Filantropia comunitária no Brasil
Desde 2012, atuo no campo da filantropia comunitária, tanto na gestão organizacional quanto refletindo sobre o campo e as suas tendências. Naquele ano, assumi a direção executiva do Instituto Rio, uma fundação comunitária que,durante 16 anos, apoiou iniciativas da sociedade civil na Zona Oeste do Rio de Janeiro,organização que coordenei até o fim de 2016. Nessa época, o debate tinha como ponto central o papel das fundações comunitárias como um modelo de organização voltada para o desenvolvimento territorial.
O grande 'turning point' e marco relevante no contexto histórico da filantropia comunitária foi o movimento #ShiftThePower, que surgiu em final de 2016, em Joanesburgo. Esse movimento apresentou uma nova visão sobre o desenvolvimento socialmente justo e sustentável, tendo como atores centrais a sociedade civil e as comunidades locais, reconhecendo os seus ativos, saberes e as capacidades de dar respostas aos problemas que enfrentam.
Como parte dessa jornada, já como diretora executiva da Rede de Filantropia para a Justiça Social (nome antigo da Rede Comuá), em 2018, iniciamos uma parceria com o GIFE e o GFCF com a finalidade de promover um conjunto de encontros para debater a temática da filantropia comunitária junto a doadores locais. O objetivo foi fomentar a troca de experiências, o engajamento e a sensibilização de novos atores que atuam no campo da filantropia e do investimento social privado (ISP).
Em 2019, dando continuidade à parceria entre as três organizações, a Rede organizou o seminário “Expandindo e Fortalecendo a Filantropia Comunitária no Brasil”, com a seguinte pergunta norteadora: “Como a filantropia comunitária pode contribuir com o desenvolvimento sustentável no Brasil e promover mudanças duradouras?”. Como resultados dos debates foi lançada a publicação Expandindo e fortalecendo a filantropia comunitária no Brasil (reeditada em 2021, no âmbito do selo Doar para Transformar) que, a partir de uma perspectiva histórico material, trouxe um primeiro diagnóstico sobre a realidade brasileira, partindo do pressuposto de que a filantropia comunitária deve ser entendida como um campo em permanente construção, como forma de atuação na realidade social a partir do desenvolvimento de iniciativas e articulações com diversos atores e dinâmicas, sem a imposição de soluções ‘de cima para baixo’.
A publicação ressalta a tese de que não há uma definição unívoca sobre filantropia comunitária já que, por se tratar de um conceito material, construído com base nas práticas, também adquire características específicas de acordo com cada contexto social. No Brasil, há uma diversidade de atores no campo da filantropia comunitária, como fundações comunitárias (que não necessariamente se enquadram no modelo americano), fundos temáticos e comunitários, e por essa razão avançamos na noção da tropicalização do conceito.
Em 2022, dando continuidade a essas reflexões e construções coletivas sobre o tema, foi desenvolvido um processo de aprofundamento de escuta e visões junto a organizações do investimento social privado (ISP) e da filantropia independente de justiça socioambiental sobre desafios e oportunidades para o fomento dessas práticas, destacando-as como um caminho possível e transformador para o desenvolvimento de ações de grantmaking, e dando um passo além, ao sistematizar as práticas da filantropia comunitária e demonstrar sua aplicação a partir de casos concretos.
Recomendados pelo LinkedIn
Como resultado desse processo e dando continuidade a esse debate, será lançada em breve uma nova publicação, "Filantropia comunitária no Brasil: princípios e práticas", que tive o prazer de coordenar enquanto diretora executiva da Rede Comuá. A partir do processo de levantamento e sistematização de dados e informações sobre filantropia comunitária, à luz do trabalho desenvolvido pelas organizações membro da Comuá e com a contribuição de outros atores da filantropia brasileira, foi possível mapear as principais práticas que se manifestam,em maior ou menor grau, no fazer de atores que atuam no campo. Partindo do pressuposto de que não há uma fórmula única nem 'receitas de bolo' para fazer filantropia comunitária, mas sim práticas adotadas a partir da construção conjunta com organizações e movimentos da sociedade civil, em parceria e acordo com as reais necessidades dos territórios, buscou-se sistematizar os princípios que orientam essas formas de fazer filantropia.
Essas duas publicações estão conectadas pela busca por redefinir o papel da filantropia no Brasil, que precisa reconhecer a potência e capacidade de transformação de realidades das próprias comunidades. O que comecei a explorar em 2018 sobre o potencial da filantropia comunitária se aprofunda agora, trazendo práticas concretas e estudos de caso que mostram como essa abordagem pode enfrentar a desigualdade estrutural e fortalecer as vozes historicamente silenciadas.
A transformação que vemos no Brasil é uma prova de que quando as comunidades são colocadas no centro, elas se tornam não apenas beneficiárias, mas co-investidoras ativas no próprio fortalecimento.
#FilantropiaComunitária