GATSBY E A DESCONSTRUÇÃO DO SONHO
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GATSBY E A DESCONSTRUÇÃO DO SONHO


         Quando tomamos contato com uma obra literária, é natural que, dentro do processo de conhecimento, passemos a sentir a atmosfera como um mundo à parte, ou mesmo tomamos o ficcional pelo real, no querer compensar a nossa própria realidade, como uma “sala segura”, onde nos sentimos mais protegidos numa crença de que, ali, nada nos atinge.

             Então, como lidamos com uma obra que, no seguir contrário, nos tira o chão dos pés, seja por um choque de realidade, ou por derrubar algo que já é arraigado em nós? Em vários aspectos muitas dessas obras mexem com algo estabelecido, expondo suas fraquezas e ilusões;

             Um interessante exemplo dessa desconstrução pode ser visto na obra que é considerada o trabalho maior do vibrante escritor F.Scott Fitzgerald, “O Grande Gatsby”; escrito em 1925, no apogeu da prosperidade americana após a I Guerra, fala do homem que, por um grande amor do passado, se reinventa para tentar reconquistar esse amor, história que tem um final trágico. Mas há muito mais por detrás dessa simples história; a começar pelo narrador, Nick Carraway, um aspirante a corretor na Bolsa de Nova Iorque, que não disfarça a avidez e a admiração de conviver num mundo onde os que nele vivem são “obscenamente ricos” mas igualmente tem laivos de consciência que o impedem de se entregar completamente a esse mundo; mas eram tempos de “sonho americano” e as coisas estavam ali para ser conquistadas; Gatsby, ainda apenas mencionado sem aparecer, é mero símbolo desse sonho.

             A desconstrução ocorre exatamente quando se derruba a perfeição do mundo dos Buchanan e seu conservadorismo, que é a vitrine da sociedade americana ideal, não somente nas atitudes de Tom ou mesmo quando Gatsby aparece a comandar uma festa glamurosa em sua mansão; nada é o que parece ser, nada que se mostra é sólido, como o universo da festa que se desvanece no amanhecer e o que resta é só uma carraspana daquelas...Apenas Gatsby circula sem se misturar, o sorriso apenas cosmético. No fim, o que descobrimos é que as festas têm apenas a razão de atrair quem ele gostaria de reencontrar, Daisy Buchanan, o seu antigo amor que, ao vê-lo e numa conversa difícil, diz “garotas ricas não casam com rapazes pobres, Jay Gatsby”; por mais que ambos se envolvam intensamente, é o momento em que se revela a origem da fortuna de Gatsby e onde tudo desmorona e se percebe que, por mais que ele tente convencê-la, ela não sairá de seu mundo para arriscar-se; daí, a corrente de acontecimentos leva ao trágico fim.

            O mundo lá fora continua o seu ritmo frenético, enquanto descobrimos que, depois que tudo se vai, restam uma casa vazia, um homem morto e tantas perguntas no ar, para depois tomarmos consciência de que o que jazia ali nada mais era do que uma figura de fachada de um outro mundo, de sombra e transgressão, a outra face de um sonho que vira fumaça; só então percebemos um personagem que, tangencialmente, é o grande articulador de toda essa ilusão; Meyer Wolfsheim, que representa a face oculta desse mundo prestes a desabar, e que de fato desabaria na Grande Depressão em 1929.

            Embora reconhecida como uma das grandes obras da língua inglesa contemporânea, só muito depois ela foi considerada a grande “queda de máscara” do sonho americano, sua denúncia mais contundente; embora seu último trabalho, “O Último Magnata”, seja igualmente uma crítica ao stablishment, em especial ao mundo do cinema , no qual trabalhou os últimos anos de sua vida, nada há de mais especialmente envolvente do que Gatsby, e tal personagem ganha ressonância ainda hoje, na fluidez das redes sociais, onde tantos se reinventam e se recriam, onde tantas perfeições ilusórias aparecem e desaparecem no intervalo entre cliques e likes, um universo onde Jay Gatsby estaria perfeitamente à vontade, mas quem seria o desconstrutor a assumir o papel de Nick Carraway? Essa deixo com vocês, leitores...

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