Estagflação à vista?

Estagflação à vista?


Segundo os últimos dados divulgados pelo IBGE, o Brasil vem enfrentando um cenário econômico bastante desafiador, com perspectivas inflacionárias cada vez maiores e arrefecimento no crescimento econômico. Foi apresentada queda no PIB de 0,1% na sua comparação trimestral com a primeira parcial de 2021, ficando abaixo das expectativas do mercado, que esperava um avanço de 0,2%, trazendo consigo o temor de uma possível estagflação econômica.

Entende-se por estagflação um contexto econômico muito semelhante a um cenário inflacionário, mas com um fator adicional de recessão econômica causado por desequilíbrios macroeconômicos. Logo, infere-se a sinalização de um menor crescimento no qual a economia encontra-se estagnada mas com forte pressão inflacionária. Nesse cenário, a economia encontra diversas barreiras para promover uma recuperação, tendo como principais pontos: descontrole inflacionário, redução do poder de compra, desemprego, desvalorização cambial e baixo crescimento econômico.

Em um cenário sustentável, atribui-se o mecanismo do trade-off entre inflação e desemprego através das políticas monetárias. Na ocasião em que é priorizado a expansão econômica, tem-se como uma das premissas o foco no desenvolvimento da atividade econômica do país. Ou seja, No momento em que a política adotada traz características expansionistas, busca-se, dentre outros fatores, o combate ao desemprego. Por outro lado, em momentos em que a política adotada traz características restritivas, busca-se, dentre outros fatores, o combate à inflação.

Um papel substancial nesse cenário é a intervenção do Banco Central (BC) mediante políticas monetárias. A atuação do BC, de forma bem reduzida, relaciona-se às alterações da taxa de juros conforme o cenário econômico pretendido. Em momentos em que há necessidade de combater a inflação, o banco central eleva a taxa de juros, reduz a liquidez e esfria a demanda com o propósito de equilibrar a oferta e, consequentemente, ocasiona-se o desemprego. Por outro lado, em ambientes que exigem maior atividade econômica, a taxa de juros é reduzida, injeta-se mais dinheiro na economia, o dinheiro passa a valer menos, crédito se torna mais barato, economia passa a ficar mais aquecida e novos empregos são gerados. Logo, quando o Banco Central consegue combater o desemprego, é gerada inflação. Em contrapartida, quando se consegue combater a inflação, é gerado desemprego. Resumidamente, o trade-off é uma escolha mutuamente excludente. Isto é, se escolho uma das alternativas, deixo de praticar a outra.

Um bom exemplo para introduzirmos esse conceito é o momento recente da COVID-19. Em meio a tantas incertezas e seus possíveis impactos sobre a atividade econômica, diversos países ao redor do mundo passaram reduzir suas taxas de juros no intuito de aquecer a atividade econômica, defender o poder de compra e evitar um cenário de recessão econômica. Essa redução na taxa de juros gera impactos diretos na elevação da atividade produtiva causada pelo aumento do consumo, que, por conseguinte, é impactado pelo excesso de liquidez. Nessa ótica, com a economia aquecida e, assim, a demanda, os preços propenderão a sofrer os devidos reajustes, a fim de buscar seu crescimento sustentável (equilíbrio entre a oferta e a demanda), causando assim, inflação. Vale frisar que o choque disruptivo é causado pela impossibilidade em ofertar novos produtos e/ou serviços na mesma velocidade do crescimento da demanda. Logo, para equilibrar essa equação, os preços tenderão a sofrer reajustes em busca do seu equilibro.

Em meados de 2020, na tentativa de combater a crise que se alastrava por todo mundo e atender as demandas do país, que ainda necessitava de mais estímulos monetários, o Banco Central, por meio do Comitê de Política Monetária (COPOM), optou em reduzir a taxa de juros à 2%, levando-a ao menor patamar da história desde a implementação do regime de metas de inflação iniciado em 1999. Mesmo com todo esforço em estimular  a economia e evitar uma eminente recessão econômica, em pouco tempo, já era possível notar que, mesmo com as últimas reduções na taxa de juros e incentivos econômicos, a inflação vinha mostrando sinais de resistência em diversos setores da economia. Em março de 2021, através do COPOM, o banco central encerra sua série de cortes e inicia a elevação da taxa de juros da economia em 0,75 ponto percentual.

Ao mesmo tempo em que o Banco Central elevava a taxa SELIC para controlar a inflação, que já contaminava inúmeros setores na economia, acontecia um cenário atípico, uma vez que a inflação não estava sendo causada pela pressão pelo lado da demanda. As pessoas não estão consumindo mais. Havia um choque pelo lado da oferta proveniente de fatores como: excesso de liquidez no mercado mundial, inflação de serviços, pressão sobre bens industriais, prolongamento das políticas fiscais em reposta à pandemia, intervencionismo chinês e desaquecimento de sua economia, desvalorização cambial, crises políticas, crise hídrica, aumento da bandeira tarifária, e contínuos aumentos no preço dos alimentos. Dessa forma, fatores que direta ou indiretamente possuem estes componentes como insumo e/ou fatores de risco impactarão o crescimento sustentável do país e de toda cadeia produtiva e logística.

Portanto, mesmo com todos os esforços para combater o período de recessão econômica, BC se viu obrigado a retomar a elevação da taxa de juros da economia antes mesmo desta exibir sinais reais de recuperação, de modo a abandonar a política estabelecida e concentrar esforços no controle inflacionário. Dessa forma, o baixo crescimento causado pela elevação da taxa de juros antecipadamente, o descontrole inflacionário, redução do poder de compra, estagnação econômica, dentre outros aspectos já mencionados no texto, dificultam o crescimento do país de forma sustentável, valendo à atenção para um possível cenário de estagflação.  

Rubens Esteves

Contador | CRC Ativo | Auxiliar de Controladoria

3 a

Muito bem apontado Luan!

João Paulo Franco da Silva

Gerente assistente | Administrador | ANBIMA CPA 20 | PAAP T11 | MBA Investimentos & Private Banking

3 a

Baita texto. Parabéns!

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