[parte 2-2] Gestão, inovação e visão de longo prazo: minha transição para o papel de conselheira
A importância de ambientes que promovem inovação, liberdade para criar e os riscos de mercados em construção com base no que vivi durante o começo da internet no Brasil
Ao escrever a parte 1 desse texto para o curso da Board Academy Br , despertei uma lembrança deliciosa dos primórdios da internet no Brasil. Continuo de onde parei para tentar explicar de maneira aprofundada a razão pela qual resolvi atuar como conselheira consultiva de empresas.
O ano era 1999, e eu cuidava dos canais de saúde e educação do UOL. Em saúde, reportávamos, mas também tínhamos um canal de tira-dúvidas, que falava de medicina e sexo, com Jairo Bouer respondendo às dúvidas dos internautas. Em educação, também tinha reportagens, mas realmente o objetivo era educar. E, dentro desse conteúdo, um espaço que era meu xodó, o VestibUOL. Desenhei a homepage desse canal num domingo à tarde em casa e, depois, no rabisco do papel, aprovei com o Graciliano Toni. O objetivo do VestibUOL era colocar os alunos nas faculdades. Ensinávamos de maneira descontraída as matérias de colégio (Ensino Médio), convidávamos professores de cursinhos para o Bate-Papo UOL e publicávamos em primeira mão (isto é, antes do papel) os gabaritos e resultados dos vestibulares de todo o país. O jornal impresso só publicava universidades públicas do estado de São Paulo.
Com a Daniela Bertocchi , que estava na mesma posição em um site concorrente, dividíamos HTMLs de tabelas pelo ICQ (parceria ganha-ganha, que a chefia nem sonhava que acontecia). Não tínhamos publicadores automáticos desses conteúdos, era Ctrl C + Ctrl V direto do código-fonte dos sites das faculdades e, depois, mais ou menos (beeeem mais ou menos) colocávamos no layout do UOL e mandávamos para o ar.
Rafael Fontana Garcia , profissional no topo da lista das melhores contratações da vida, que além de jornalista é músico, ficou craque nessas tabelas. Jamais imaginamos estar fazendo esse tipo de serviço braçal, mas tinha um senso de utilidade e diversão, principalmente na competição com sites concorrentes, que podiam estar mais rápidos ou mais lentos que o UOL para atualizarem. Internet a vapor, conexão discada e espaço de experimentação. Praticamente um protótipo.
Na primeira Fuvest que cobrimos, fiz parcerias oficiais e lícitas com o Etapa e com o cursinho da Poli. O Objetivo, cursinho mais famoso da época, já estava com o papel -a Folha impressa. Procurei o professor Bindi, no Etapa, e fechamos parceria para conteúdos com o que “o que a Fuvest vai pedir neste ano”. Para a correção da prova da primeira fase, o Etapa já estava comprometido com outro veículo de comunicação. Busquei então um parceiro diferente dos que conseguiam bancar campanhas publicitárias. Encontrei o Cursinho da Poli, uma iniciativa inovadora, que como o nome diz foi criado por alunos da Poli, com a promessa de colocar alunos de baixa renda na USP.
Com os webmasters do UOL, inventamos um pop-up que atualizava automaticamente a cada cinco segundos para ir soltando o gabarito sem que o aluno precisasse atualizar na mão. Questão 1 letra A, questão 2 letra B, reload automático, questão 3 letra C, questão 4 letra D, reload automático e assim por diante. Resultado no final da apuração: 1 milhão de page views no nosso placar.
O que ouvi da diretora de conteúdo da época? “A publicidade vai adorar saber disso.” Fiquei meio frustrada, claro, queria reconhecimento por todo esse esforço, mas hoje entendo perfeitamente. O conteúdo era importante. A audiência acompanhava (assertividade na análise do público e entendimento das dores do mercado), voltava (fidelização do cliente) e recomendava (alta reputação). Logo, a publicidade (o marketing) tinha mesmo que adorar.
Tive alguma orientação sobre parcerias, audiência e criação de produtos inovadores? Não. Muito pelo contrário, a área de jornalismo era liderada por uma profissional bem pouco afeita a inovações, mas estava ali pelo alto nível de conhecimento que tinha no fazer jornalístico, por garantir uma apuração de qualidade e perfeccionismo na entrega.
