A filosofia entre a religião e a ciência - Bertrand Russel
Os conceitos da vida e do mundo que chamamos ‘ filosóficos”, são produtos de dois fatores: um, constituído de fatores religiosos e éticos herdados; o outro, pela espécie de investigação que podemos denominar “ científica”, empregando a palavra em seu sentido mais amplo.
Filosofia é uma palavra que tem sido empregada de várias maneiras, umas mais amplas, outras mais restritas. A filosofia, conforme entendimento da palavra, é algo intermediário entre a teologia e a ciência.
Desde que o homem se tornou capaz de livre especulação, suas ações, em muitos aspectos importantes, têm dependido de teorias relativas ao mundo e a vida humana, relativas ao bem e ao mal. Para compreender uma época ou uma nação, devemos compreender sua filosofia e, para que compreendamos sua filosofia, temos de ser, até certo ponto, filósofos.
A ciência diz-nos o que podemos saber, mas o que podemos saber é muito pouco e, se esquecemos quanto nos é impossível saber, tornamo-nos insensíveis a muitas coisas sumamente importantes. A teologia, por outro lado, nos induz à crença. A filosofia, ao contrário do que ocorreu com a teologia, surgiu, na Grécia, no século VI antes de Cristo. Depois de seguir o seu curso na antiguidade, foi de novo submersa pela teologia quando surgiu o Cristianismo e Roma se desmoronou. Seu segundo período importante, do século XI ao século XIV, foi denominado pela Igreja Católica, com exceção de alguns poucos e grandes rebeldes, como por exemplo, o imperador Frederico II ( 1195-1250). Este período terminou com as perturbações que culminaram na Reforma. O terceiro período, desde o século XVII até hoje, é dominado, mais do que os períodos que o precederam, pela ciência. As crenças religiosas tradicionais mantém sua importância, mas se sente a necessidade de que sejam justificadas, sendo modificadas sempre que a ciência torna imperativo tal passo.
Desde o fim do século V até a metade do século XI, o conflito entre o dever para com Deus e o dever para com Estado, introduzido pelo Cristianismo, adquiriu caráter de um conflito entre Igreja e o rei. Este conflito não foi apenas um conflito entre o clero e os leigos; foi, também, uma renovação da luta entre o mundo mediterrâneo e os bárbaros do norte.
A filosofia explícita da Idade Média não é um espelho exato da época, mas apenas do pensamento do grupo.
Essa desordem política encontrou sua expressão no Príncipe de Maquiavel. Na ausência de qualquer princípio diretivo, a política se transformou em áspera luta pelo Poder.
Se os homens diferissem em suas interpretações, não havia nenhuma autoridade designada pela divindade que resolvesse tais divergências. Na prática, o Estado reivindicava o direito que pertencera antes à Igreja. A verdade não era mais estabelecida mediante a consulta à autoridade, mas por meio da meditação íntima.
A filosofia moderna começa com Descartes, cuja certeza fundamental é a existência de si mesmo e de seus pensamentos, dos quais, o mundo exterior deve ser inferido. Na moral, a atitude enfática dos protestantes, quanto à consciência individual, era essencialmente anárquica. Dessa atitude, nasceu o culto do herói, tal como foi manifestado por Carlyle e Nietzsche, bem como o culto byroniano da paixão violenta, qualquer que esta seja.
A essência do liberalismo é uma tentativa no sentido de assegurar uma ordem social que não se baseie no dogma irracional, e assegurar uma estabilidade sem acarretar mais restrições do que as necessárias à preservação da comunidade. Se esta tentativa pode ser bem-sucedida. Somente o futuro poderá demonstrá-lo.