A Era de hiperexposição na Educação: imagem, privacidade e intimidade da criança
Se, antes do enorme aprofundamento da vida virtual devido à pandemia de coronavirus, já vivíamos em forte exposição, hoje, pode-se falar em uma era de hiperexposição nas mídias, fato este que se aplica também à vida escolar – com um detalhe: o envolvimento dos dados de crianças.
A execução das atividades escolares passou a ser necessariamente feita por meio do envio de fotografias e vídeos, além da realização de chamadas para aulas virtuais. Ocorre que as instituições de ensino começaram a reproduzir tais arquivos em sites e redes sociais. A rotina escolar passou a ser objeto de diversas publicações diárias nas mais variadas redes sociais, mostrando crianças, suas atividades e produções, sua casa, suas aulas virtuais em tela, enfim, sua vida. E aí pode estar um problema.
A exibição de imagens de crianças, mesmo que sem fins comerciais, envolve a possível violação a direitos fundamentais, como a honra, a privacidade, a imagem, a intimidade e a dignidade. Nesse sentido, ao publicar dados de menores, antes de tudo, é necessário o consentimento dos pais (ou responsável legal). E por consentimento, já para tomar os conceitos da LGPD, tem-se a manifestação livre, informada e inequívoca pela qual se concorda com o tratamento dos dados pessoais para determinada finalidade específica.
Assim, não basta a manifestação pelo uso da imagem, é preciso saber para que ela será usada. É possível, por exemplo, que os pais autorizem o uso dos dados dos filhos menores para determinados fins e não para outros. É imprescindível, nesse sentir, a transparência, pois, mais uma vez, caso não haja o adequado uso da imagem - de acordo com o consentimento conferido - pode haver sérios problemas ao aluno e à escola (que poderá sofrer a responsabilização por seus atos).
De outra ponta, não somente os dados do estudante não podem ser utilizados para fins discriminatórios, como também não poderão gerar qualquer tipo de constrangimento à criança. Inclusive, quanto ao ponto, fulcral ter sempre em mente a existência do denominado cyberbullying, que vem a ser a prática da intimidação sistemática (traduzida em violência) pela internet, efervescente nas redes sociais (seja privada ou publicamente).
Nesse prisma, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) reitera os termos constitucionais, assegurando à criança e ao adolescente todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sedimentando ainda como dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação desses direitos. Põem seus artigos 17 e 18:
Art. 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.
Art. 18. É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.
Destarte, a exposição da imagem de menor pode ser meio à violação de seus direitos mais basilares – a dignidade, o respeito, a integridade psíquica, dentre tantos outros – podendo-lhes trazer abalos que correm por toda uma vida.
Nesse viés, as instituições de ensino que mal agirem quanto à questão, poderão ser responsabilizadas, sendo condenadas ao pagamento de indenizações. O prejuízo vai além, chegando à reputação da organização. E, outrossim, o dano, muitas vezes, irreparável na vida do aluno.
É fulcral destacar que, embora tenha se mencionado neste texto a LGDP e ela ainda não esteja em vigor, ressalta-se que a responsabilização dela não depende e se ampara em outras normativas, a começar pela Constituição da República e pelo Código Civil, passando pelo ECA. Nesse espectro, não obstante a questão dos dados tenha tido espaço de discussão alargado com a LGPD, os bens jurídicos de que trata a nova legislação já são há muito tutelados pelo ordenamento jurídico brasileiro: a intimidade e a vida privada, a dignidade da pessoa humana, a honra, a imagem e a liberdade (verbi gratia).