A fragilidade do imigrante e seu desejo de retornar à pátria amada
As pessoas migram porque buscam algo: seja melhor qualidade de vida, seja para ficarem mais próximas às pessoas que amam, seja para fugirem de regimes opressores, de dificuldades financeiras ou por falta de perspectivas. O fenômeno brasileiro imigratório mais recente (últimos 10 anos) reflete claramente a busca por segurança, oportunidades de trabalho e por infraestrutura básica de nação (segurança, saúde e educação, primordialmente).
A imigração costuma estar relacionada a algum desconforto ou dor pessoal- a dor do que não se tem. Este entendimento é importante para refletirmos sobre a ambivalência presente em todo processo de mudança de país: um lado do imigrante não gostaria de ter mudado e outro lado seu ansiava pela mudança. Esta ambivalência pode ficar adormecida nos primeiros tempos de encantamento pelo novo país, quando o imigrante idealiza o país escolhido e nele só vê coisas boas. A realidade, no entanto, se impõe aos poucos e, como nada é perfeito, ele naturalmente passará a ver coisas no novo país que não o agradam tanto assim. Quanto mais presente a idealização inicial, mais intenso poderá ser o processo inverso- a busca por defeitos e contrariedades na nova cultura. Ao invés de enfatizar as coisas boas e as semelhanças, o olhar pode ficar mais duro e mais crítico quanto às carências e às diferenças.
Existem alguns sintomas que são bastante típicos nas pessoas que decidem morar fora de seu país de origem. Alguns autores referem-se ao fenômeno chamando-o de Jet Lag Existencial, que reflete o conjunto de sentimentos que fazem com que a pessoa perceba-se como deslocada no novo país. Como é natural em situações de dificuldades ou stress, a tendência humana é regredir quando nos sentimos ameaçados e uma das regressões mais frequentes no imigrante é o desejo de retornar antes mesmo de ter mais tempo para criar raízes e vínculos que apontem se a mudança pode ou não trazer a qualidade de vida desejada.
Mais comum em um dos membros da família, este desejo costuma trazer questionamentos e desconforto tanto em quem o experimenta, quanto nos demais. Não necessariamente associado a dados de realidade, o imigrante pode evocar inconscientemente um dos conceitos mais antigos da psicanálise: o sentimento de pertencimento. Boa parte das vezes negando as dificuldades de seu país de origem que o levaram a imigrar, o sentimento de não pertencer ao novo lugar e o anseio pela retomada dos vínculos conhecidos parece implodir com os sonhos pela nova vida. Costuma impactar, gerar conflitos e sofrimento e, em alguns casos, separar casais e famílias.
A saudade da pátria, que deveria ser a mãe gentil mas que neste momento histórico do Brasil maltrata boa parte de seus filhos, não parece ser a resposta à tamanha inquietude.
Por não entender o que o aflige de fato, o que lhe causa sofrimento e por não conseguir lidar com seus reais sentimentos e motivações, alguns imigrantes são tomados por um desejo de retornar que mais parece um desejo de fuga, tamanho o senso de urgência que costuma acompanhá-lo. A forma de lidar com a dor poderá, assim, ser eminentemente reativa: uma reação ao desconforto, que passou a ser um indesejado companheiro diuturno. Quando não se consegue refletir mais profundamente, é comum o desejo por algum tipo de ação. Impulsivamente, age-se por acreditar que desta forma nos livraremos do problema e aplacaremos a dor, mas ao agir de forma não reflexiva, madura ou ponderada, o arrependimento pode estar logo ali à frente. Paradoxalmente, é bastante frequente que os sentimentos de deslocamento e não-pertencimento persistam quando o imigrante opta por voltar ao seu país de origem. Ele sentia-se deslocado na nova vida, para surpreendentemente passar a sentir-se deslocado em seu próprio país após o regresso.
A reflexão pode ser dolorosa e ajuda profissional pode ser muito bem-vinda. Por mais difícil que possa ser, de longe é a melhor forma que se conhece para entender os processos mentais que podem nos assombrar.
Aqui ou lá, a ideia é não fugir. Os piores monstros costumam estar nas nossas fantasias.
Denise Lahutte
Psicóloga Clínica Brasileira em Portugal
Especialista em Psicoterapia Individual, Casais e Famílias