Entrevista | Inteligência artificial: tecnologia que vale ouro
Quando o assunto é inovação, é comum se deparar com um universo de empreendedores com seus vinte e poucos anos, recém-formados, que sabem tudo de tecnologia e têm um negócio milionário nas mãos. Mas, antes mesmo desses novos gênios saírem das fraldas, um mestre da tecnologia já fazia história no cenário de inovação em Minas Gerais. Prestes a completar 70 anos, o professor emérito do Departamento de Ciência da Computação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Nivio Ziviani fala ao DIÁRIO DO COMÉRCIO sobre as riquezas que ele trouxe ao Estado, o cenário de inovação no Brasil e alerta os empreendedores: para fazer inovação é preciso ficar atento às ondas do momento e surfar nelas.
Das diversas contribuições que o professor trouxe ao País, sem dúvida as mais famosas são as criações da Miner Technology Group e da Akwan, startups que desenvolveram tecnologia para buscas na internet. A primeira foi adquirida pela Uol em 1999 por R$ 4 milhões e a segunda foi comprada pela Google em 2005 por um valor nunca revelado. Essa última transação ainda rendeu ao Estado a atração do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento do Google na América Latina.
Com os cabelos brancos, o professor nem quer ouvir falar em aposentadoria e, com o mesmo entusiasmo de 20 anos atrás, ele fala sobre a Kunumi, sua terceira startup que atua na área de inteligência artificial e que ele garante: causará um grande barulho no cenário mineiro de inovação.
O senhor participou da criação de duas startups em Minas Gerais que foram compradas por gigantes da internet. Existe um segredo que o levou ao sucesso?
Talvez tenha muito a ver com o fato de eu ter feito doutorado no Canadá, com um orientador que criou mais de uma dúzia de empresas. Pode ser que isso tenha me ‘contaminado’. No caso das duas empresas que ajudei a criar, contaram vários aspectos. Na época da Miner, embarcamos em uma onda muito interessante: fazíamos metabusca, que era uma tecnologia extremamente inovadora para a época. Depois partimos para fazer algo mais sofisticada com a Akwan. Era um projeto com muita pesquisa e isso é muito importante. Eu diria que o sucesso passa por uma equipe com espírito empreendedor e com qualidade para gerar tecnologia de padrão internacional. No nosso caso, a proximidade com o Departamento de Ciência da Computação da UFMG foi fundamental.
Para inovar, o empreendedor também depende de um pouco de sorte ou de oportunidade?
Quando desenvolvemos a tecnologia da Miner em 1997 essa ‘onda’ de busca na internet era muito inovadora. A web nasceu na década de 90, os primeiros buscadores começaram a aparecer em 1994 e o Google surgiu em 1998. Fizemos isso muito no início, então quase ninguém sabia fazer. Foi uma oportunidade, mas uma oportunidade aproveitada. Porque não basta ter oportunidade, tem que ter competência, pessoas, ideias e executar aquilo com velocidade e qualidade. Aproveitamos o momento. É preciso ‘pegar as ondas’ nos momentos certos e ‘mergulhar’.
E o senhor está visualizando uma nova onda?
Existe agora uma terceira onda, e vamos ‘surfar’ por meio da Kunumi. Ela é inspirada no cérebro humano, nas redes neuronais. É chamada de inteligência artificial ou aprendizado de máquina. Vamos produzir uma plataforma para desenvolver a tecnologia e tirar produtos dela rapidamente. Ela é interessante porque é aderente a diversas áreas: saúde, educação, seguradoras. A partir da entrada de dados, seja imagens, pixels, som, caracteres ou texto, a tecnologia consegue fazer análise preditiva. Estamos sentido que, de novo, é um grande momento para fazer algo grandioso.
O senhor acredita que o estabelecimento de uma cultura de inovação depende de uma reforma na educação?
Completamente. O pensamento tem que mudar. Existe toda essa cultura de concurso público: o Estado paga muito bem, pega as melhores cabeças e é uma tristeza ver um aluno extremamente bem formado ir para Brasília aprimorar a máquina de arrecadação. É muito triste formar pessoas e não vê-las na indústria, empreendendo, fazendo inovação, gerando riqueza. A Coreia do Sul saiu de uma situação parecida com a nossa e investiu muito em educação nos últimos 30 anos. Hoje, o país tem a maior concentração de PhDs por habitantes do mundo. Com isso, eles conseguiram gerar muita riqueza; enquanto o Brasil tem uma única marca forte a nível mundial, que é a Embraer, eles têm LG, Samsung, Kia, Hyundai e tantas outras.
Como o senhor avalia a produção científica no Brasil e a geração de riqueza a partir dela?
Na década de 90 houve uma decisão extremamente acertada do governo brasileiro em relação à política de financiamento de pesquisa. Ele passou a financiar grandes grupos em vez de dar dinheiro por pesquisador e isso fez toda a diferença na produção científica no Brasil nos últimos 15 anos. Passou-se a produzir muito mais pesquisas com muito mais qualidade. A gente evoluiu: saímos de 1,2% da produção científica mundial para 2,7%. Mas o Brasil tem uma anomalia muito grande em relação aos países desenvolvidos: essa pesquisa não gera PIB na proporção que deveria. Por quê? Porque 80% das pesquisas ainda ocorrem dentro das universidades e dos institutos de pesquisas. Nos Estados Unidos, 80% das pesquisas são feitas na indústria: eles empregam doutores e mestres. Os Estados Unidos têm 1,5 milhão de pesquisadores e 80% deles estão na indústria.
