Governança e cultura corporativa

Governança e cultura corporativa

O que é governança afinal?

Em meio a tantas palavras mágicas e afirmações destituídas de maior importância do que criar uma estória para motivar colaboradores e consumidores, a literatura de auto ajuda em negócios não poderia deixar escapar o filão da decisão econômica e sua condução. Assim sendo, vasta e complexa literatura é oferecida para expor as artes e magias deste tema, com inúmeras palavras e expressões de efeito (“buzzwords”) para emoldurar o vazio.

De forma simples a governança é tão somente a forma pela qual as empresas são dirigidas de modo a assegurar que os acionistas (investidores) mantenham sob controle a gestão (executivos) e o padrão de execução operacional (colaboradores) e relacionamento com os demais componentes da cadeia de valor de um negócio. (fornecedores, distribuidores, etc.). Se quisermos ir um pouco além neste conceito simplificado, devemos também contemplar a cultura de cada empresa (missão, visão, valores) e o marco social em que opera (legislação). No fim do dia, melhor dito, de cada exercício fiscal, o que realmente conta são os relatórios financeiros e a habilidade dos executivos em satisfazer as expectativas dos investidores.

Naturalmente para estar em sintonia com o discurso de contribuição do negócio ao desenvolvimento da humanidade, a boa governança é descrita como sendo aquela que assegura aos empreendimentos o crescimento sustentável, em concordância com as normas e a legislação vigentes, o que, em linguagem corrente, significa, aumentar o valor e o retorno do investimento ao longo do tempo.

E a cultura corporativa nisso tudo?

Em nossos dias de aguda busca de crescimento rápido, utilizando cada vez mais intensamente os recursos disponíveis, em particular os recursos humanos, isto acaba por se tornar destrutivo (ou “disruptivo” como a novilíngua habitou-se a etiquetar iniciativas que sem contribuem para o crescimento do valor de negócios sem que efetivamente acrescentem valor tangível à economia). Neste quadro a análise do crescimento de preços de medicamentos éticos no mercado norte-americano, em paralelo ao crescimento do valor de ações revela que, eliminando a pesquisa e desenvolvimento da equação, empresas que no passado desenvolveram soluções reais para problemas existentes, passaram a se dedicar ao jogo de fusões e aquisições, efetivamente destruindo valor e submetendo seus mercados e consumidores a dolorosos processos com efeitos colaterais em outros setores (no caso do exemplo, no valor de planos de saúde), por estabelecer a base de seu crescimento exclusivamente no abusivo aumento de preços de produtos, sem nenhuma justificativa que os apoiasse. De fato, nos últimos anos se multiplicam os exemplos que rompem com os presumidos pilares de boa governança, não apenas na América do Norte, mas, por exemplo na indústria automobilística europeia ou nas guerras envolvendo diferentes países chave no controle da exploração de recursos energéticos.

Cinco perguntas e breves respostas

1.     Onde ficam então a missão, visão e valores corporativos?

Em rincões esquecidos de grande parte das corporações, presente apenas nas declarações de intenção expostas em seus sites, e nos discursos de exaltação aos heróis da modernidade na literatura de negócios.

2.     Onde encontrar bons exemplos de governança?

Em sua própria história e na de seu mercado, separando cuidadosamente o joio do trigo e avaliando cautelosamente as possibilidades e a capacidade de executar um planejamento, controlando a execução e fazendo rigoroso exame dos projetos e processos incluídos nos planos de ação.

3.     Qual o real valor de governança para as empresas?

Estabelecer as regras do jogo, tornando mais controláveis as muitas variáveis que podem alterar o resultado econômico dos empreendimentos (valor da empresa no longo prazo que é o interesse direto do investidor).

Tornar claras as expectativas dos investidores não apenas para os executivos, mas para a organização em seus distintos níveis.

4.     Qual o valor da governança para os mercados?

Permitir uma avaliação realista das estratégias, contrastando o discurso com a história de seus proponentes e seus números

5.     Qual o valor da governança para a sociedade?

Tentar entender o significado das declarações de intenções das corporações e seu impacto real sobre a sociedade, os mercados e os cidadãos e consumidores.

O valor da governança é, pois, largamente dependente de instrumentos que obriguem as empresas a ser transparentes, exercício nem um pouco simples já que obriga a leitura de documentos aborrecidos, técnicos, escritos a propósito para ser entendidos por um círculo restrito.

Uma questão que não se pode deixar de abordar é o aumento dos eventos de ruptura com o que se define como boa governança a partir da intensificação da desregulamentação do setor financeiro nos anos 80, e, paulatinamente, a partir do aumento das relações incestuosas entre o setor financeiro, as empresas de tecnologia e a condução das discussões sobre normas e padrões internacionais de convivências na selva global. Poderíamos estender os exemplos a outros setores da vida em sociedade, ou do funcionamento da governança em empreendimentos de menor porte e ampliar esta argumentação, mas tudo isto fica para outra oportunidade.

 Até lá!

Adhemar Garcia Neto

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