Fui me bandeando para o lado da equipe de Interação, com a Margot Pavan , que juntava conteúdo, entretenimento e serviço. Uma maneira totalmente inovadora de fazer, o que realmente não poderia existir em nenhum lugar se não fosse na internet.
Saí do UOL depois do (não) Bug do Milênio para entrar no time de criação da Folha Online, no meio de 2000. Nesse período, o UOL estava de mudança para a Faria Lima. Fui o clássico caso do cachorro que caiu do caminhão da mudança e fica na casa antiga. Época linda, de Lua na fase cheia. Meu salário já era pelo menos quatro vezes maior que o de 1998. Na Folha Online, meu cargo era Editora de Interação.
Coloquei em prática tudo o que tinha aprendido no UOL e mais. Tive liberdade para pensar produtos que trariam dinheiro para nossa estrutura. A Folha Online, com a Ana Lucia Busch no comando, era um ambiente que favorecia inovação e experimentação. A Ana deixava a gente livre para criar, e com o Antonio G. inventávamos um monte. Folha no SMS, acordos fechados com operadoras de celular de todo o país para vender conteúdo. A criação da FolhaWap, um portal de notícias para celulares que estavam longe de serem smart.
A equipe de Interação chegou a quase 20 pessoas, com profissionais produzindo conteúdo para SMS 24 horas, com equipe em todo o interior de São Paulo, graças a um acordo que fechamos com operadoras locais. Pegávamos o conteúdo e transformávamos em textos curtíssimos, tipo tweets, para enviar aos celulares. Pílulas de horóscopo e das piadas do Zé Simão eram os que mais vendiam. De hard news, o que mais vendia na época era Guerra do Afeganistão, Casa dos Artistas e futebol.
Aí veio a Copa da Coreia e do Japão, em 2002. Criamos o gol minuto a minuto por SMS. O meu racional para o produto era atender quem estaria dormindo nas horas dos jogos -tipo todos os brasileiros que precisavam estar acordados na manhã seguinte para trabalhar e não poderiam ver os jogos na madrugada. Eles seriam alertados no SMS quando saísse gol ou poderiam ver todos os resultados rapidamente quando acordassem. Ou ainda: as pessoas de noite no bar vendo resultados das partidas antes de aparecer na TV. Vendemos muito. E a seleção brasileira, para ajudar, foi penta. O cenário era perfeito: um fuso horário de 12 horas de diferença a nosso favor (a favor do negócio, não do torcedor), o que provava a eficácia da internet para noticiário desse tipo. O Brasil tinha uma seleção incrível e estava super cotado para ser campeão.
Recomendados pelo LinkedIn
Trabalhei 40 dias sem folga e na madrugada. Exaustivo e recompensador.
Alguns meses depois da Copa de 2002, entramos na fase da Lua minguante da internet brasileira.
A bolha estourou. Demiti mais de 20 pessoas da equipe em um único dia. Inclusive nesse dia estava contratando um novo redator, o Guilherme Felitti .
Fiz todas as demissões sozinha, sem apoio do RH. A ordem era uma só: demite. Eu tinha 28 anos. Um apartamento recém comprado e 100% pago. Mandei a equipe embora, desenvolvi uma alergia nervosa e fui demitida na semana seguinte.
Acertamos muito na inovação. Erramos na otimização de recursos, na projeção de custos, na identificação da crise e no risco da bolha. Era óbvio que ia explodir. Os principais gastos eram: escassez de profissionais para um mercado altamente inovador e uma operação 24x7 sem recursos como IA para apoiar. Para se ter uma ideia, tínhamos conteúdos traduzidos em espanhol e inglês feitos por tradutores humanos. Parece loucura pensar nisso em tempos de IA... Admiro demais esses profissionais de tradução, mas o volume e a agilidade que precisávamos ter deixavam a operação inviável e insustentável. Quase chorei quando vi o YouTube colocando legenda traduzida automaticamente.
Inclusive por causa dessa bolha comprei meu primeiro apartamento. Nunca abri mão da segurança financeira, e estava na cara que uma hora o dinheiro ia acabar. Éramos os patinhos feios do Grupo Folha, uma equipe meio apartada do produto nobre, criando a internet do jornal com três pessoas de TI, num mercado volátil e ainda não consolidado.
