Falando para as paredes
Imaginem a cena: um professor que repete, repete, repete, sempre da mesma forma, um mesmo conteúdo, em diversas classes, imaginando ter feito a parte que lhe cabe como docente. E um aluno que, por sua vez, lhe diz “eu não entendi!”. Vejam que o “eu não entendi” não necessariamente tem alguma relação com “eu não ouvi” (o que foi inúmeras vezes dito). O professor, com boa vontade, repete novamente o mesmo conteúdo e, exausto, busca justificar o “eu não entendi”, sob alguns prismas:
• “Só pode ser uma afronta desse menino!” – trata-se de um problema de comportamento para ser resolvido pelas autoridades escolares (orientação, supervisão, direção), esperando as devidas providências disciplinares.
• “Esse menino precisa de tratamento!” – aceitando que se trata de um déficit cognitivo, provavelmente proveniente de um mau trabalho nas séries anteriores – e encaminha para profissionais extra-escolares (psicólogos, psicopedagogos, médicos,...).
• “Esse menino precisa de ajuda!” – entendendo a situação como um problema de ajustamento e que cabe uma investigação familiar para compreender a sua incapacidade para aprender algo tão bem explicado.
• Ou, ainda, pode esperar até o final do ano para dar um veredito, dizendo que “será melhor para ele repetir novamente a série” e, quem sabe, “procurar uma outra escola em que ele se adapte melhor”.
Essa história, descrita pelo prof. Júlio Groppa Aquino, é, sem dúvida, muito familiar para todos os que trabalham em um ambiente escolar. Afinal, seja qual for o seu desfecho, há uma “sensação de dever cumprido”. E a pergunta que fica é: Que parte cabe ao professor nesse contexto? Se o aluno aprende, é porque o professor ensina. Se não aprende, é porque apresenta algum tipo de problema?
O ofício docente é uma arte capaz de reunir várias ciências, pois envolve a necessidade premente de conhecer a fundo como o aluno aprende e, assim, quais as formas de intervenção pedagógica que devem ser articuladas. Há professores que se veem como apresentadores de conteúdo, quase um telejornal presencial, esquecendo-se de que existe uma diferença abissal entre a função da mídia e a da escola. A mídia trabalha com a difusão da informação e entretenimento, enquanto a escola desenvolve um trabalho intenso e complexo com o conheci- mento, porém não menos prazeroso.
O professor não é um difusor de informações nem um animador de plateia, da mesma forma que o aluno não é um espectador ouvinte nem um consumidor de notícias. Despertar o desejo por conhecer mais e melhor o mundo que nos cerca é o foco do trabalho docente. Quando o conhecimento não é compreendido como um valor, corremos o risco de produzir consumidores de informações esvaziadas de contexto e de pertinência. Logo, se essa informação não ampliar aquilo que já conhecemos, fazendo-nos melhores, faltou-lhe a dimensão pedagógica.
Nessa perspectiva, não internalizamos informações da forma como ela se apresenta, mas as ancoramos em conheci- mentos anteriores e paralelos, de modo a ressignificá-las de maneira única e intransferível. Ancorar é encontrar o “fio da meada” para tecer, num processo interno e pessoal, as tramas do que pretendemos conhecer – e é por meio do conjunto do que conhecemos que o mundo nos é mais inteligível. Esse processo evidencia-se na construção etimológica da palavra complexidade, que encontra a sua origem em complexus, ou seja, aquilo que é tecido junto. Por esse motivo é que entendemos que a complexidade do trabalho do professor está nas possibilidades de ampliação, em cada aluno, nas formas de ver e produzir o mundo, e não na imposição da sua lógica exposta por meio de um “diálogo com as paredes”.
Coordenadora Pedagógica e Especialista em Educação Infantil
4 aIsso é verdade! On professor deve entender que o tem alunos diferentes e que os mesmos aprendem de diversas formas.
Muito boa reflexão 👏👏 Compartilhei com minha equipe de professores.