A Escola sob a mira

A Escola sob a mira

Acredito que posso dizer que entendo um pouco de Escola. Afinal, comecei a trabalhar em Educação desde cedo, aos 18 anos. Neste tempo, já ocupei diversos cargos. Fui coordenador de ensino, coordenador de Artes e Viagens pedagógicas, fui e ainda sou Professor. Formado em Letras e especializado em Inovação em Educação, tenho Educação no DNA . Além do mais, nos últimos tempos, tenho me debruçado um bocado sobre as peculiaridades da Escola do século XXI, até pelo fato de participar de um grupo que se dedica a discutir sobre o futuro da Educação. Somando-se a tudo isto, a minha prática profissional me proporciona manter, no Instituto Brasileiro de Formação de Educadores (IBFE), onde ensino, contato com muitos professores e ouvir as suas lamentações. Acredito, portanto, que tenho alguma autoridade para falar de Educação, principalmente, quando se trata de escola particular. 

O problema é que aquilo venho observando ultimamente está me deixando um pouco preocupado com o nosso futuro. 

A questão é que nunca vi a Escola tão perdida e desnorteada. 

Antigamente, as coisas eram mais claras. O papel da escola particular era formar (doutrinar) estudantes para que estes pudessem acessar às universidades, principalmente as públicas. As escolas, portanto, se esmeravam em apresentar uma prática acadêmica, focada no acúmulo de conteúdos, para que seus alunos conseguissem a tão sonhada vaga naquele curso disputado. Neste contexto, muitas escolas concentravam todos os seus esforços - um arsenal de práticas e métodos - para promoverem verdadeiros atletas do vestibular. Era isso que os pais esperavam quando colocavam seus filhos em determinados colégios e era este o principal compromisso destes estabelecimentos. 

O que aconteceu é de conhecimento geral: o ENEM, a política de cotas, a pressão sob o professor, o pouco reconhecimento da classe, o sucateamento das universidades públicas... todos estes adventos conturbam demasiadamente a prática das escolas. 

Com tudo isso, espera-se muito mais da Escola. Existe uma enorme (imensa e indevassável!) crise de valores na nossa sociedade e na modernidade. As famílias estão apavoradas e sem rumo. Não sobraram muitas referências no mundo atual. A política é uma piada de mau gosto. A economia, uma incógnita. Não há lideranças confiáveis em nenhum dos ambientes atuais, nem no mundo da Cultura e das Artes. As igrejas nunca foram tão questionadas. Quem, portanto, vem à tona como o último depositário de confiança? Eu acredito que a Escola ainda consegue ser - a duras penas - este último endereço da ética e dos valores humanos. 

O problema é que há escolas e escolas, alunos e alunos, pais e pais, professores e professores...

E acredito que a escola não sabe mais o que fazer. 

Antes, não há muito tempo, se a criança tivesse sofrido algum revés da escola, ou mesmo, absurdamente, apanhasse do professor, decerto ainda sofreria as consequências em casa. A figura do professor era inquestionável e majoritária. Até exagerada e erroneamente. Hoje, quem apanha é o professor. Apanha dos pais, dos alunos, da sociedade. Professor é um ramo inseguro hoje em dia. Deveria receber bônus por insalubridade. 

Os pais, de maneira geral, a cada dia que passa, desautorizam mais e mais a escola. Desautorizam, desqualificam, desclassificam e, com isso, enfraquecem a escola. Essa mesma escola que eles querem como parceira para a educação dos seus filhos. O problema é esse conceito atual de "parceria". Parceria virou, muita vez, aos olhos da família, subserviência. Todos os pais acham que sabem fazer o papel da escola melhor do que a escola. E o pior é esse espírito de "o cliente tem sempre razão" que invadiu o pensamento destas famílias. Escolas e lanchonetes são colocadas no mesmo saco.

Nada contra lanchonetes, mas não dá para "montar o seu sanduíche" quando se trata de escola. Dá para escolher a escola que você deseja para o seu filho. Há escolas demais por aí. Cada uma com seu estilo. Cada uma com a sua proposta. Não dá para entrar numa farmácia e pedir prego. Se a escola for construtivista, não dá para exigir conteudismo. Opinar, sugerir, criticar é sempre útil. Mas uma coisa é o desejo de contribuir, outra, o desejo de dirigir esta escola. 

Para piorar, ainda temos alguns elementos complicadores: o excessivo legalismo da atualidade, onde tudo que a escola ou um educador faça pode ser classificado como constrangimento para um aluno, a inabilidade das faculdades de educação ao preparar bons profissionais, a pouca atração que o ramo educacional exerce para os jovens modernos, a morosidade comum das escolas que alimentam o conservadorismo e, com isso, há pouca inovação neste meio, a falta de estudo, de treinamento, de formação continuada para os educadores e, pasmem, até o onipresente whatsapp atrapalha a escola hoje em dia. O whatsapp tem doutorado em Educação e, geralmente, está contra a Escola.

