A falácia do comportamento inseguro

A falácia do comportamento inseguro

Nesses mais de 10 anos trabalhando em consultoria de gestão de riscos, lidando com diversos temas em segurança ocupacional e observando empresas com diversos portes, segmentos, objetivos e desafios, permito-me a fazer algumas considerações e pontuações sobre o tema do comportamento seguro e, consequentemente, do inseguro.

O primeiro ponto que quero levantar é a atenção e o awareness atuais dados a questões culturais e comportamentais dos sujeitos nas organizações, como se finalmente as empresas percebessem que são formadas por indivíduos singulares, únicos, cujas histórias, motivações e modelos mentais não controlam e dominam. De forma geral há um olhar para as pessoas nas organizações, mesmo que esse ainda seja um terreno pouco compreendido e de difícil gestão.

O segundo ponto, e é aqui que quero me deter, é o uso desta subjetividade, como se ela sozinha fosse capaz de determinar resultados e ser responsável por diversas situações dentro das companhias, especialmente em relação à segurança do trabalho. Quantos acidentes possuem como causa comportamentos inseguros? Quantas vezes o indivíduo é o único reponsável por situações de perdas nas companhias?

Tenho certeza que a resposta é MUITAS. E também tenho certeza que muitas vezes o comportamento é só a ponta do iceberg das causas de um desvio, quase acidente ou mesmo acidente, mas por ser o mais fácil de observar acaba sendo o identificado e reportado. Questões de liderança, de aprendizado e de gestão acabam sendo deixadas de lado e o comportamento inseguro aparece como único responsável pelo que não está correto e não como um reflexo do que pode ser aceito e performado em determinada cultura. O comportamento deve ser compreendido como a expressão da cultura, não como algo isolado e fechado em si mesmo.

Recentemente ouvi um relato de um trabalhador que havia feito um bypass para conseguir produtividade em um máquina e quando questionado sobre porque havia feito isso, respondeu que pelo olhar de seu líder sabia que precisava aumentar a produção. Sistemas que falam sobre segurança mas que gratificam (inclusive financeiramente) apenas o cumprimento de metas de produção apontam quais comportamentos devem ser seguidos em uma cultura.

Líderes que dizem que segurança é importante mas promovem o funcionário que quebra galhos, dá seus pulos e flexibiliza regras também mostram em termos comportamentais o que deve ser feito. O papel do líder é importantíssimo, mas não só ele. Na contramão de tudo o que se vive em muitos RHs, os treinamentos de SSO muitas vezes são chatos e enfadonhos. Para 2 horas de integração, 40 slides em ppt: o conteúdo é passado, mas o conhecimento não é construído. Espaços de aprendizagem tornam-se um martírio: ir para a sala fria, expressão que já ouvi, era o castigo dado para quem não aprendia.

Ainda no âmbito do RH, de que forma a organização garante, para gerir os comportamentos desejáveis de seus colaboradores, os perfis psicológicos daqueles que são contratados? E a integração, é realmente eficaz? Extrapolando a questão ainda mais, em um contexto Brasil, onde diversos trabalhadores moram em condições de dificuldades extremas, seja em relação à falta de infraestrutura quanto à exposição à violência, como partir desses pressupostos e desenvolver a percepção de riscos? Como convencer aquele trabalhador que morava com sua família em uma comunidade super violenta e que via tiroteios com bastante frequência que os riscos do seu trabalho também eram significativos?

Partir do pressuposto que o comportamento é inseguro, em um contexto onde não há treinamentos adequados, lideranças engajadas, percepção de risco desenvolvida, sinalizações explícitas que segurança é um valor, entre outros pontos, é matar o mensageiro. Desconfie se muitos funcionários tiverem comportamentos inseguros: o problema não é apenas comportamental e precisa ser visto a partir de outros eixos. Nestes casos, comportamentos inseguros são pontas de blocos bem maiores e sólidos, que precisam ser modificados de forma estrutural e sistêmica.

Paulo Cardoso

Saúde, Segurança e Qualidade de Vida na Suzano

5 a

Parabéns pelo artigo, excelente!

Carlos Vinicius Marks

Safety Engineer at Volvo Group

5 a

Excelente reflexão! Partilho da mesma opinião, principalmente no que diz respeito do papel fundamental da liderança em passar a mensagem (não apenas em discurso) de qual é o comportamento desejado, e este, deve ser reforçado continuamente.

Anderson Galhardo Sarapkina

Technician Safety at Work Senior | Firefighter | High Seas Rescue | Andragogy Coach

5 a

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