Eu conheço Irmã Rosita Milesi: como o voluntariado pode mudar vidas

Eu conheço Irmã Rosita Milesi: como o voluntariado pode mudar vidas

Você já pensou em fazer voluntariado? Já fez voluntariado? Pois bem. Até dois anos atrás, eu nunca havia feito. Na verdade, normalmente temos uma ideia errada sobre essa dinâmica. Ser voluntário não necessariamente significa doar horas e horas do seu tempo para ajudar as pessoas que precisam diretamente, servir comidas, triar roupas e donativos ou cuidar das crianças. Todas, atividades meritórias, claro. Mas voluntariado pode ir muito além disso. 

No meu caso, tudo começou com uma conversa com um amigo durante o MBA que fazíamos na Fundação Getulio Vargas (FGV), de Administração – Relações Institucionais e Governamentais. Esse colega, que atua no Alto Comissariado da ONU para Refugiados (ACNUR), ouviu de mim que gostaria de atuar nessa área. Disse a ele que a temática da migração, do refúgio e da apatridia mexia comigo, desde os tempos de repórter, quando acompanhei alguns casos, até os episódios em que cogitei e me movimentei para ser eu mesmo o migrante – cheguei a me mobilizar para ir para Montreal, no Canadá. 

A mudança não veio, mas a possibilidade atemorizadora de ir parar em um país diferente deixando todo seu contexto para trás elevou a níveis elevadíssimos minha já presente empatia: nunca mais vi um migrante com os mesmos olhos de antes. Foi aí que ele me apresentou alguém que transformaria meu modo de enxergar a vida desde então: Irmã Rosita Milesi, uma religiosa, gaúcha, que atua como diretora do Instituto Migrações e Direitos Humanos (IMDH), uma instituição sediada em Brasília e que faz cerca de 2 mil atendimentos por mês a estrangeiros de um modo geral, oferecendo gratuitamente toda sorte de apoio – muito especialmente no que diz respeito à “papelada”, fazendo os encaminhamentos dos documentos daqueles que requerem refúgio ao governo brasileiro.

Se alguém vive em Marte ou não viu os sites e jornais nesta quarta-feira (9/10), Irmã Rosita Milesi foi anunciada como vencedora global do Prêmio Nansen, oferecido pela própria ACNUR. Em termos genéricos, o Nansen é a láurea mais importante no mundo para quem atua na pauta de refugiados. É o Nobel da Paz para quem é da área, grosso modo. A entrega do prêmio ocorrerá em Genebra, na Suíça, no dia 14 de outubro. Ela é a primeira mulher brasileira a ser agraciada com o Nansen na História.

Vi Irmã Rosita pela primeira vez numa videochamada. A instituição, o IMDH, e ela em especial, tinham estrutura de comunicação social e de relações institucionais, mas claro: todo pessoal e a estrutura de que dispõem é insuficiente diante da demanda e das possibilidades. 

Irmã Rosita ouviu minha apresentação do outro lado da tela e me convidou para ir ao encontro dela, uns dias depois. De pronto ela soube entender que meu tempo era escasso e que ficaria muito complicado que eu me deslocasse presencialmente, ainda que eu tenha me oferecido para fazê-lo sempre que possível. E consegui, algumas vezes – foram momentos, aliás, inesquecíveis. Irmã Rosita percebeu em mim a experiência de mais de 20 anos em redações, contato com muitos jornalistas, e habilidade para escrever e editar discursos. Viu ainda minha capacidade de falar alguns idiomas (o que sempre cai bem em uma instituição que acolhe estrangeiros) e a tranquilidade para lidar com quaisquer situações de pressão, demandas de mídia internacional ou de agências globais. o que viesse. 

Em suma, nossa parceria dá certo desde então porque ela vislumbrou uma possibilidade de voluntariado que trouxe a ela o que não tinha, um profissional sênior que a instituição não teria condições de bancar, e ao mesmo tempo deu a mim a chance de trabalhar com uma causa que realmente me motiva e mobiliza: refúgio, migração, apatridia. Um ganha-ganha, com todas as letras.

