Envelhe…Ser

Envelhe…Ser

por Lidia Rodrigues Schwarz

Degraus

Como cada flor murcha e cada juventude dá lugar à velhice, Cada etapa da vida floresce, floresce cada sabedoria e também cada virtude a seu tempo, e não pode durar eternamente. A todo chamado da vida deve o coração estar preparado para a despedida e o recomeço, para entregar-se com coragem e sem pesar a outras e novas relações. E em cada começo está contida uma magia que nos protege e nos ajuda a viver. Serenamente, devemos caminhar, de espaço a espaço, a nenhum nos prendendo como pátria. O espírito do mundo não quer nos prender, nem oprimir. De degrau em degrau, ele quer nos elevar, ampliar. Mal estamos em casa, num círculo da vida, ameaça relaxamento. Só quem está disposto a partir e viajar, pode livrar-se dos hábitos paralisantes. Talvez, também, até a hora da morte, jovialmente, nos enviará ao encontro de novos espaços. O chamado da vida em nós nunca cessará… Vamos, coração, despeça-se e restabeleça-se.

Hermann Hesse, O jogo das contas de vidro.

Sabedoria… doenças… perdas… aposentadoria… melhor idade… avós… solidão… liberdade… saudade… terceira idade… viuvez… morte… aprendizagem…

São muitas as associações com a palavra velhice e algumas delas carregadas de preconceito velado.

A palavra velho é, muitas vezes, usada de forma pejorativa, mas a considero a mais adequada. Concordo com Hillman (2001), quando afirma que “‘velho’ é o termo mais apropriado para as pessoas durante os últimos anos de vida. Elas são chamadas de ‘velhas’ não simplesmente por causa do seu envelhecimento, mas por causa do seu valor como imagens da velhice” (p. 78). Não há um modo único de envelhecer…

Há formas negativas, em que o velho é percebido como inútil, gasto, retrógrado, e há formas acentuadamente positivas, em que o velho é visto como moderno, “superantenado”, com padrões de comportamento jovem, com mil atividades, procurando, muitas vezes, negar seus limites e sua condição natural.

Acredito que exista um caminho intermediário que abarque tanto os limites e perdas inerentes ao envelhecimento como as possibilidades e os recursos criativos que o possibilitem continuar a ser sujeito da sua própria vida.

Cada um envelhece do seu modo, de acordo com sua própria trajetória de vida…

É possível livrar-se do envelhecimento?

Fica velho quem quer?

No mundo atual, a ciência luta de forma hercúlea para vencer o envelhecimento, e os gráficos estatísticos mostram numericamente o prolongamento da vida, evidenciando o quanto estamos durando, mas não esclarecem nada além disso.

Mas é essa a questão? Durar?

Parece que os objetivos dessa luta são vencer as doenças e nossos limites, rejuvenescer a qualquer custo e eliminar a morte.

É uma luta inglória, pois nossa essência é mortal. Não somos deuses.

Constatamos, então, que o progresso moderno diminui o valor dos velhos, ao mesmo tempo que acrescenta anos à sua vida… um paradoxo…

O envelhecer contém um significado…

Jung foi um dos precursores da teoria do curso de vida e, em relação a essa fase, afirma que os últimos anos são preciosos para se fazer uma revisão da vida, reparar erros e que a vivência dessa etapa é fundamental para o desenvolvimento pleno da personalidade.

Esse mesmo autor observa que o declínio característico da velhice pode causar sofrimento quando o idoso mantém valores infantilizados ou adolescentes num período em que deveria estar voltado para sustentar a cultura e, assim, atender ao chamado da individuação. Quando, nessa fase, o velho não consegue desenvolver uma nova atitude, fica aprisionado no lado sombrio e regressivo do envelhecimento, predominando preocupações excessivas, muitas vezes desnecessárias, com relação à saúde física, sentimentos de desvitalização e bloqueio dos recursos criativos e imaginativos. A interrupção do fluxo energético gera um sentimento de vazio interior insuportável, que, muitas vezes, afeta todas as áreas vitais.

Jung (1984, § 787) considera que: O ser humano não chegaria aos setenta ou oitenta anos, se esta longevidade não tivesse um significado para a sua espécie. Por isso, a tarde da vida humana deve ter também um significado e uma finalidade próprios, não pode ser apenas um lastimoso apêndice da manhã da vida.

Para esse autor, portanto, a necessidade de crescimento pessoal na velhice não é uma escolha. É um trabalho complexo, individual e que visa, entre outras coisas, à busca de partes da nossa personalidade que foram negligenciadas durante nossa vida. É um exercício constante de enfrentar nossos medos mais profundos, mas também de descobrir ou redescobrir nossos recursos criativos.

Hillmann (2001) também afirma que o processo de envelhecimento não é um mero acidente. É algo necessário à nossa condição humana e pretendido pela nossa alma. A velhice é o momento em que estamos preparados para confirmar e realizar nosso caráter, o qual abrange as qualidades distintas de um indivíduo, sua marca.

Para ele, o caráter age como uma força orientadora e contém tanto o bem como o mal, os valores e traços que são duradouros. O modo como a pessoa envelhece e o seu comportamento diário revelam o seu caráter.

É o abandono do caráter, o distanciamento dessa força orientadora que torna a velhice feia e sem sentido.

O caráter é o que persiste e permanece, apesar de todos os acontecimentos de uma vida longa. É o cerne que não se altera…

A velhice é uma aventura?

Subir ou descer uma escada, sentar no chão com o neto, correr para abrir a porta… tudo pode acontecer nesses fragmentos do nosso cotidiano e mudar o rumo da nossa vida.

O tempo pode enfraquecer, mas pode também fortalecer. Ele segue sempre… é inexorável. O tempo, por si só, não traz sabedoria, não nos torna bonzinhos e sábios. Cabe a cada um estar atento para o contínuo desenvolvimento pessoal. Temos que usar a bússola adequada: se usamos a bússola ativada pelo arquétipo da juventude, avaliamos nossas limitações com base no que éramos; se usamos a bússola do agora, ativada pelo arquétipo da velhice, ela vai nos apontar para a compreensão psicológica do que está acontecendo, não focando a limitação e o fracasso, mas, sim, o caminho para outro modo de viver a vida, outro jeito de usar nossos recursos vitais e encontrar o significado contido no nosso envelhecimento.


Finalizo acrescentando minhas reflexões sobre o envelhecimento:

… a percepção da velhice como uma etapa que pode ser vivida em uma dimensão maior, cada momento podendo ser reinventado e recriado continuamente em movimentos espiralados, assim como ocorre em todas as etapas da vida, em direção ao desenvolvimento da própria individualidade. Nenhuma trajetória humana é reta e pode ser medida apenas por cálculos matemáticos; desde o início, estamos na linha circular do tempo e é vital a busca do crescimento pessoal (Schwarz, 2009, p. 204).


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Referências

Hillman, J. (2001). A força do caráter e a poética de uma vida longa. Rio de Janeiro: Objetiva.

Jung, C. G. (1984). A dinâmica do inconsciente. Petrópolis: Vozes.

Schwarz, L. R. (2009). EnvelheSer: a busca do sentido da vida na terceira idade. São Paulo: Vetor.



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