A era dos "shorts", cortes e afins...
Os Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Paris 2024 terminaram, mas começou a Olimpíada de Xadrez 2024, em Budapeste, Hungria.
Xadrez é uma paixão minha desde a adolescência (se bem que isso não faz com que eu seja muito bom nele). Lembro-me de atravessar a cidade para comprar livros de um senhor que tinha uma biblioteca maravilhosa sobre o jogo. Ou de ir até a região da av. Paulista só para comprar umas folhas de sulfite impressas com os lances do jogo de um forte torneio na Europa. Hoje, consigo baixar livros da minha casa, consultar gratuitamente os lances de todas as partidas que quero ver e jogar online na hora que quiser. Se antes eu só via as fotos dos(as) jogadores(as) em jornais, dias após os eventos, agora consigo acompanhar as imagens ao vivo de várias competições ao redor do mundo.
E foi no primeiro dia da transmissão da Olimpíada de Xadrez deste ano que aconteceu algo muito interessante. No chat de um canal de xadrez do YouTube um rapaz comentou que 1h30 para cada jogador na partida era muito tempo, deixava os enxadristas entediados(!). Logo em seguida, outra pessoa no chat explicou que em outros torneios o tempo ainda é maior, com 2h para cada jogador inicialmente. O primeiro comentador, um jovem de no máximo 20 anos, respondeu que não conseguia imaginar um jogo com essa duração. Nesse momento, pensei que se tratava de alguém que estava conhecendo o jogo agora. Mas ele continuou, dizendo que costumava jogar online partidas de 10 minutos para cada lado e já achava longo…
Foi então que me dei conta de que o que estava acontecendo era justamente o mesmo fenômeno que observo diariamente em minhas aulas. Alunos que reclamam de ler um texto de uma página ou de ver um vídeo de 20 minutos porque acham muito extensos. Isso é bastante triste e preocupante, mas é compreensível. Temos plataformas com vídeos de 2min com tela dividida para que seja mais cativante para as novas gerações. Vivemos a época dos “shorts” e “cortes”. É de se esperar que a subjetividade das novas gerações tome um caminho que privilegia o que é rápido e, consequentemente, mais superficial. Claro que, dependendo da situação, há pontos positivos na rapidez e objetividade. Mas o que não pode acontecer, na minha opinião, é toda uma geração não ser capaz de se envolver em atividades intelectuais mais profundas e complexas.
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Nesse contexto, o papel da escola envolve ajudar os alunos a desenvolver a habilidade de uma leitura mais profunda, atenta, capaz de nos fazer ler o mundo ao redor de uma maneira mais rica e significativa.
Sempre lembro um trecho do livro Fahrenheit 451, uma distopia sobre uma sociedade em que os livros são queimados por serem proibidos: uma personagem explica que o primeiro passo para a sociedade chegar àquela situação foi as pessoas lerem apenas o resumo dos livros. Depois o resumo do resumo. E, então, o resumo do resumo do resumo… Até não lerem mais.
Meu lado otimista (que é o maior) me diz que encontraremos caminhos saudáveis para lidar com essa avalanche de informações cada vez mais curtas e rápidas.
Mas o outro lado teima em ficar aqui atrás do ouvido pintando um futuro não tão interessante…