GESTÃO DA CADEIA DE SUPRIMENTOS DE EMPRESA DE MINERAÇÃO: UMA ABRODAGEM DE DINÂMICA DE SISTEMAS

GESTÃO DA CADEIA DE SUPRIMENTOS DE EMPRESA DE MINERAÇÃO: UMA ABRODAGEM DE DINÂMICA DE SISTEMAS

Por Gisele Tessari Santos, D.Sc e Glauber Rodrigo Catarino, M.Sc.

Tempo de leitura 10 minutos

Caro leitor, este artigo faz parte de um projeto pessoal que tem como objetivo apresentar os resultados, temas e projetos de pesquisa realizados por meus alunos orientados.

Espero que a divulgação deste conteúdo de maneira simplificada possa atrair o seu interesse pela pesquisa em nível Stricto-Sensu - Mestrado e Doutorado. Pretendo também despertar em você o interesse em se capacitar para a resolução de problemas reais, em diversos níveis de complexidade, aproximando o mercado de trabalho da academia por meio das mais avançadas técnicas que auxiliam a tomada de decisão.


Problema

O Brasil possui ricas reservas de minério de ferro se destacando no cenário mundial devido aos altos volumes produzidos e exportados por meio do mercado transoceânico. Entretanto, as mineradoras brasileiras enfrentam diversos desafios que impactam negativamente suas operações, como problemas de gestão de suas operações e onerosos custos de produção. Outro desafio enfrentado é a globalização do mercado e sua expansão que faz com que as mineradoras tenham que integrar ativos diferentes, localizados em diversas regiões e com capacidades e processos gerenciais específicos. A indústria da mineração pode ser considerada uma grande cadeia de suprimentos que apresenta um comportamento dinâmico e para enfrentar os desafios do setor, deve-se integrar ao máximo todos os agentes envolvidos no processo produtivo e garantir máxima efetividade na execução das operações. Diante deste cenário, há a necessidade de se aprofundar no estudo da cadeia de suprimentos das empresas de mineração a fim de analisar e predizer o seu comportamento e compreender os fatores que mais interferem no seu desempenho.

Objetivo

Modelar e simular, por meio da técnica de Dinâmica de Sistemas, a parte intermediaria da cadeia de suprimentos de uma planta de uma empresa de mineração brasileira composta por beneficiamento, pátio de estocagem, transporte e estoque no porto. Para a modelagem, utilizaram-se os seguintes modelos disponíveis na literatura: APIOBPCS (Automatic Pipeline Inventory and Order Based Production Control System), e VMI-APIOBPCS e VMI-APIOBPCS II (Vendor Managed Inventory - Automatic Pipeline Inventory and Order Based Production Control System).

Cadeia de Suprimentos da Mineração

A cadeia de suprimentos da mineração tem início na lavra de mina onde o minério é extraído. O minério lavrado, run-of-mine (ROM), pode ser extraído de minas subterrâneas ou a céu aberto.

Após o processo de lavra, o minério é enviado a uma usina de beneficiamento onde passa por processos de britagem e moagem para redução de tamanho e, em seguida, por processos de concentração para retirada de impurezas com o objetivo de atender as especificações dos processos siderúrgicos. O processo de beneficiamento é considerado um dos importantes elos produtivos da cadeia de suprimentos do minério.

A seguir, o minério é depositado em pilhas nos pátios de estocagem que podem comportar grandes volumes de minério por longos períodos de tempo e a baixos custos. Os pátios de estocagem têm a função de conter os estoques entre o beneficiamento e a ferrovia e, entre a ferrovia e os navios de embarque. Na mineração, os estoques são importantes devido à ocorrência de paradas previstas e imprevistas entre os processos produtivos.

O transporte do minério de ferro entre as minas e portos, geralmente, é feito através de ferrovias. O minério estocado nos pátios aguarda o transporte para o terminal portuário onde é novamente depositado em pilhas ficando à disposição para o mercado internacional, aguardando o embarque em navios.

Elos da cadeia de suprimentos da mineração

Os elos da cadeia de suprimentos da mineração apresentam diferenças na capacidade produtiva, no tempo de produção e nos custos operacionais. As operações a jusante e a montante de cada nível produtivo afetam significativamente os outros níveis produtivos, o que gera incertezas ao longo do processo.

Dessa maneira, a relação entre os níveis produtivos de uma cadeia de suprimentos apresenta um comportamento dinâmico. A compreensão das relações entre esses diferentes níveis pode contribuir para uma gestão eficiente do processo. Neste trabalho, utilizaram-se três modelos da família IOBPCS para analisar parte de uma cadeia de suprimentos da mineração por meio da técnica de dinâmica de sistemas buscando uma melhor compreensão das interações entre os elos produtivos e identificando fatores que afetam as relações entre os níveis produtivos da cadeia.

