Exclusividade: novidade do CADE que pode ajudar sua empresa

A Superintendência-Geral (SG) do CADE emitiu um interessante parecer em caso envolvendo a Unilever e a Nestlé. Ambas as empresas haviam sido denunciadas, em 2013, por práticas comerciais que suspostamente fechavam o mercado de sorvetes, principalmente o mercado chamado de “impulso”. O principal dilema do caso foi a existência de acordos de exclusividade entre essas empresas e alguns estabelecimentos comerciais.

Apenas para que se tenha uma ideia das práticas comerciais atacadas, a denúncia incluiu:

• Exclusividade de vendas (ou programa de bonificação): as empresas foram acusadas de ter relação de exclusividade com pontos de venda (PDVs), ainda que de forma implícita
• Cessão de freezer, com exigência de exclusividade: as empresas cedem em comodato freezers para PDVs, que se obrigam a não armazenar produtos de concorrentes no interior do freezer cedido
• Giro mínimo de venda: as empresas denunciadas impõem um giro mínimo de venda aos PDVs
• Materiais promocionais: as empresas denunciadas exigem exclusividade ou privilégio no merchandising de sorvetes
• Prazo e renovação dos contratos: ambas as empresas teriam preferência na renovação dos contratos com os PDVs, podendo perpetuar a relação existente
• Aquisição de baú frigorífico: uma das empresas teria adquirido baús frigoríficos com a suposta intenção de impedir o transporte de produtos de concorrentes

Por razões muito parecidas, a AMBEV foi condenada pelo CADE (vide o famoso caso Tô Contigo). Em abstrato, essas práticas têm potencial de fechar o mercado ou elevar custos para concorrentes. Por isso, a SG decidiu instaurar o processo administrativo.

A boa notícia é que a SG adotou postura bastante serena e criteriosa o que fortalece a liberdade de as empresas modelarem seus negócios. Foi avaliado o efetivo potencial lesivo das práticas denunciadas. A famosa regra da razão e o bom senso permearam a opinião da SG. A SG opinou pelo arquivamento do caso.

Em primeiro lugar, a SG parece ter acatado a racionalidade econômica trazida por Unilever e Nestlé para justificar a exclusividade de freezers. Tendo em vista que as empresas são proprietárias desses equipamentos e custeiam sua instalação e manutenção, pareceu razoável para a SG que fosse exigida a exclusividade no seu uso. Essa reconhecida prática de mercado evita o comportamento oportunista de concorrentes. Além disso, embora não conste da versão pública do parecer, certamente foram levados em consideração a elasticidade da demanda de sorvetes e o universo total coberto pelos estabelecimentos que aceitaram a exclusividade.

A SG ainda apontou a dificuldade de identificar evidência de que tal exclusividade tenha evitado ou dificultado significativamente a entrada e desenvolvimento de concorrentes no mercado de sorvetes.

Quanto aos contratos de merchandising, a SG opinou que a exclusividade nos limites praticados por Unilever e Nestlé não parecia fechar parcela relevante dos PDVs que comercializam sorvetes por impulso.

Exclusividade e modelos de negócios estão longe de serem temas pacíficos. O CADE tem sido bastante incisivo (e intrusivo) em diversos casos. Mas, a SG afastou uma análise em abstrato do modelo de negócios e avaliou o efetivo potencial lesivo da prática investigada.

Mesmo sem acesso aos detalhes do caso, o posicionamento da SG na versão pública de seu parecer confirma essa abordagem. Ainda há que aguardar a decisão final do CADE.

Caso esse tendência se confirme, as empresas podem avaliar com maior cuidado seus modelos de negócios e, mediante análise profunda e detalhada dos possíveis efeitos no mercado, valer-se da exclusividade em situações que assim o permitam.

É sempre importante considerar, dentre outros, os seguintes aspectos:

• Poder de mercado da empresa
• Existência de concorrentes que possam desafiar a empresa
• Efetiva necessidade da exclusividade
• Abrangência da exclusividade no mercado afetado

Como a interpretação de casos dessa natureza pode variar muito, caso a empresa entenda mais adequado, poderá apresentar consulta ao CADE para saber de antemão se seu modelo de negócios está, ou não, de acordo com as diretrizes da lei de defesa da concorrência.