Tentávamos evangelizar colegas do impresso para a beleza do online. Fiz de um tudo para valorizar os profissionais, que muitas vezes ficavam escondidos do grande público. Criei bate-papo com o correspondente de guerra da Folha no Afeganistão, que teclava com os leitores por uma conexão vinda de um celular com sinal via satélite. Criamos um modelo de notícias, tipo blog, para o Lúcio Ribeiro quando nem existia blog, né Raphael Franzini ? Outro que está na lista de melhores contratações da vida. O nosso proto blog era cheio de figurinhas e memes no meio das notícias. Impensável fazer isso naquela época e hoje chega a ser banal.
Fechei com a Editora do Porto, que vendia os livros do Harry Potter, para soltarmos juntos a prévia dos dois primeiros capítulos do inédito “Harry Potter e o Cálice de Fogo”. A ideia era: eu receberia os dois primeiros capítulos no português de Portugal quando eles recebessem lá. Deixaria tudo pronto para lançarmos juntos com link para compra no site da Editora do Porto, que vendia para o Brasil. A edição brasileira seria lançada só meses depois, pela Record. Foi bacana demais esse projeto. Traduzimos alguns termos que eram diferentes nas duas versões do idioma. Inclusive ganhei da editora um dicionário Português de Portugal X Português do Brasil para ajudar na tradução.
No Natal daquele ano, em casa, meu presente foi ver a Natália Tonello e o Rudá Pereira da Costa lendo juntos os capítulos traduzidos sem eu ter falado nada. Eles só acharam o link na home do UOL e abriram para ler. Não existia smartphone, mas eles são praticamente nativos digitais e já passavam boas horas do dia na frente de uma tela, mesmo no Natal.
Dessa época, adotei o bordão: a Internet é minha amiga e nada me faltará.
E realmente nada me faltou ao ter coragem de andar junto com a tecnologia e com a inovação. Pensando e criando produtos que conectam comunicação e objetivos de negócios.
Foi justamente por reconhecer o meu perfil profissional que resolvi encarar o desafio de ser conselheira consultiva. É uma área relativamente nova, que exige uma visão ampla e de futuro para os negócios. Acredito que posso agregar bastante para empresas que precisam enxergar além, antecipando o que vai ou não ter relevância para o futuro. E fazer isso menos baseado na intuição e mais nos dados, que são, ou deveriam ser, a base de toda empresa bem estruturada.
(Este texto tem Parte 1, clique aqui para ler)
#inovação #internet #boardacademy #conselhoconsultivo #comunicação
Desenvolvimento de Parceiros @ YouTube
1 mMaravilhoso ver a história de como você desbravou, com resultados tão incríveis, quando tudo isso aqui era mato ainda ❤️
Líder global de Assuntos Corporativos e Comunicação | Engajamento de Stakeholders | Gerenciamento de Crise | ESG | Relações Governamentais | Creator Economy
1 mParabéns, Ana! Que histórias (e texto) incríveis. Você já era inovadora no século passado, quando nem se falava muito nisso! Imagine agora com toda a experiência acumulada! Sorte dos conselhos que te convidarem!
Marketing | Digital | Inbound | Growth | Liderança | Inteligência Artificial
1 mQue legal, Ana! Lembro desse dia ❤️
Communications, Public Relations, Crisis Management, Branding, Public Affairs | PR Director at Afya | Ipsos Reputation Council Member | Ex-Nubank, DiDi Chuxing, QuintoAndar, Alice, 99
1 mFiquei saudosa e emocionada aqui lendo esses seus dois textos, Ana Lúcia Araújo. Me sinto honrada de ter trilhado uma parte dessa incrível história contigo. Vivemos momentos e descobertas muito parecidos. Jamais me esquecerei que o processo seletivo do portal Terra teve, para além de entrevistas jornalísticas, uma prova de HTML! Iniciamos no jornalismo já pensando em dados, programação, tecnologia, inovação, educação, saúde — questões que iriam marcar a nossa carreira profundamente nos anos vindouros. Sigo te acompanhando e sempre torcendo por você, desde que éramos meninas. ♥️
Associate Partner IBI-Tech ,Conselheira Consultiva, Embaixadora e investidora Seniortech Ventures, socia diretora Pontes&Conexões: Consultoria gestão intergeracional/ESG, Embaixadora /mentora/docente na Board Academy
1 mAguardando ansiosa os próximos capítulos....