FormAção
Por Daniel Carvalho de Souza , presidente do Conselho da Ação da Cidadania
Em meados do século passado, um jovem negro, cuja mãe era doméstica e o pai pedreiro, trabalhava numa gráfica que imprimia, entre outras coisas, ingressos de teatro. O Leonel Cogan, produtor de uma versão de “A Mão do Macaco” de William W. Jacobs, deu a este jovem um ingresso para ele ver a peça.
Voltando à gráfica, Cogan ouviu do rapazote, sobre ter gostado ou não do espetáculo:
- Seu Leonel, não só gostei, como sou capaz.
- Capaz do que?
- Capaz de fazer isso também.
Esse jovem era Milton Gonçalves, até hoje um dos maiores atores de cinema, teatro e TV que este país já teve.
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Saindo do século passado para o início do milênio, em 2001, um espetáculo da Ação da Cidadania impactou a cena carioca impressionando tanto a Fernanda Montenegro como a Barbara Heliodora, uma das críticas de teatro mais implacáveis do Brasil. Criado e dirigido por André Câmara, com cenário e figurino de Rosa Magalhães, músicas de André Protázio e Zé Miguel, que também foi ator, o musical Menino no Meio da Rua esbofeteou uma plateia adormecida pela indiferença no teatro João Caetano, quando denunciou o trabalho infantil brasileiro.
Todos os 40 jovens atores de comunidades eram a prova viva de que se não estivessem no palco, muitos poderiam estar sendo explorados pelo mesmo crime que estavam denunciando. Daquele elenco histórico, muitos nunca mais saíram de cena como o Douglas Silva (hoje DG) e Bruno Quixote, assim como a Lidiana Barros, acrobata do Cirque du Soleil. Não cabem nestas linhas os destinos de cada artista do Menino no Meio da Rua, mas posso afirmar, como testemunha ocular, que aquele espetáculo mudou o curso da vida destes jovens que tinham idades, cores, históricos e realidades diferentes, mas uma coisa em comum: a falta de oportunidades.
Saindo de 2001 para 2024, começa este ano o projeto FormAção, com o objetivo de multiplicar, exponencialmente, essas oportunidades. Numa parceria inédita entre a Ação da Cidadania, a Shell e o Ministério da Cultura , serão destinados R$ 6,5 milhões através da Lei Rouanet para cursos e workshops que vão capacitar e formar 520 jovens de comunidades e periferias em teatro, circo, dança, canto e interpretação. Serão centenas de aulas com os melhores profissionais do mercado, para que no espetáculo de final do ano, junto com os familiares e amigos, também tenhamos produtores de elenco, diretores e agências na plateia.
O projeto FormAção marca a volta da força cultural da Ação da Cidadania, que nos seus 30 anos de história sempre contou com a potência mobilizadora dos artistas. Do primeiro show, em abril de 1993, até o último Natal Sem Fome, a cultura é o único instrumento que consegue conscientizar a sociedade para enfrentar qualquer uma das muitas fomes deste país.
Pergunto para responder em dezembro: quantos Miltons, Douglas, Lidianes e Brunos o FormAção vai revelar para o Brasil?