Os elementos da cadeia analisados neste trabalho representam a parte intermediária da cadeia de suprimentos de uma mineradora, que envolve: a usina de beneficiamento, o pátio de estocagem, o transporte e o estoque no porto.

Dentre os tipos de minérios de ferro classificados de acordo com sua granulometria, analisou-se um único tipo de minério, o minério de ferro granulado (lump ore). Outros tipos de minério podem ser facilmente analisados por meio dos modelos utilizados no trabalho de acordo com a conveniência do pesquisador.

Modelos Simulados

Os modelos da família IOBPCS podem ser implementados e simulados em softwares específicos de dinâmica de sistemas como o Vensim, o Ithink e o Anylogic.

1.  Modelo APIOBPCS (Automatic pipeline inventory and order based production control)

Derivado do modelo IOBPCS, o modelo APIOBPCS acrescenta em seu processo um canal de suprimentos automático por meio de um loop de WIP (Work in Process). Esse loop leva em consideração, então, o material que está em processamento na organização, ou seja, no nosso caso, na usina de beneficiamento. O modelo APIOBPCS tem como objetivo ajustar o nível de estoque no sistema a partir dos mecanismos de previsão de demanda, do fator de ajuste e regulagem do nível de WIP e do fator de ajuste de estoque, a fim de minimizar os impactos causados pelas flutuações da demanda e incertezas dos processos produtivos, reduzindo, assim, os custos com estoque e produção.

2.  Modelo VMI-APIOBPCS (Vendor managed inventory automatic pipeline inventory and order based production control)

 Motivados pelo aumento do uso pelas organizações da estratégia de inventário gerido pelo fornecedor (Vendor Managed Inventory - VMI), os autores decidiram simular a cadeia de suprimentos de uma planta de uma mineradora utilizando a ideia do VMI integrada ao modelo anterior, APIOBPCS. O resultado foi o modelo VMI-APIOBPCS.

 O VMI-APIOBPCS II foi construído tendo por base o VMI-APIOBPCS que pode ser estendido para representar uma cadeia de suprimentos em que o fornecedor adota a estratégia VMI com múltiplos varejistas. Neste trabalho, o modelo apresenta: dois varejistas que trabalham com demandas reais diferentes, dois estoques em transito, dois níveis de estoque nos varejistas e dois pontos de reabastecimento diferentes. Devido à existência de dois distribuidores, o lote econômico (ETQ) é determinado de acordo com a necessidade de cada distribuidor.

Resultados da Simulação

A simulação por dinâmica de sistemas tem como principal objetivo compreender as relações de causa e efeito entre os componentes do sistema modelado.

Neste trabalho, as simulações compreenderam um período de 100 meses, entre janeiro de 2008 a abril de 2016, e utilizaram-se dados históricos da demanda do mercado externo do material granulado de uma planta de uma mineradora de ferro nacional. A capacidade da planta analisada é de 1.000.000 de toneladas mensais. A eficácia dos modelos foi verificada por meio do cálculo do erro relativo percentual. Foram analisados os comportamentos dos principais fatores que afetam o desempenho da cadeia de suprimentos como um todo: previsão de demanda, ordens de produção, nível de estoque e nível de serviço. Os resultados dos diferentes modelos simulados foram comparados a fim de identificar o modelo que melhor representa o sistema real.

Para o modelo VMI-APIOBPCS II, a simulação teve como parâmetros de entrada dados históricos das demandas do mercado externo e do mercado interno do material granulado (lump ore) da mesma planta da mineradora.

Análise dos modelos APIOBPCS e VMI-APIOBPCS

  • Flutuações nas ordens de produção em resposta à variação da demanda do mercado

De acordo com os resultados apresentados no gráfico constata-se que:

  •  As ordens de produção previstas (ORT) por meio do modelo VMI-APIOBPCS apresentam maior aproximação em relação à demanda real;
  • Os dois modelos apresentaram maiores desvios entre os anos de 2008 e 2009 em que ocorreram grandes flutuações na demanda.
  • Análise do nível de estoque

Observa-se no gráfico que:

