Fiz o curso errado na graduação: e agora?

Fiz o curso errado na graduação: e agora?

Existem diversas formas de analisar a crise do mercado de trabalho, porém, atualmente, sobretudo nesta rede, é possível perceber duas: a primeira é que o mercado é incapaz de absorver todos os profissionais de uma determinada área e, a segunda, que esses profissionais não estão efetivamente “prontos” para assumir um cargo à altura do curso que se formaram e por isso precisam dar um upgrade na sua atuação profissional: investindo em capacitação, networking etc. Em relação a primeira forma de analisar o mercado de trabalho, a teoria do sociólogo econômico austríaco Karl Polanyi cai como uma luva. Para ele, o trabalho é uma “mercadoria fictícia”, um exemplo disso é que não se pode acumular força-de-trabalho como acumula-se, por exemplo, peças de carro.

Considerando a interpretação de Polanyi, não é possível a existência de um mercado autorregulado que tenha o trabalho como “mercadoria fictícia, o resultado disso é um desenfreado processo de mercantilização da vida que atravessa um conjunto diverso de esferas da existência humana. De um ponto de vista prático, a capacitação de um indivíduo já é o próprio trabalho, como se, de alguma forma, ao entrar numa graduação, a pessoa se comprometesse a trabalhar para oferecer-se a si mesma a um setor específico do mercado e, aqueles que passaram (ou estão passando) por esse período, sabem bem o quanto de investimento em energia humana é necessário para que este ciclo se encerre com sucesso.

Dessa forma, a incapacidade do mercado tem a ver com a forma como esse fenômeno econômico é organizado historicamente, isso significa dizer, dialogando com a economia política clássica, que existe uma incompatibilidade entre oferta e demanda e que, de alguma forma, isso está sendo resolvido pelo próprio mercado e que, inclusive, não fosse o Estado, o mercado já teria resolvido o problema. A segunda forma de analisar – e agora torna-se fundamental frisar que ambas as análises podem ser concomitantes – é típica de um movimento de individualização de trajetória, isto é, implica em partir do pressuposto de que o indivíduo é único e exclusivamente responsável por sua própria trajetória.

Objetivamente, se enquanto fazia graduação você não investiu (além da própria graduação) nas tendências de mercado da sua área, então você precisa fazê-lo o quanto antes. De uma certa forma, esse é o movimento mais perceptível nesta rede, por um motivo óbvio: aqui está mais para um espaço de networking do que propriamente um espaço para crítica do capitalismo e da desregulamentação do mercado da força-de-trabalho. Então a responsabilização individual da trajetória é mais bem recebida por aqui, mas caso você discorde disso, sugiro a leitura da obra Nascimento da biopolítica, de Michel Foucault, na qual o filósofo faz uma espécie de arqueologia da visão de mundo do indivíduo como empresa de si mesmo.

Essas duas formas de analisar a crise do mercado de trabalho pode ajudar a entender melhor sobre os tipos de ação que os profissionais afetados por esse fenômeno devem decidir. Em primeiro lugar, a dimensão psíquica e social daquele indivíduo cuja primeira ação do dia é procurar uma vaga de emprego toma seu dia a dia e é importante compreender que existe um “mercado de vagas”, isso significa que sites específicos “monetizam” as ações desses sujeitos que sabem o quão cansativo é fazer inscrições em mais de 10 sites diferentes.

Em segundo lugar, se na graduação não foi possível compreender as tendências do mercado de trabalho na sua área, agora que você está imerso nessa contradição, a dificuldade pode ser ainda maior, então é necessário dobrar a atenção sobre as decisões a serem tomadas, por isso é preciso ter uma estratégia de curto, médio e longo prazo. E, em terceiro lugar, respeitar a sua trajetória, aceitar que você não fez o curso errado e muito menos o fez de maneira equivocada, existe uma crise do trabalho e do emprego e, realmente, suas ações são fundamentais para sua recolocação, mas a dificuldade que envolve isso não tem a ver com o curso que escolheu, mas com a forma em que o “mercado” está absorvendo os profissionais da sua área. No caso das ciências sociais, por exemplo, dificilmente se contrata um cientista social, mas um UX research, o que faz com que vários colegas de profissão assumam essa categoria como estratégica para suas recolocações.

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