"Estremoz pelo Mundo" com Miguel Facalto Alves
Publicado no meu espaço "Estremoz pelo Mundo" do Jornal E de Estremoz do dia 31/05/2018.
"De um jovem que mergulhava nas pedreiras estremocenses aos 50 anos que se aproximam, Miguel Falcato Alves continua a dedicar-se ao que mais gosta – a ilustração.
Lisboa, onde viveu já um quarto de século, tornou-se uma segunda casa - mas a primeira, essa será sempre Estremoz. Foi na cidade alentejana que Miguel cresceu, estudou e deu os primeiros passos naquela que viria a ser a sua profissão. “Estremoz, sendo uma cidade pequena, permitia uma proximidade com o campo aberto e a natureza que não podemos encontrar, por exemplo, numa cidade grande”, afirma. Destes tempos, recorda as tardes passadas a brincar com os colegas no campo e as brincadeiras na muralha da cidade. “São montes de coisas que devido a Estremoz ser a cidade que é, permitiam uma infância cheia de aventuras, brincadeiras e invenções”, memora. A liberdade de uma criança que brinca na terra, permitiu-lhe dar asas à imaginação e inventar os mais diversos passatempos.
“Sempre fui um bocado caseiro. Vivia no meu próprio universo de fantasia e nunca fui muito de sair. Nunca fui muito dado ao desporto, preferia ficar quase sempre em casa a ler, desenhar, recortar ou fazer invenções em papel dos mais variados tipos”, conta. A timidez do jovem Miguel valeu-lhe, na altura, a alcunha de “Silencioso” – atribuída pelos colegas da União [Sociedade Filarmónica Artística estremocense] onde tocou dos 9 aos 18 anos. “A minha mãe ralhava comigo para ir para a rua mas eu, de facto, preferia ficar em casa dedicado às coisas que gostava de fazer”, explica.
Poderia esta infância ter sido passada em qualquer outra cidade? Miguel acredita que não. “A morfologia e geologia estremocenses permitiram um certo tipo de atividades que, dificilmente, teríamos feito numa cidade grande. Não sei em que outro sítio é que no verão se pode tomar banho nas pedreiras, ou ir até à Albufeira do Montinho pescar, tomar banho ou acampar", responde.
Quis até aos 16 anos ser pintor, após terminar os estudos. Foi mudando de ideias e, a dada altura, a informática pareceu tornar-se a escolha certa - afinal de contas, fez as suas primeiras animações em computador aos 12 anos. Infelizmente, na altura, não havia a possibilidade de enveredar pelo percurso artístico ou informático em Estremoz. Acabou por concluir os estudos em Humanísticas, com a consciência de que não poderia fazer o que realmente gostava na sua cidade - pela falta de formação e emprego. Mais tarde, viria a conseguir unir estas duas áreas e fazer delas o seu trabalho e hobby.
“Na altura, com o Pica Lima [Pedro Pereira] fizemos um fanzine de banda desenhada, coisa que não existia no Alentejo desde 1972. Com esse fanzine conseguimos ambos um emprego - eu na escrita e ele no desenho, no Notícias de Elvas. Seguiu-se a Fundação do semanário de Campo Maio - o Campomaiorense”, conta. Posteriormente, Falcato aproveitou uma oportunidade para trabalhar em Lisboa, aí sim, já na sua área de eleição – ilustração e banda desenhada. Admite que “nada disso teria acontecido se não tivéssemos feito aquele fanzine de banda desenhada, do qual saíram dois números, mas que nos permitiu dar um salto”.
Miguel, separado do amigo “Pica Lima”, continuou o seu percurso profissional e artístico, que inclusive o levou para fora do país. Coincidência ou não, passados muitos anos, as carreias voltaram a cruzar-se. "Recentemente reatámos a nossa atividade e temos produzido alguma banda desenhados juntos, da qual irá sair um livro talvez para o ano", conta orgulhoso.
Atualmente, é diretor criativo da agência de publicidade dJomba, empresa da qual foi um dos fundadores. Como o próprio conta: “a dJomba foi fruto de todo um percurso. Vim para Lisboa, onde trabalhei inicialmente numa empresa de ilustração. Depois fiz vários trabalhos de freelance, colaborei em jornais satíricos como o ‘Fiel Inimigo’ e fiz ainda trabalhos para agências de publicidade. Fui para Macau e lá, de facto, a minha cabeça deu uma volta e dediquei-me à publicidade a sério. Entretanto um amigo que fiz em Macau andou à minha procura porque precisava de alguém que soubesse fazer animação. Fui com ele trabalhar para a SIC, onde estive dois anos na fundação daquilo que é hoje a "SIC Online". Na altura em que fomos despedidos da SIC, onde estava curiosamente outro estremocense, o Pedro Vieira, com o dinheiro da indeminização resolvemos montar uma empresa. Pensámos: por que não criar a nossa própria empresa?". E assim surgiu a dJomba que, no passado dia 13 de Maio, celebrou 16 anos de história.