Quais os principais entraves para empreender e inovar no Brasil?
O ecossistema de inovação brasileiro tem evoluído, mas aqui legislação é problema, capital é problema, burocracia é problema. Para se abrir uma empresa leva-se meses. Para se abrir uma conta bancária, os bancos exigem uma série de documentos e às vezes você só consegue um mês depois de abrir o CNPJ. Então o empreendedor opera sem ter conta e tem que ficar pagando coisa do bolso, o que cria um problema contábil. A legislação trabalhista também é sufocante: você não tem dinheiro para fazer tudo como manda e se quiser fazer direito não é viável. Capital também é um desafio porque os investidores não querem correr riscos. Enquanto a gente tiver essas dificuldades empreender continuará sendo uma aventura de altíssimo risco.
Como o senhor avalia o cenário de inovação em Minas Gerais?
Conheço mais a Grande Belo Horizonte, onde temos um fenômeno que é a comunidade de startups San Pedro Valley. Eles têm uma rede virtual, as empresas apoiam uma à outra, criando um ambiente extremamente favorável. Existe uma preocupação muito grande do governo também em criar coworkings e com o programa Startups and Entrepreneurship Ecosystem Development (Seed). Além disso, há um movimento de atração de grandes empresa e criação de centros de pesquisas, como o do Google, que é um dos mais bem estruturados da empresa. A UFMG está entre as top três em emissão de patentes no Brasil e algumas delas já geram riquezas. Podemos dizer que Belo Horizonte já está transformando seu PIB a partir da geração de empresas de tecnologia.
Mas a economia mineira ainda é baseada em commodity. O senhor acredita que a inovação e a tecnologia vão mudar isso?
Esse fenômeno San Pedro Valley e a criação de empresas muito inovadoras vão permear o agronegócio, a mineração e a siderurgia. São áreas que podem se beneficiar dessa inovação, se transformar e criar valores, exportando menos commodity e gerando valor agregado. Grandes empresas desses segmentos já estão com essa preocupação de assimilar tecnologia. Na agricultura, em vez de exportar grão de café é preciso exportar cápsula: caiu a patente da Nespresso, então tem que aproveitar. Espero que a gente consiga desatar entraves e que essa incorporação da inovação ocorra com maior intensidade daqui para frente.
Existe um segmento de ouro na inovação?
Com certeza: a inteligência artificial, que é o aprendizado da representação dos dados. Existe um investimento muito grande das empresas nessa direção e nós estamos muito atentos a isso. Esse segmento é de ouro e toda grande empresa vai ter que virar para esse lado. Quem não fizer isso vai perder terreno rapidamente. Essa tecnologia será utilizada para fazer análise preditiva e pode melhorar a qualidade de vida das pessoas, trazer melhorias para a cidade, promover interação entre o cidadão e os dirigentes. Um exemplo de aplicação dela é em empresas que vendem planos de celular. Dependendo de sua movimentação o cliente pode dar indicativos de que vai abandonar o plano. A tecnologia aponta isso e a empresa pode dar um tratamento diferenciado para reter o cliente.
A crise econômica que atinge o Brasil pode favorecer a inovação?
Toda crise é ao mesmo tempo uma oportunidade. Oportunidade de estabelecer novas formas de prestar serviços, de desenvolver produtos, de se relacionar com os clientes. Você aprende muito com a crise. Aprende muito mais com o insucesso do que com o sucesso. Em países desenvolvidos empreendedores que tiveram fracassos têm muito valor porque certamente eles aprenderam muito com os fracassos. Aqui no Brasil o fracasso ainda é negativo e isso é muito errado.
No Brasil a taxa de mortalidade de startups é muito alta. Como o senhor enxerga isso?
Nos Estados Unidos há uma legislação de 1980 que diz que pesquisadores e professores podem ter lucro financeiro a partir de resultados de pesquisas financiadas com dinheiro público. Então lá o ambiente é extremamente favorável e a taxa de mortalidade é bem menor. O ecossistema brasileiro, por outro lado, é extremamente agressivo para o empreendedor: falta recurso, a legislação é massacrante, tudo é lento. No Brasil fechar uma empresa não tem prazo: pode-se levar anos. São vários órgãos tentando ver se tem coisa errada, tentando levar dinheiro de você. Os órgãos funcionam como tiro de cartucheira: querem pegar o ladrão, dão tiro de cartucheira e matam tudo: o urubu, mas o beija-flor também.
Profissional da área de Ciência, Tecnologia e Inovação; professor universitário; associado à SBGC; gestão de conhecimento e mentorias; longevidade; CEO do Consenior e da Proaclive.
8 aExcelente artigo a quem considero um dos maiores pesquisadores do país.