram no processo ultra-eficaz de como fazer. Não resolve.
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Nessa pesquisa toda que você tem empreendido (sic), com quais mitos topou?
O principal é o mito do empreendedor herói, que persiste. Antes era o “herói visionário”. O cara com uma ideia genial e uma capacidade além do alcance de motivar e criar. Agora vejo que estamos migrando para um “herói workaholic mindful”. É o cara que trabalha duríssimo todos os dias, cria tudo junto com a equipe mas também medita e tem uma vida “equilibrada” no instagram.
Ambos mitos criam uma ansiedade absurda nas novas gerações ao criar “role models” irreais e não desejáveis. Ninguém é perfeito, mas num mundo de fake news e analises simplistas da realidade, este mito (que está institucionalizado) persiste.
O empreendedorismo é só o zeitgeist ou é condição primordial para se manter vivo nas próximas décadas, num mundo em que o trabalho será cada vez mais substituído por Inteligências Artificiais?
Acho, sim, que é condição profissional primordial, mas quase mais como filosofia e “mindset”. Já ha dados robustos que indicam que cada vez mais teremos uma força de trabalho descentralizada (gig economy) onde cada profissional poderá ter diversos “clientes” e não estar ligado mais a uma carreira corporativa clássica. Isso não quer dizer que todos vão empreender da noite pro dia, mas vão sim necessitar uma postura autônoma
Como é ouvir de/ dizer para alguém a frase: "Desista! Você não serve para empreender".
Um absurdo. Como comentei antes, o mito do herói está tão institucionalizado que criou-se a sensação de que existem características quase “genéticas” que definem um empreendedor. Na verdade empreender requer um aprendizado continuo e é uma habilidade que pode se desenvolver como qualquer outra.
Pessoalmente gosto muito da noção de effectuation, sobre a qual cheguei a fazer minhas teses de mestrado e doutorado. De acordo com essa teoria, empreendedores experientes começam de forma experimental, focando no que eles conseguem controlar e não num futuro imaginario. Eles começam focando em três coisas: (1) quem eles são, sua personalidade e experiencias únicas, (2) o que eles conhecem, suas habilidades, educação etc., (3) quem eles conhecem, a rede de contatos que permite que eles façam parcerias que vão ajuda-los a validar seu negocio ao longo do caminho empreendedor.