Miguel não nega a importância que a cidade de Estremoz teve neste seu percurso. Considera extremamente marcantes os primeiros 23 anos de vida, passados na cidade onde nasceu. "Estremoz ensinou-me a ser quem sou. Tem várias coisas que eu considero únicas e extremamente influentes na minha formação. Uma delas foi o cinema. Estremoz sempre teve uma atividade cinéfila muito importante e, quando eu era puto, tínhamos cinema - ao contrário de muitas terras mais importantes como Évora e Portalegre”. É uma história boa de se ouvir. Miguel conta que, na sua altura, havia cinema três vezes por semana (quatro, se contarmos com as quintas-feiras dos filmes pornográficos). Essas sessões permitiram-lhe ver muitos clássicos norte-americanos que contribuíram para a sua formação enquanto indivíduo e artista. “Não posso, de forma nenhuma, negar a influência que o Cine-Teatro Bernardim Ribeiro teve na minha pessoa. Foi de facto muito marcante”, declara.
Não deixa de realçar também a importância da família neste seu crescimento. “Venho de uma família com uma abertura grande a todos os níveis, tanto político como cultural, e que sempre me pôs à disposição todo o tipo de informação, que fez de mim aquilo que sou hoje. A minha vinda para Lisboa foi um passo grande na altura em que foi dado, e mais tarde, a minha ida para Macau mudou em muito o paradigma da minha existência. Mas tudo começa em Estremoz”, exprime.
Revela que todo o percurso foi fruto de uma construção, mas também do acaso, afirmando que as coisas na sua vida foram sempre acontecendo de forma natural. Na hora de aconselhar jovens estremocenses, Miguel diz que o mais importante é cada um acreditar em si próprio. “O que eu diria, não só a estremocenses, mas a qualquer pessoa do planeta é: se tens um sonho, vai atrás dele e sê teimoso. Não desistas, porque sem teimosia e perseverança não se chega a lado nenhum. Trabalhar e trabalhar bem, fazendo sempre o melhor que se consegue. Acima de tudo, trabalho, esforço e acreditar em si próprio”, aconselha.
Refletindo sobre a cidade onde cresceu, Miguel reconhece um grande potencial na cidade que continua por ser aproveitado. “Eu costumava ouvir histórias de Estremoz como uma cidade que, nos anos 50, funcionava 24 horas por dia. Sempre ouvi histórias do café Central, que agora já não existe e que deu lugar a uma loja do chinês. Ou seja, eu já vivi em Estremoz numa fase pós anos 50 de glória. Mas acredito que Estremoz tem muito potencial e muito para oferecer”, começa por referir.
No entanto não deixa de criticar uma tendência que, embora considere estar em declínio, ainda sente: “Um bairrismo brutal. Estremoz sofre de uma falta de união brutal. Basta ver a quantidade de associações recreativas que existiam e que não se davam umas com as outras. Todas elas de costas voltadas umas para as outras, sempre zangadas e nunca capazes de fazer nada em conjunto. Isto levou, no fundo, a esta desunião e áquilo a que Estremoz está reduzido: uma terra periférica, que em vez de crescer diminui”.
Mas acredita na mudança de mentalidades. Conclui que "ainda há uma grande divisão, não só nas classes sociais, mas a nível político. E essa divisão política leva a outro tipo de divisões sociais, que impedem a cidade de ir para a frente. Acho que temos um grande potencial turístico, que não é aproveitado porque não há nada que faça os turistas ficarem em Estremoz mais que um ou dois dias. Não há nada que os prenda. Acho que era importante investir nisso”.
Quando regressa, gosta da comida, da paisagem e de rever a família. “Na primavera, gosto dos campos verdes e cheios de flores. No inverno, não gosto nada do frio. O frio de Estremoz é uma coisa horrível. Sobretudo, boa comida e bons amigos. Simplicidade”, completa.
Tal como na banda desenhada, o final é alegre. “Quero é ser feliz e que toda a gente seja feliz. Isso é o maior sonho e basicamente o meu único desejo. A Estremoz voltarei aos sábados, para ir ao mercado e eventualmente beber um copo”, termina. Nós, por cá, estaremos sempre prontos para mais um quadradinho na banda desenhada que é a vida do Miguel. " Nuno Pereira Xarepe
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Comunicação, Conteúdos e Produção
6 aMiguel Falcato aqui está :)