A força das águas e o poder do coletivo
A força das águas sempre foi algo que me encantou. As cachoeiras são um fenômeno que me hipnotizam, nunca soube o porquê. A sensação ao observar um grande volume de água arremessando-se no vazio, rumo ao seu destino incontestável, me inspirava a pensar nas vocações humanas. O quanto, por medo, não nos atiramos e, nos desviando de nós mesmos, não cumprimos com aquilo a que estamos destinados – mesmo que sejamos responsáveis por traçar nosso próprio destino. A água, não. Ela simplesmente se lança, concentrando uma força que cava as pedras e carrega o que estiver pela frente. Tendo que ir, é como se não houvesse opção. E ela vai.
Há um lugar que sinto como um dos “meus lugares no mundo”, há pelo menos 20 anos. Palco de uma das primeiras viagens com meu marido, à época, namorado. Esse lugar é ao pé da Casca d’Anta, na Serra da Canastra. Minha pequenez é ainda mais flagrante diante dos seus quase 190 metros de queda livre. Um volume de água torrencial, que se joga no vazio para seguir o seu tortuoso caminho. Taí a lembrança na parede de casa.
Mas não é só a cachoeira que impressiona. Saber de sua proximidade com a nascente, amplia a grandiosidade dessa força da natureza. Confesso que a primeira vez que me deparei com o berço do São Francisco, nosso maior rio todo brasileiro, senti certa decepção. Esperava um olho d’água, um local específico, um ponto isolado que pudesse compreender. No lugar disso, aos pés da imagem do santo, encontra-se um terreno discretamente alagado, mais um movimento do que um lugar. Caminhando mais adiante, ele engrossa e segue seu rumo sem chamar muita atenção. Porém, logo à frente, sua maior queda ostenta toda sua força e vigor.
Aprendi recentemente, na belíssima palestra de Fred Gelli lá na HSM, que o design tem muito o que aprender com a natureza. Biomimética é o nome dessa área da ciência, que ousa compreender como a natureza pensa, nas palavras de Gelli. Foi provocativo escutar que a natureza é sexy. E assim deveriam ser os negócios, os produtos, a educação. Mas, complicados que somos, muitas vezes optamos por ser chatos. Rubem Alves falava disso de um outro jeito, mas com a mesma perspectiva – caberia ao educador despertar o desejo pelo objeto de estudo: se quero ensinar a construir um barco, devo primeiro promover o desejo pelo mar.
A Casca d’Anta me ensinou sobre vocação e propósito, de um jeito simples, mas inexplicável e sedutor.
Acredito que a natureza ensina também pelo seu bom humor, refletido tantas vezes no que damos hoje o nome complicado de sincronicidade. Fabíola Nader, cientista política da OCB - que palestrou nessa mesma HSM, me inspirou outros pensares ao falar sobre cooperação. Um ponto, em especial, conectou-se nessa reflexão sobre as águas: vivemos um tempo em que o fluxo do poder está posto em questão, diante do poder dos fluxos. A cachoeira é isso. A demonstração concreta do poder dos fluxos. Cada pequena correnteza, um reles fio d’água, que ganha potência ao agregar-se a outros como ele. Sozinhos, incapazes e irrelevantes. Juntos, poderosos e transformadores.
Aí vem a descoberta. Fabíola cita, como obviedade, a história da Saromcredi. Fico meio desenxavida por minha ignorância. Curiosamente, vou pesquisar do que se trata. Brincalhona que só, a natureza da vida me surpreende. Sicoob Saromcredi é uma cooperativa de crédito nascida em São Roque de Minas, cidade que tanto me acolheu nos reencontros com a Casca d’Anta. Foi constituída pela carência, por ocasião do abandono das instituições financeiras locais. Um punhado de gente tem a ideia e, não sabendo ser impossível, foi lá e fez. Resolveram “abrir um banco”.
Resgataram a economia da região. E também os sonhos, a dignidade, a confiança e o sorriso da sua gente.
Seus fundadores, com uma simplicidade cativante, tinham ciência de que as pessoas, quando unidas pra resolver um problema comum, potencializam suas capacidades. No início, esses 22 produtores rurais, foram capazes de enfrentar o desconhecido com a força da coletividade. E reverberam longe esse poder. Com seus mais de 25 mil associados, projetam, pra 2031, ter um bilhão de ativo financeiro. E aí, dizem, com um bilhão, vão poder fazer tudo o mais que sonharem.
Pesquisando sobre a Saromcredi ouvi o termo “a cultura de não desistir”. Acho que a sabedoria dessa gente tem a ver com a Casca d’Anta. Esse povo, presenteado com tamanha inspiração, deve ter PhD na tal da biomimética. Imitaram a cachoeira e são exemplo do poder da cooperação. E meu fascínio pela Casca d’Anta já devia estar tentando me ensinar, há tempos, que o caminho pode ser diferente.
Vídeo institucional - 25 anos SICOOB Saromcredi - Lindo e imperdível!
Designer Instrucional Sênior DI | Designer Educacional | Articulate 360° | Gestor de Projetos | Consultor Educacional | Especialista em Experiências de aprendizagem LXD | Game Learning ✌🧠
5 aTem uma série chamada ABSTRACT, da Netflix. Na segunda temporada tem um episódio que é apresentado pela professora do MIT Neri Oxman e ela explora a visão do design no mundo por meio da Bioarquitetura, tem bons insights com Biomimética, recomendo. :)
CEO & Founder at Live Fully 2day, Founding Partner at MPI Real LLC, Author and Inspirational Speaker
5 aAmei sua projeção da natureza na congregação de forças humanas para a grandiosidade. Fazer algo parte de algo maior que nós mesmos nos mantém em conexão com nossa essência, nossa força, nossa motivação, e tudo o que nos move verdadeiramente (e que vem de dentro). Obrigada por compartilhar!
Diretora-presidente da Cooperativa Coletiva | Palestrante | Autora do livro Codifica - práticas de educação corporativa e cooperativa | Educadora cooperativista | Roteirista de processos de aprendizagem
5 aFabíola, gratidão em forma de texto!