  • Nos 100 meses analisados, o nível de estoque gerado pelo modelo VMI-APIOBPCS foi inferior ao nível do estoque gerado pelo modelo APIOBPCS já que o distribuidor envia informações sobre o nível de estoque e demanda para os fornecedores que determinam o ponto ideal para a reposição de materiais;
  • O estoque estimado referente à planta da mineradora estudada foi inferior aos estoques obtidos por meio dos dois modelos de simulação propostos. Estrategicamente, a mineradora opta por estocar o material lavrado nas próprias operações de extração da mina não acumulando grandes volumes de estoque ao longo dos processos (WIP, transporte) e nos elos fornecimento e distribuição como ocorrido nos modelos simulados.
  • Análise do nível de serviço

O nível de serviço é determinado como a razão entre o nível de estoque nos distribuidores e a demanda. Cabe destacar que para o mercado de minério de ferro é extremamente importante manter um alto nível de serviço já que a maior parte dos produtos abastece usinas siderúrgicas onde os processos são ininterruptos e o custo da falta de matéria-prima é muito alto.

De acordo com o gráfico, quando se obteve um nível de serviço de 100% quer dizer que o nível de estoque de material granulado no distribuidor (porto) foi suficiente para atender toda a demanda do mercado externo (siderúrgicas). Em contrapartida, quando se obteve um nível de serviço inferior a 100% quer dizer que a demanda não foi completamente atendida. Pode-se observar que o modelo VMI-APIOBPCS apresentou 100% de nível de serviço ao longo de todo período analisado diferentemente do modelo APIOBPCS.

  • Análise dos mecanismos de previsão da demanda

Nota-se pelos resultados apresentados no gráfico que:

  • A demanda do mercado sofreu fortes oscilações;
  • Há um atraso entre as demandas preditas por meio dos modelos em relação à demanda real, principalmente quando ocorre fortes oscilações na demanda do mercado;
  • As demandas preditas apresentam curvas mais suaves quando comparadas à demanda real da mineradora devido ao método de previsão utilizado;
  • O modelo VMI-APIOBPCS apresentou valores de previsão de demanda mais próximos dos dados de demanda real e com menores erros relativos quando comparados ao modelo APIOBPCS. De acordo com a literatura, o melhor resultado do modelo VMI-APIOBPCS é devido ao mecanismo de previsão da demanda levar em consideração os mecanismos da demanda virtual e a diferença entre o ponto de reabastecimento atual e anterior, fatores que contribuem para uma maior precisão nas previsões.

Conclusões

  1. As ordens de produção previstas por meio do modelo VMI-APIOBPCS apresentam maior aproximação em relação à demanda real da mineradora já que apresentam menores desvios relativos anuais (< 9,5% na maioria dos anos simulados) que o modelo APIOBPCS para a maior parte do período simulado. Os desvios são justificados pelos níveis de estoque no sistema e pelo desvio gerado pelo mecanismo de previsão de demanda. 
  2. O nível de estoque no sistema gerado pelo modelo VMI-APIOBPCS foi inferior ao nível do estoque gerado pelo modelo APIOBPCS.
  3. O estoque no distribuidor do modelo VMI-APIOBPCS não apresentou valores negativos, ou seja, o modelo atendeu as necessidades do mercado durante todo o período estudado, mantendo, portanto, o nível de serviço em 100%. Já o modelo APIOBPCS manteve o nível de serviço acima de 50% ao longo da maior parte dos meses analisados.
  4. Os valores de previsão de demanda gerados pelo modelo VMI-APIOBPCS foram mais próximos dos dados de demanda real durante todo o período e com menores erros relativos (< 9,0 % para a maior parte do período simulado) quando comparados ao modelo APIOBPCS.
  5. A técnica de dinâmica de sistemas se mostrou adequada para o estudo do comportamento da cadeia de suprimentos de uma empresa de mineração já que os modelos conseguiram predizer o comportamento da cadeia de suprimentos do setor com boa precisão.


Trabalhos em Andamento: No momento os autores pretendem: calibrar os parâmetros de ajuste do modelo a partir dos dados históricos da demanda da mineradora; otimizar o modelo no que diz respeito ao volume de estoque, tamanho da ordem de produção e taxas de entrega; prospectar cenários futuros a fim de preparar a empresa para tomada de decisões diante de situações adversas do mercado; analisar o custo em manter alto nível de estoque ao longo do sistema; analisar o custo da variação das ordens de produção; além de estudar o impacto das operações de Mina no restante da cadeia de suprimentos.

Os resultados completos estão disponíveis em: CATARINO, G. R. Dinâmica de sistemas aplicada à gestão da cadeia de suprimentos de empresa de mineração. 2016. 100 f. Dissertação (Mestrado em Engenharia e Gestão de Processos e Sistemas) - IETEC – Instituto de Educação Tecnológica, Belo Horizonte, 2016.

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