Pergunte para qualquer professor. É bem possível que ele diga que nutre certa aversão ao famoso aplicativo. Por quê? É simples. Os grupos de bate-papo são pródigos em potencializar e reverberar o negativo, ou o suposto negativo. A verdade é que o que ocorre de bom geralmente é jamais é tão propagado e replicado. Mas o contrário...

Nada mais divulgado do que o avesso do bom, do que o que foge do controle, do que o questionável. Houve muita nota baixa na prova de português? Coitada da professora. Houve uma briga entre dois garotos na sala? Coitada da professora. Havia um furo na calça da professora? Coitada da professora que até foto vai haver. 

A escola virou membro de um bbb sem ter escolhido entrar na casa. E como toda vitrine tem medo de pedra, ela está com medo. Na verdade, a escola virou refém da sociedade. Uma coisa é fazer parte da sociedade, seguir seus ditames, manter as leis, contribuir para o progresso da mesma. Outra, é ser refém dela.

-E os pais??! O que os pais vão dizer?

Quem está dentro de escola e, principalmente, da escola particular, pode testemunhar as minhas palavras. Virou uma histeria. Uma neurose. 

Eu ando propondo ultimamente que troquemos de lugar. Vamos colocar os pais nos nossos lugares. Não importa se eles são do ramo ou não, se estudaram pedagogia, se têm experiência docente. O que importa é que são os clientes e eles sabem como educar mais do que ninguém. 

Os pais, inclusive, reclamam que "a Escola não ouve a família"! 

Eu garanto que ouve. A maioria ouve até demais. O problema é ouvir os pais é uma coisa e concordar com eles (em todas as ocasiões), outra.

O que eu sugiro após observar este quadro tão complexo é muito simples:

-Libertem a Escola. Ofereçam alforria aos professores. Abram as grades dos Educadores.

É importante que haja acompanhamento por parte dos pais. Que observem, sugiram, critiquem. Mas cercear é um exagero. Se você não confia naquela escola, nada lhe obriga a manter seu filho lá. Se a falta de confiança se tornar crítica, é melhor tirar dali e começar a confiar na outra escola, mas nunca (nunca, nunca) a desautorize. Você precisa dela para lhe ajudar a educar seu filho. Se você tirar a autoridade dela, como vai lograr este objetivo?

Também tenho uma sugestão para a Escola. Uma não, várias:

1o. Professores, estudem. Nunca parem de estudar. Nunca parem de se especializar. Você não é o detentor do Saber. Você não é o google. Você é seletor de conhecimentos, um motivador, um facilitador, um encantador; como diz Edgar Morin, temos que educar os educadores;

2o. Quo vadis Domine? A Escola precisa saber para onde quer ir. Quem não sabe para onde vai não pode querer seguidores. Educar vem do radical latino Duc. Do mesmo jeito que conduzir. Quem educa, em outras palavras, conduz. Como conduzir sem saber para onde vai? Se a Escola tem convicção de que uma ou outra medida é a correta para aquele caso, não deve ter medo de assumi-la. Fazer ou não fazer qualquer coisa que se acredite adequado porque "os pais não vão gostar" é uma covardia e uma burrice sem tamanho. Não dá para agradar a todos nessa vida. E uma direção de escola não é uma democracia. Do mesmo jeito que a prescrição de um tratamento médico, um parecer técnico, uma consulta com um advogado, o cálculo de um engenheiro também não são.Está convicta, faça. Talvez, perca uns alunos. Mas, se estiver fazendo bem, vai ganhar outros lá na frente;

3o. Gastar palavras. A Escola deve criar canais de conversação. Dialogar é imprescindível no meio da Educação. Nunca devemos temer a oportunidade de tratar com a família sobre as práticas pedagógicas da sua escola. Não conversar, na maioria das vezes, só potencializa os problemas;

4o. Inovar é preciso. "Mas eu dou esta aula há vinte anos?!" Este é o problema! Essa mesma maldita aula foi dada milhares de vezes nestes anos e você ainda quer que encante, que motive? O mundo mudou mil vezes nestes anos e a sua aula é a mesma? Renove-se, meu caro. Não dá para ser um walking dead na sala de aula;

5o. "Não me sequestre. Sou professor!" Discurso derrotista longe de mim, por favor! Eu conheci muitos professores em todos estes anos. E conheci alguns de muito sucesso, pessoal, profissional, financeiro. Principalmente, com o maior sucesso de todos que é ser feliz. Se você não gosta de ser professor, não gosta de aluno, não gosta de dar aula, está incomodado demais com as condições de trabalho, você tem algumas opções. Você pode (e deve) lutar para melhorar a sua realidade profissional. Sobre isto não se discute. Mas nada justifica a perda da sua felicidade. Se está infeliz, sugiro-lhe mudar de ramo. Quem sabe, fazendo outra coisa, você possa - enfim - merecer o tal sequestro que tanto deseja. 


Max Franco é professor, palestrante, consultor e autor de 7 livros.

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