A falácia dos ajustes
Tenho participado de conversas e debates com economistas e empresários sobre as recentes propostas do governo federal para ajustar as contas públicas. Muitas pessoas talvez não compreendam plenamente as implicações de o governo gastar mais do que arrecada. Trata-se de uma situação semelhante à de quem gasta além de sua renda: acaba se endividando e perdendo credibilidade junto a credores e fornecedores.
No caso do governo federal, o déficit recorrente contribui para o aumento da inflação pelo lado da demanda, além de elevar o risco-país, o que resulta em um prêmio de risco maior para o endividamento. Isso, por sua vez, leva a um aumento dos juros básicos da economia. Essa combinação pode desacelerar o nível de atividade econômica, com reflexos diretos no mercado de trabalho.
A situação do governo federal não é nada boa. O controle do orçamento foi, em grande parte, transferido para deputados e senadores, que detêm o poder de determinar como e onde será aplicada uma parcela significativa dos recursos por meio das emendas impositivas. Essas emendas não deveriam existir na dimensão que atualmente possuem. Por outro lado, são amplamente comemoradas por prefeitos e governadores. Contudo, é necessário questionar a eficácia, a efetividade e a eficiência na aplicação dos recursos provenientes dessas emendas.
O governo federal aprovou o novo arcabouço fiscal e se comprometeu a alcançar uma meta de resultado primário zero, ou seja, não registrar déficit primário. Contudo, a norma permite um limite inferior da meta, que admite um déficit primário de até R$ 28,7 bilhões. Apesar disso, as estimativas do Tesouro Nacional indicam um déficit primário de R$ 65,3 bilhões. Um absurdo. Diante desse cenário, a “luz vermelha” da equipe econômica foi acionada, e começaram os esforços para tentar equilibrar as contas. Para a surpresa de ninguém, o governo já sinaliza cortes de gastos que, como de costume, impactam a população em geral.
Além da evidente desorganização do governo federal, enfrentamos a atuação dos congressistas da extrema direita, que fazem uma oposição feroz e estão se mobilizando para apresentar uma proposta alternativa de ajuste fiscal. O principal ponto dessa proposta é a desindexação das aposentadorias, pensões e benefícios sociais ao salário-mínimo. Mais uma medida de ajuste que, como de praxe, recai sobre a população em geral.
As únicas alternativas que nossos agentes políticos parecem encontrar para cortar despesas impactam diretamente a população: ora com a redução de direitos sociais, ora com a diminuição dos serviços prestados. Em nenhum momento, porém, se discute a redução do valor das emendas impositivas para melhorar o direcionamento das políticas públicas. E, mais importante, ninguém debate a necessidade de melhorar a eficiência do gasto público.
É imperativo que nossos agentes políticos abandonem a comodidade de soluções paliativas e criem coragem para enfrentar o verdadeiro desafio: melhorar a eficiência do gasto público. Antes de propor medidas que penalizam a população, como cortes em direitos sociais e serviços essenciais, é necessário um esforço vigoroso para revisar as práticas orçamentárias, eliminar desperdícios e estabelecer critérios claros e objetivos para a aplicação dos recursos. É hora de exigir que os gestores públicos enfrentem os privilégios e coloquem em prática uma governança que priorize o interesse coletivo. A verdadeira responsabilidade fiscal não deve ser um fardo exclusivo dos mais vulneráveis, mas um pacto de eficiência e justiça.
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Rogério Ribeiro - Economista formado pela Faculdade Estadual de Ciências Econômicas de Apucarana (FECEA), atual campus de Apucarana da Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR). Mestre em Economia pela Universidade Estadual de Maringá (UEM) e doutorando em Desenvolvimento Regional e Agronegócio na UNIOESTE - campus de Toledo.
É professor do colegiado do curso de Ciências Econômicas da UNESPAR - campus de Apucarana desde 1992. Foi chefe do Departamento de Economia e coordenador do curso de Ciências Econômicas.
Atuou como coordenador administrativo de 2002 a 2010 e de 2010 a 2014 foi diretor da FECEA. De janeiro de 2014 a dezembro de 2020 foi Pró-reitor de Administração e Finanças da UNESPAR.