Geração Distribuída (GD): De atual heroína a futura vilã?

Geração Distribuída (GD): De atual heroína a futura vilã?

Desde seu advento, o Sistema de Distribuição de Energia Elétrica (SDEE) – média e baixa tensão – foi considerado como um “elemento passivo” do Sistema de Energia Elétrica (SEE). Em outras palavras, o SDEE foi concebido para absorver a energia elétrica oriunda de fontes supridoras centralizadas. Com a desregulação do setor elétrico e o surgimento de mercados competitivos, surgiram diversas mudanças na forma de produzir energia elétrica, sendo a Geração Distribuída (GD) a mais emblemática.

No âmbito da distribuição de baixa tensão, consumidores com produção local e/ou sistemas de armazenamento de energia (e.g. baterias, supercapacitores,...) podem participar de forma ativa e direta na operação da rede. Dependendo da quantidade e da capacidade de produção, as agregações desses consumidores podem ser vistas como “geradores de média/larga escala” com capacidade considerável de injeção de energia. No contexto da distribuição de média tensão, diversas fontes de geração distribuída (usinas fotovoltaicas, parques eólicos, grupos geradores a gás ou a óleo, sistemas de armazenamento de grande porte, pequenas centrais hidrelétricas, ...) poderiam ser utilizadas para injetar energia em diferentes camadas da rede.   

Nesse contexto, para que a inserção massiva de GD seja considerada uma “heroína” tanto para o SDEE quanto para os consumidores, pesquisas e projetos pilotos estão sendo postos em prática ao redor do mundo para que novos paradigmas de infraestruturas de comunicação, monitoramento avançado e modernas estruturas de automação e controle possam ser criadas, cujo objetivo é garantir que a injeção de energia oriunda das GDs seja realizada de forma orgânica, segura e confiável. Caso isto ocorra, os seguintes benefícios operacionais podem ser aportados: menor custo da energia, adiamento da construção e/ou redução de custos com planejamento e expansão de alimentadores, melhoria no suporte de tensão, redução das perdas elétricas em alimentadores, maior liberação da capacidade de distribuição, dentre outros.  

Para injetar energia proveniente de GDs, é notório que os limites operativos das redes de média e baixa tensão devem ser estritamente obedecidos. Todavia, tem-se observado, sobretudo no Brasil, a cultura da “injeção por injeção”. Tal cultura nos leva a acreditar que essa injeção massiva, porém desordenada, trará grandes benefícios para o SDEE. Infelizmente, na prática isto não ocorre. Na realidade, como consequência, a GD pode se tornar uma futura vilã. Para redes de média tensão, os seguintes malefícios operacionais podem ser aportados: alteração do desempenho de esquemas de proteção de sobrecorrente, contribuição da GD para aumento da corrente de curto-circuito e desvio de frequência local. Adicionalmente, dependendo da relação entre a impedância da rede e a impedância da GD para um dado ponto de ocorrência da falta a contribuição da corrente de curto-circuito por parte da subestação de distribuição pode ser menor, dificultando ainda mais a identificação e a localização de faltas de alta impedância. Ademais, cito aqui o que no meu entendimento será o pior dos cenários, quedas de tensão provocadas pelo elevado carregamento dos alimentadores combinado com um fator de potência adiantado. Essas quedas de tensão serão difíceis de monitorar por métodos clássicos (Cálculo da queda de tensão aproximada & Tabelas de queda de tensão baseadas no Método de Carson), além de contribuírem na redução da qualidade do serviço prestado.  

Para redes de baixa tensão, a cultura da “injeção por injeção” poderá ocasionar os seguintes malefícios: redução do fator de potência das instalações e aumento da interferência eletromagnética. É de suma importância salientar que os principais fabricantes de equipamentos e dispositivos baseados na eletrônica de potência estão engajados na obediência às diretivas internacionais relativas à compatibilidade eletromagnética, em especial a 2014/30/EU. Todavia, este caminho ainda está em processo de pavimentação.

 Face ao exposto, a geração distribuída tem total capacidade em ajudar os SDEEs em diversos fronts, desde contribuindo com a segurança no fornecimento de energia, passando pelo aumento da resiliência, além de poder contribuir na descarbonização do setor elétrico como um todo. Contudo, se ela for mal empregada, ela pode se tornar um poderoso fogo amigo.

 Espero verdadeiramente uma vida longa à geração distribuída!

 Créditos da foto: The European Business Review

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