Física, empreendedorismo e paixão.
Física, empreendedorismo e paixão.
Uma história sobre ser diferente
Minha carreira como cientista é repleta de transformações. Todas elas catalizadas por mestres: desde personagens de livros até professores.
Em 2005 eu era um jovem bastante comum: notas médias, pouco interessado na escola, sem nenhuma atividade extra-curricular. Meus pais, na época, não possuíam Ensino Superior (minha mãe conclui o Ensino Superior e a pós-graduação incentivada por mim). Minha avó, alcoólatra, cuidava de mim a maior parte do tempo enquanto minha mãe trabalhava e estudava. Faltava um propósito, até que um evento mudou tudo isso e me ‘tirou da caixa’. Fui atropelado por uma motocicleta na frente da escola após tirar nota máxima pela primeira vez — em uma prova de física. Devido à uma fratura na tíbia e na fíbula (os dois ossos da canela) fiquei sem sair de casa por dois meses. Na escola, quase todos os professores acabaram me aprovando com a entrega de alguns trabalhos, exceto o meu professor de Física. No final do ano, eu deveria fazer uma prova de recuperação por não estar presente durante a prova principal. Foi aí que a mágica aconteceu: descobri que era capaz de aprender muita coisa sozinho, bastava usar o google. Este foi meu primeiro passo como cientista. Aprendera a fazer pesquisa bibliográfica. Não aquele tipo de pesquisa que fazemos para cumprir alguma tarefa da escola. Eu sendo guiado pela curiosidade. Lembro de começar a estudar termodinâmica (dilatação) e acabar lendo sobre entropia, teoria da informação e arquitetura Von Neumann. Claro, eu não entendia nada, mas ficava fascinado com essas coisas e queria aprender mais. Minha metodologia era basicamente pegar um artigo da Wikipédia em português e abrir cada um dos links na ordem em que apareciam no texto. Como todo mundo que já fez isso sabe, a versão em português da Enciclopédia Livre carece de muito material ainda, especialmente científico. Isso me levou a ‘ler’ a Wikipédia em inglês. Novamente, eu não sabia nada de inglês, então eu basicamente olhava as figuras e entendia alguma coisa por comparação com a versão em português. Apesar do interesse, recuperar todo o ‘tempo perdido’ não é trivial.
Foi em 2006, já em outra escola, que eu prosperei. Tratava-se de uma escola com muito mais possibilidades, ao lado da UFRGS (que eu não conhecia até então). Ao mesmo tempo houve um estreitamento na interação com meu tio, talvez o maior responsável pelo que sou hoje. Decidi que iria prestar vestibular naquele ano e meu tio sugeriu Física, dado meu interesse pelas revistas dele sobre ciência. Foi numa visita à casa dele que ele me emprestou um livro chamado “Feynman’s Rainbow”, do Leonard Mlodinow, a capa me atraiu, era sobre física, e eu queria melhorar o inglês. Acontece que esse livro caiu como uma luva. O autor, um jovem físico na época, narra sua experiência de autoconhecimento guiada por Richard Feynman. Só para constar, Richard Feynman foi, na minha opinião, o cientista mais cool que já existiu, além de ser um gênio da mesma grandeza de Einstein. Eu não era um jovem físico, nem estava recebendo mentoria do Feynman, mas pra mim era como se fosse. Li o livro em 3 dias, nos outros 4 dias re-li mais 2 vezes para realmente pegar toda a informação. Em uma semana minha vida mudou e eu fiquei obcecado com o trabalho do Feynman, li tudo sobre ele, suas famosas “Lectures on Physics” e sua tese sobre diagramas (não aprendi muita coisa, mas isso me motivou demais e eu conseguia ‘sentir’ o quanto aquilo era incrível). Foi então que decidi prestar vestibular para Licenciatura em Física, afinal para ensinar você precisa saber muito mais do que para pesquisar, não é mesmo? Foi aí que surgiu minha primeira frustração: aulas noturnas com professores pouco motivados para dar aula, um currículo capenga — nada de física avançada. Por iniciativa própria decidi fazer as cadeiras do Bacharelado em Física. Como as aulas era durante o dia, o clima era um pouco melhor e acabe tendo aula com um professor muito bom que me motivou muito. Sugeriu minha primeira iniciação científica, me indicou para uma pesquisa com teoria quântica de campos — no 3º semestre eu falava muito sobre diagramas de Feynman. Essa foi minha área de pesquisa até o final da graduação, 4 anos e meio depois. Meu TCC foi um estudo teórico-computacional da probabilidade de produção de micro buracos negros no LHC (Grande Colisor de Hádrons, um acelerador de partículas gigantesco que colide partículas à altíssimas energias).
No último semestre de graduação eu enfrentava um dilema: seguir na mesma área de pesquisa ou não? Para seguir na mesma área eu deveria mudar de estado, pois o que eu queria fazer não era oferecido na pós-graduação da minha universidade. Mas mudar de área requer tempo para aprender os novos conceitos e metodologias, os dois anos do mestrado poderiam não ser suficientes. Diante de todas essas possibilidades, fui bater na porta de diversos possíveis orientadores e pedi aconselhamento. O resultado foi que decidi ficar. Minha nova área de estudo era a Mecânica Estatística, eu teria um orientador e um co-orientador. O problema que eu abordaria seria novo, portanto de interesse científico e a área estava em grande expansão, sendo meu orientador uma das autoridades. A diferença principal estava na metodologia. Durante a graduação eu fiz muito trabalho teórico, resolver equações extremamente complicadas, usando o computador basicamente para simplificá-las e fazer alguns gráficos. No Mestrado, o foco era em simulações computacionais. Escrever o código para resolver um número gigantesco de equações simultaneamente. Lembram da arquitetura Von Neumann? Por sorte, uma das coisas que eu me interessava era programação. Graças a isso, concluí meu mestrado com 6 meses de antecedência e ingressei no doutorado logo em seguida. O que eu não esperava era acabar na UTI pouco tempo depois, devido à uma infeção generalizada e uma tromboembolia pulmonar simultaneamente. A restante dessa história eu deixo para um próximo post, mas adianto que inclui grandes mudanças, como a descoberta de um método de dessalinização de água do mar, um algoritmo de previsão de preços de Bitcoin e uma startup de Mobilidade Urbana aliada com ciência e tecnologia para escolher rotas capaz de revolucionar o transito no Brasil e, possivelmente, em outros lugares do mundo.
Quantum Computing Researcher | Education Consultant | Physicist
4 aParabéns Felipe A., que história massa. Despertar a ciência em nós é proporcionar um caminho de muitas aventuras. Sensacional