Ex-unicórnio: por que a Forward, healthtech avaliada em US$ 1 bilhão, fechou as portas?

Ex-unicórnio: por que a Forward, healthtech avaliada em US$ 1 bilhão, fechou as portas?

No universo das startups, especialmente no setor de saúde, histórias de crescimento meteórico podem ser inspiradoras. Mas, por trás dos holofotes, também existem lições valiosas.

O caso da Forward, uma healthtech de São Francisco que chegou ao status de unicórnio antes de fechar as portas, nos lembra que inovação e sustentabilidade precisam caminhar juntas.

CarePods

Histórico da Forward

A Forward foi fundada em 2017 com de reinventar a assistência primária por meio de um modelo de Assistência Primária Direta (DPC). Nesse modelo, as assinaturas substituíam os seguros tradicionais, criando um sistema mais direto e acessível para os pacientes. É um conceito que tenho acompanhado com interesse e já comentei em textos anteriores, como em "Saúde por Assinatura: a ascensão da assistência primária direta".

O diferencial da Forward era claro: transformar a experiência tradicional de saúde em algo que se aproximasse de uma Apple Store, com tecnologia avançada, simplicidade e um toque humanizado. Tudo isso por uma assinatura mensal de cerca de US$ 150. Com essa taxa, os membros tinham acesso a consultas presenciais e virtuais, uma equipe de atendimento disponível 24 horas por dia, 7 dias por semana, e programas especializados que atendiam a necessidades específicas, como:

  • Gestão de peso
  • Saúde do coração
  • Saúde da mulher

Ao longo de sua trajetória, a Forward levantou US$ 660 milhões em investimentos. Em novembro de 2023, durante uma rodada Série E de US$ 100 milhões, a empresa apostou na expansão dos seus CarePods — cabines autônomas e tecnológicas que prometiam levar exames básicos a locais de difícil acesso.

A Forward parecia representar o futuro da saúde, com uma proposta que unia acessibilidade, tecnologia e personalização. No entanto, o desenrolar dessa história nos mostra que a inovação, por si só, não é suficiente para garantir sustentabilidade em setores tão complexos como o da saúde.

Por que as pessoas evitam pagar do próprio bolso quando acreditam que algo deveria ser coberto pelo seguro?

Um dos maiores desafios no setor de saúde e em outras indústrias que lidam com serviços essenciais: a percepção de valor versus responsabilidade financeira. Quando as pessoas acreditam que um serviço ou produto deveria ser incluído em um pacote já contratado — como um seguro —, a disposição para desembolsar dinheiro adicional diminui drasticamente.

Isso ocorre por várias razões:

  1. Expectativa de direitos: o seguro é percebido como uma garantia de proteção financeira. Quando um serviço necessário não está coberto, isso pode gerar frustração e a sensação de que o consumidor está sendo prejudicado, mesmo que o custo em si seja justificável.
  2. Aversão a custos adicionais: ninguém gosta de sentir que está pagando duas vezes pelo mesmo benefício. Se o seguro já exige um pagamento recorrente, gastar mais para algo que parece "deveria estar incluso" cria uma barreira psicológica.
  3. Falta de compreensão sobre os custos reais: o público nem sempre entende o valor total dos serviços de saúde ou outros serviços especializados. Sem essa transparência, fica difícil justificar o gasto pessoal.
  4. Cultura de dependência: em muitos mercados, há uma expectativa cultural de que o seguro, ou até o governo, deve arcar com todos os custos de saúde. Isso cria uma mentalidade de dependência, dificultando a adoção de soluções diretas ou de pagamento por conta própria.

O que isso significa para negócios?

Para empresas, especialmente startups no setor de saúde, esse comportamento exige uma abordagem estratégica. Modelos de Assistência Primária Direta (DPC), como o da Forward, enfrentam o desafio de educar os consumidores sobre o valor do serviço além das coberturas tradicionais de seguro. Isso inclui:

  • Transparência sobre os custos e benefícios reais do serviço.
  • Criação de uma proposta de valor clara que justifique o pagamento direto.
  • Iniciativas para desmistificar a ideia de que o seguro deve cobrir tudo.

Se queremos que o público valorize serviços inovadores que fogem do modelo tradicional de seguros, precisamos trabalhar na educação financeira e percepção de valor, mostrando que investir na própria saúde (ou em outros serviços) pode trazer retornos muito maiores do que esperar pela cobertura de terceiros.

Outro alerta para startups

O caso da Forward também destaca um erro comum em startups que crescem rapidamente: a priorização de expectativas dos investidores em detrimento de um modelo de negócios sustentável e alinhado com as necessidades reais dos consumidores. Embora o capital de risco seja um importante propulsor de inovação, depender excessivamente dele sem construir uma base sólida de receitas recorrentes é uma estratégia perigosa, especialmente em tempos de incerteza econômica.

