Escreva como uma mulher
Ainda nos embalos de mais um dia das mulheres acordei pensando que ano que vem vou passar a simpatizar com esse feriado. Até hoje me pareceu algo compensatório e não me agradava fazer parte de um grupo que merecia um dia. Me soava como uma indenização, mas entendia (a duras penas) que era uma homenagem. Se começou nessa toada, hoje está mais para parte do empoderamento ou seria: "reempoderamento"?
A mulher nunca perdeu seu poder, este foi renomeado. Até o feminino dentro do masculino passou pelo mesmo processo. E como nós somos o que contamos sobre nós mesmos ou o que acreditamos que contam sobre nós, lutar como uma garota, pussy power, women's march e tantos e todos movimentos feministas/femininos de hoje são, pra mim, um novo tratamento de roteiro dessa história. Os fatos seguem os mesmos, nunca perdemos o poder e nem somos tão frágeis que não conseguíamos nos posicionar… É que existia uma narrativa poderosa.
Essa narrativa ensinava desde cedo um lugar/comportamento feminino fantástico e fictício que, assim como toda boa mentira, de tanto se repetir vira verdade. Uma verdade fantasiosa, fantasmagórica e que começou a ser reescrita. Nossos personagens atravessaram um limiar e não há recusa de chamado, estamos indo de encontro com o desafio. Pelo meu ponto de vista, o que não podemos é cristalizar outra narrativa imperativa e absoluta. Não há verdade tão majestosa e nada é ou isso ou aquilo. O nosso perfil de personagem está em mutação, endogenamente e não alimentado exclusivamente pelo exterior.
Escrevo como uma mulher ou como um ser humano que nasceu nesse gênero e com ele se identifica? Como diria Simone, me torno mulher - mesmo? Afinal, de que de mulher estamos falando? Existem tantas possibilidades. Não quero deixar para depois o que já sou hoje e que acredito sejamos todas. Não nos tornamos mulheres, nos tornamos e, isso sim é a parte mais íngreme da escalada, nós mesmas. E nesse momento da nossa narrativa, somos aliadas e mentoras umas das outras. Estamos ressignificando nosso vínculo e reescrevendo velhos clichês tais como: mulher não é amiga de mulher. E que nesse infinito de mãos possamos traçar um arco mais redondo para todas, todos nós.