Estelionato Sentimental: A Perspectiva de Gênero e a Proteção às Mulheres no Âmbito Jurídico
A análise do estelionato sob a perspectiva de gênero amplia as formas de proteção às mulheres, permitindo a concessão de medidas protetivas mais detalhadas e eficazes para combater a violência patrimonial. Essa abordagem tem se mostrado crucial, pois permite o reconhecimento de fraudes que envolvem manipulação emocional, especialmente em contextos de vulnerabilidade afetiva. O estelionato sentimental, embora não seja uma prática nova, tem ganhado maior atenção nos últimos anos, com um debate crescente sobre suas implicações jurídicas e sociais. Essa discussão se torna ainda mais urgente diante do aumento de casos, em que mulheres são alvos de golpistas que se aproveitam da confiança e dos sentimentos delas para obter vantagens financeiras.
Embora situações de estelionato sentimental já existam há muito tempo, a crescente conscientização sobre esses crimes e o reconhecimento das suas consequências têm gerado um debate público importante. Esses casos, muitas vezes invisibilizados, envolvem manipulação emocional para o ganho ilícito, uma prática que agora está sendo mais amplamente discutida e identificada como uma forma de violência patrimonial.
Para que o crime de estelionato seja configurado, é necessário que três elementos estejam presentes: a obtenção de uma vantagem ilícita em prejuízo de outra pessoa, o uso de artifícios ou meios fraudulentos para enganar a vítima e a indução dela a um erro, levando-a a tomar decisões baseadas em falsas crenças. No contexto do estelionato sentimental, o vício de consentimento é claro, pois a vítima, envolvida emocionalmente, é levada a agir de acordo com os sentimentos e expectativas criados por um parceiro que, na realidade, a está manipulando para alcançar ganhos financeiros. A vantagem ilícita consiste no benefício indevido obtido pelo criminoso, enquanto o prejuízo alheio se refere ao dano material sofrido pela vítima, que, com base em um erro induzido, compromete seu patrimônio ou contrai dívidas.
Embora qualquer mulher possa ser vítima de estelionato sentimental, algumas são mais suscetíveis, especialmente aquelas em situações de fragilidade emocional ou que têm estabilidade financeira, o que as torna alvos atraentes para golpistas. Esses criminosos, ao criarem uma falsa aparência de amor e reciprocidade, induzem a vítima a acreditar em um relacionamento genuíno, ao mesmo tempo em que exploram sua confiança para obter benefícios financeiros. Além das implicações cíveis, onde a vítima pode buscar reparação econômica, o estelionato sentimental também tem repercussões no campo criminal, visto que a manipulação emocional utilizada no relacionamento configura o meio fraudulento por meio do qual o crime é praticado.
Recomendados pelo LinkedIn
Recentemente, a 9ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) manteve a condenação de um homem por estelionato sentimental contra sua ex companheira. O réu foi sentenciado a quatro anos de reclusão, com regime inicial aberto, e foi condenado a pagar uma reparação mínima de R$ 116 mil à vítima. O caso envolveu uma situação em que o homem se aproveitou da fragilidade emocional de sua parceira, pedindo dinheiro emprestado, alegando a necessidade de quitar uma dívida com agiotas. Confiando no parceiro e temendo pela segurança dele, a mulher contraíra empréstimos superiores a R$ 100 mil e pagara boletos em nome da empresa do réu. Somente após o término do relacionamento, a vítima descobriu que o ex-companheiro tinha passagens pela polícia por estelionato e falsificação de cheques.
Ao avaliar o recurso, a relatora do TJSP destacou que o estelionato sentimental ocorre quando o agente se utiliza da fragilidade emocional do parceiro para obter vantagens financeiras, levando a vítima a tomar decisões prejudiciais com base em uma falsa percepção da realidade. No caso analisado, a mulher, induzida a erro pelo réu, foi levada a comprometer seu patrimônio, temendo represálias de supostos agiotas. A decisão foi considerada justa, pois o comportamento do réu se enquadrava claramente nos elementos constitutivos do crime de estelionato.
A situação exposta reflete a necessidade de um reconhecimento mais amplo do estelionato sentimental, especialmente no que diz respeito às suas implicações emocionais e patrimoniais. A crescente visibilidade desse tipo de crime exige uma resposta mais eficaz do sistema de justiça, que deve estar atento às especificidades das relações afetivas e aos mecanismos de manipulação emocional que são frequentemente utilizados por golpistas para alcançar vantagens financeiras. A decisão recente da 9ª Câmara do TJSP representa um importante passo na aplicação da justiça, reconhecendo a gravidade da fraude emocional e a necessidade de punição para aqueles que se aproveitam da confiança e vulnerabilidade das vítimas.