O que acontece quando o foco está no investidor, não no cliente?

A Forward captou impressionantes US$ 660 milhões ao longo de sua trajetória, alimentando expectativas elevadas de crescimento e inovação. Essa dependência de capital externo criou um ciclo no qual o foco era atender às metas agressivas de expansão esperadas pelos investidores, sem garantir que o modelo de negócios fosse lucrativo ou sustentável.

Quando o ambiente de financiamento mudou — como ocorreu recentemente, com a retração do mercado de venture capital —, a empresa se viu vulnerável. O problema se agravou porque a demanda do consumidor não acompanhava as projeções otimistas. Isso resultou em um descompasso: uma infraestrutura inovadora, mas pouco utilizada, incapaz de justificar os investimentos.

  1. A sustentabilidade deve preceder a escalabilidade: É tentador seguir uma trajetória de rápido crescimento para atrair investimentos, mas isso não pode acontecer às custas de um modelo de negócio sustentável. Antes de escalar, startups devem provar que sua solução resolve um problema real, de forma viável e que os consumidores estão dispostos a pagar.
  2. Entenda o consumidor antes de expandir: A Forward tentou criar um mercado em torno de suas inovações, como os CarePods, sem considerar adequadamente se os consumidores enxergavam valor suficiente para justificar o custo. A realidade é que a tecnologia não cria demanda sozinha; ela precisa atender a uma necessidade concreta e ser acessível.
  3. Equilibre o capital externo com receitas próprias: O capital de risco pode ser crucial para viabilizar projetos ambiciosos, mas depender exclusivamente dele é arriscado. Empresas devem buscar construir fontes consistentes de receita desde cedo, garantindo uma base financeira que as sustente em tempos de crise.
  4. Alinhe a visão do investidor com a realidade do mercado: Investidores frequentemente pressionam startups por crescimento acelerado, mas é papel dos empreendedores educá-los sobre as nuances do mercado e defender estratégias que priorizem a longevidade da empresa.

O que isso significa para o futuro das startups?

Startups que se sustentam exclusivamente no entusiasmo de investidores, ignorando a realidade do consumidor, são como castelos de areia: impressionantes, mas frágeis. O caso da Forward serve como um lembrete de que não basta atrair capital; é essencial criar um modelo que resista às adversidades econômicas e seja valioso para quem realmente importa — o consumidor.

Empresas inovadoras devem caminhar na interseção entre as expectativas de investidores e as necessidades do mercado, garantindo que suas soluções não apenas impressionem no PowerPoint, mas também sejam adotadas, valorizadas e mantidas pelos consumidores. Afinal, é o mercado — e não o capital de risco — que determina a sustentabilidade de um negócio.

Um legado de lições para o futuro das startups

O caso da Forward nos oferece mais do que uma narrativa de ascensão e queda. Ele representa um guia poderoso para empreendedores e investidores que buscam transformar mercados complexos. A jornada da empresa evidencia que a inovação tecnológica precisa estar enraizada em uma compreensão profunda das demandas do consumidor e em um modelo de negócios sustentável.

A Forward tentou revolucionar a assistência primária, e sua proposta era válida: simplificar processos, oferecer personalização e criar acessibilidade. Mas, sem alinhar as expectativas de investidores com as realidades do mercado, a empresa sucumbiu às próprias ambições.

Startups que desejam evitar o mesmo destino precisam lembrar que o verdadeiro sucesso não está apenas nos holofotes do capital de risco ou no status de unicórnio, mas na criação de valor real e duradouro para os consumidores. A saúde, em especial, exige soluções que equilibrem tecnologia com empatia, escalabilidade com acessibilidade e inovação com sustentabilidade.

Portanto, se há uma lição definitiva que podemos tirar do caso Forward, é que crescer rápido pode ser impressionante, mas crescer com propósito é o que realmente constrói negócios que resistem ao tempo. Que as histórias de falhas como esta sirvam para fortalecer futuros empreendedores e inspirar um novo capítulo de inovações mais responsáveis, resilientes e conectadas à realidade das pessoas.


Nina Campos

Palhaça e Designer para Relações na Relações Simplificadas | Palestrante | TEDx Speaker | Mentora

1 m

Que artigo excelente, super completo e bem estruturado, um bom guia para quem está planejando passos nessa área, certo Francisco Nogueira? Obrigada Monique!

Anderson Williams

Regional Sales Director | Buisiness and Sales | Connecting business and empowering Results and Partnerships | University Teacher | Speaker Public | Marketing | | ESG

1 m

Monique Evelle sem educação à percepção de valor de serviços essenciais se tornam obrigatório para o governo e não para o indivíduo. Triste com essa notícia.

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