Claro, dentro da linha dos textos que tenho escrito aqui regularmente, um propósito era falar de carreira em um tópico nem sempre bem abordado, o do voluntariado. Mas quero reservar algumas linhas para falar de Irmã Rosita e como eu jamais a teria conhecido se não fosse pela busca por essa realização. 

Ela é uma pessoa cuja certa fragilidade física é absolutamente enganosa. É uma pessoa extremamente ativa, adaptável, e que entende a pauta a que serve como ninguém. Ela mantém com parceiros, por exemplo, uma casa de acolhida para venezuelanos em Brasília, a Bom Samaritano. Essas pessoas, de famílias habilitadas, podem ficar na casa por até três meses – período em que pelo menos uma pessoa da família precisa conquistar um emprego. Todos conseguem. 

Irmã Rosita montou também uma sede do IMDH em Pacaraima, em Roraima, onde ajuda na primeira acolhida aos venezuelanos que atravessam a fronteira. É um trabalho reconhecido pelas instituições que atuam com migração, o Exército e a Polícia Federal. 

A nossa vencedora do Prêmio Nansen, ao longo de mais de 35 anos de atuação direta pela causa, foi uma das responsáveis por, com muito diálogo, contribuir para a aprovação das leis de refúgio e migração no Brasil, hoje reconhecidamente como de vanguarda em comparação com outros países. Quantas religiosas vocês conhecem que são advogadas, com registro na OAB e tudo? Irmã Rosita é uma delas. Um dos xodós da nossa freira é uma aldeia indígena que ela ajudou a organizar na zona rural do Distrito Federal, onde ela “realdeou” uma etnia indígena migrante da Venezuela, os “Warao”, ora vejam só. 

Não vou nem falar das oportunidades de engrandecimento pessoal que ela trouxe para mim, diretamente. O quanto conversamos sobre esperança, a maldade do mundo e a importância de seguir lutando. Até de fé, essa dimensão que tanto me falta, e cuja ausência ela sabe respeitar como ninguém – embora sempre tenha uma palavra na expectativa de que algo em mim refloresça. 

Efetivamente na expectativa do Prêmio Nansen, que viria, a ACNUR pôs seu staff à disposição de Irmã Rosita, e isso inclui os serviços de comunicação social. Um parêntese, com um quê de peculiaridade: eu, inclusive, participei do processo seletivo para a área na própria ACNUR ao longo deste ano – e disseram não ter gostado da minha entrevista, mas essa é outra história, bem menos meritória do que a de Irmã Rosita. Enfim. Fato é que coube a mim também alguns contatos com a imprensa, além de uma honra muito pessoal e intransferível: o discurso que Irmã Rosita fará em Genebra na semana que vem foi feito a quatro mãos, por nós dois. 

Num mundo cada vez mais em defesa da lógica dos argentários, soa insano argumentar que as pessoas podem ter vantagens ao fazer algo sem serem pagas por isso. Muitas, inclusive, têm dificuldades em vencer as despesas do mês e não podem sequer pensar em se ocupar de atividades que não trazem o devido retorno financeiro. Mas, muitas vezes, o que falta é um propósito. Livre das amarras do dinheiro, o homem voluntário (ou a mulher voluntária) pode escolher por que causa militar, com qual mundo ideal colaborar. E viver a sua persona profissional em sua plenitude, apenas por amor e pertencimento.

Em que emprego eu receberia como pagamento a alegria que tive hoje?

Sensacional! A Irmã é uma unanimidade e uma inspiração para todos nós. Feliz com o seu relato

Janaína Aguillera

Relações Públicas, Produtora Cultural e de Audiovisual

5 m

Que história linda! E que bom que você agora faz parte dela. Parabéns Irmã Rosita, parabéns Instituto Migrações e Direitos Humanos!

Jordana Saldanha

Direção e Gestão de Comunicação Institucional | Palestrante | Reputação | Relações Públicas e Institucionais | Marketing | Crises | | Faixa Preta de Kung Fu 🥋

5 m

Merecedora! O trabalho dela é incrível!

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