Eu não trabalho para fazer amigos

Para alguém como eu, que coleciono amizades conquistadas em todos os ambientes de trabalho por onde passei, um título como este poderia ser uma heresia. No entanto, venho aprendendo que trata-se de uma realidade. Convenhamos, a prioridade na busca por um emprego, por uma parceria comercial é, primeiro, atender as demandas financeiras – o popularmente chamado “pagar os boletos” – e, segundo, buscar desenvolvimento profissional. Aumentar o rol de amigos e amigas é consequência.

Nada impede que amizades brotem e se desenvolvam no campo profissional. Muito pelo contrário, é um cenário propício para isso, a julgar pelo tempo que as pessoas passam juntas e pela série de razões que as conectam. Eu cultivo relacionamentos assim que já duram décadas, e inclusive continuam rendendo ideias e estímulos para novos empreendimentos.

Aliás, o desenvolvimento de um trabalho que já vem embalado por amizade pode ser muito mais exitoso, ou no mínimo mais promissor. É um pacote que traz uma confiança natural, além de sintonia e companheirismo. Certa vez ouvi que, dentro das corporações, as pessoas fazem alianças com as outras pessoas, e não com as corporações. Uso essa frase com certa frequência, pois e cada vez mais real.

Toda aquela história de “vestir a camisa”, “engajamento”, “pertencimento”, “atitude de dono” e tantas outras expressões motivadoras que vemos por aí só tem efeito se houver conexão entre as pessoas. Sobretudo, pela maneira como as lideranças transmitem essa ideia a quem está sob seu comando e sob seus cuidados. É o que vejo.  

E como a amizade entra nessa relação? Não ousaria cravar aqui uma resposta padrão, devido a tantas variáveis que influenciam tal proximidade, inclusive características pessoais. Mas posso falar das minhas experiências.

Conversava com um amigo no final de semana sobre a diferença entre ingressar em uma corporação para liderar pessoas até então desconhecidas e se tornar líder de colegas que antes eram pares. Acho a segunda opção mais desafiadora (não que a primeira seja “mamão com açúcar”), e até passei por algo semelhante.

Certa vez, indiquei um grande amigo para uma vaga no mesmo cargo que eu ocupava em uma determinada empresa. Por já estar lá há mais tempo, ganhei novas responsabilidades e fui estimulado a ocupar uma posição de liderança. Eu via o processo se desenrolar com certa naturalidade, até começar a perceber certo incômodo daquele meu amigo. Foi um baque, pois valorizo muito as amizades. Felizmente, a situação não se estendeu, pois logo fui para outro emprego.

Apesar de que, naquele momento, o que eu mais queria era conversar com meu amigo, resolver aquela tensão entre a gente. Com a maturidade, a experiência e o autoconhecimento, acabei entendendo que essas coisas acontecem, é natural do ser humano. Eu mesmo já me senti incomodado com atitudes de pessoas amigas em certas situações de trabalho.

Procuro superar tais situações escutando a voz que sabiamente fala aos meus ouvidos: “Amor, não leve para o coração”. Sim, são palavras da minha amada esposa e imprescindível amiga. É uma questão de equilíbrio entre o que pertence à amizade e aquilo que se restringe ao ambiente profissional.

É aí que entra a clareza da expressão “uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa”. Sempre é possível encontrar sintonia entre as pessoas na relação de amizade e de trabalho, desde que exista verdade e transparência nessa história. Mas também é preciso ter cuidado. Em muitas situações, pode haver só sacanagem mesmo. E aí é outra parada (fique à vontade para pensar no sinônimo que quiser).

Escrevo isso, assim dessa forma até meio rude, porque não faltam exemplos de assédio moral e abuso de autoridade disfarçadas de relação amistosa. Assim como ameaças às lideranças nessa mesma falsa embalagem. Sabe aquela coisa de “jamais esperaria isso vindo de uma amizade”? Pois é, não vem mesmo. Alguém que sacaneia coleguinhas não pode ser considerado amigo.

O que tenho aprendido ao longo da minha carreira, testemunhando as mais diversas situações (positivas ou não), ouvindo pessoas próximas (não apenas no sentido geográfico da palavra), conversando com minha terapeuta e minha psiquiatra, enfim, vivendo, é que amizade e trabalho são coisas diferentes. Podem coexistir, se integrar, se envolver, se conectar, contribuir entre si, mas no final do dia, como diz o ditado, “cada qual com seu cada qual”. E viva as amizades!