A Guerra Comercial e o Preço da Soja

A Guerra Comercial e o Preço da Soja

Luiz Cláudio Caffagni - lcaffag@gmail.com - publicado em 20/05/2019.

Pode-se utilizar parte ou todo esse artigo, desde que citada fonte.


Esse texto procura analisar a eficiência na precificação da soja brasileira em função da guerra comercial entre EUA e China.

Para isso, serão analisados o prêmio de exportação de soja, as bases de algumas origens brasileiras em relação ao futuro de soja da CME, os diferenciais dessas mesmas origens em relação a Paranaguá e as relações entre o prêmio e a base de Paranaguá.

A guerra comercial

No início de 2018 os EUA anunciaram ao mundo a intenção de reduzir o déficit de sua balança comercial internacional de bens (exportações – importações) por meio de adoção de políticas protecionistas. O resultado comercial em 2017 foi de -US$807 bi, enquanto que em 2018 o déficit aumentou para -US$891 bi.

Essas medidas miravam diversos países, mas o alvo principal era a China, responsável por impressionantes quase 50% do déficit comercial norte americano (gráfico 1).

Gráfico 1 – EUA: Balança Comercial de Bens (exp. – imp.), 2017 e 2018

EUA: Balança Comercial de Bens

Além do aspecto comercial, ainda havia pelo menos 3 motivações do governo norte americano: (a) relativa restrição comercial histórica chinesa (protecionismo) para bens de maior valor agregado; (b) problemas recorrentes relacionados a patentes e propriedade intelectual; e (c) motivações políticas relativas à reeleição do presidente Trump, através da defesa da indústria nacional americana e consequentemente empregos.

Entre 2018 e 2019 os EUA impuseram aumento de tarifas de importação em produtos importados equivalentes a US$250 bi, enquanto a China respondeu com elevação de tarifas em importações equivalentes a US$110 bi.

A incerteza na precificação da soja brasileira

Como uma das implicações dessa disputa, a China vem intensificando as compras de soja do Brasil em substituição à soja americana.

Uma das estratégias chinesa é substituir a importação de soja dos EUA por outras origens, numa tentativa de impactar o apoio político do setor rural ao governo Trump, pois uma demanda mais fraca deprime os preços locais da soja americana.

A tabela 1 mostra a evolução recente dos destinos importadores de soja em grão do Brasil, podendo-se notar o espetacular aumento em 2018 (volume e participação) de 15 milhões de toneladas (aproximadamente 200 navios adicionais).

Tabela 1 – Maiores Importadores da Soja em Grão Brasileira, 2015 a 2019

Maiores Importadores da Soja

O que assustou o mercado brasileiro de soja foi a expressiva elevação do prêmio de exportação no início das ações protecionistas dos EUA (gráfico 2). Para o Brasil o preço ficou mais competitivo, porém a volatilidade do prêmio retraiu o mercado de balcão de fixação de prêmio e aumentou o risco da precificação de soja brasileira na CME.

Gráfico 2 – Prêmios de Exportação em Paranaguá para Embarques em Maio (US$¢/bu)

Prêmios de Exportação em Paranaguá

Em meados de maio de 2019, diante de novas ações protecionistas entre os dois países a história recente se repetiu, com a queda do preço da soja em Chicago e elevação dos prêmios de exportação em Paranaguá, beneficiando novamente produtores brasileiros de soja.

Considerações sobre as bases entre origens domésticas e o futuro de soja CME

A transferência da demanda chinesa de soja dos EUA para a América do Sul, sugere que o contrato futuro de soja da CME reflita, com maior precisão, a oferta e a demanda doméstica americana, perdendo eficiência na precificação da soja de outras origens.

A volatilidade do prêmio de exportação é uma evidência dessa perda de eficiência!

Para tentar verificar a validade da hipótese acima, utilizou-se dados dos vencimentos maio da CME de 2017, 2018 e 2019 e os preços a vista de Paranaguá, Norte do Paraná e Norte do Mato Grosso (fornecidos pelo Cepea/Esalq/USP).

O gráfico 3 mostra as bases de 3 preços domésticos em relação ao futuro de maio da CME, durante o período de 6 meses anteriores aos respectivos vencimentos, nos últimos 3 anos.

Gráfico 3 - Bases de Soja em Relação ao Vencimento Maio da CME (US$/sc)

Bases de Soja

Buscou-se a comparação do comportamento das bases nos 3 últimos anos, para tentar identificar alterações entre elas. Desse modo, optou-se utilizar medidas simples e intuitivas como coeficiente de variação das bases e correlação de preços.

Não foi fornecido texto alternativo para esta imagem

As tabelas 2, 3 e 4 mostram as médias das bases, os desvios padrão em relação às médias, os respectivos coeficientes de variação e as correlações dos preços entre a origem e a CME.

Tabela 2 - Bases Paranaguá em Relação ao Vencimento Maio - CME

Bases Paranaguá

As médias das bases mostram que os preços em Paranaguá ficaram um pouco acima da soja CME no período analisado. A base média no período de 3 anos foi de US$0,71/sc ou US$¢32,07/bu.

Notam-se expressivos coeficientes de variação, o que sugere dados dispersos e médias das bases menos confiáveis.

A correlação dos preços mostra-se positiva, e acima de 0,5, em todos os trimestres analisados, exceto no trimestre “nov-jan” do vencimento maio/2019.

De acordo com os dados, pode-se inferir uma piora, em termos de dispersão de dados e de correlação, em 2019 em relação aos anos anteriores.

Tabela 3 – Bases Norte do Paraná em Relação ao Vencimento Maio - CME

Bases Norte do Paraná

As médias das bases do norte do Paraná em relação à CME são negativas. A base média no período de 3 anos foi de -US$1,21/sc ou -US$¢54,92/bu.

Em geral, os coeficientes de variação ficaram menores do que em Paranaguá (tabela 2), mas em alguns trimestres ainda foram elevados, como “fev-abr” do vencimento maio/2018 e “nov-jan” do vencimento maio/2019 (justamente no período de maior oscilação do prêmio, ver gráfico 2).

As correlações de preços seguem padrão semelhante aos resultados de Paranaguá.

Tabela 4 – Bases Norte do Mato Grosso em Relação ao Vencimento Maio - CME

Bases Norte do Mato Grosso

No caso do Norte do MT, os dados são mais homogêneos, conforme observa-se nos baixos coeficientes de variação. Todavia a correlação foi mais baixa em relação às demais regiões analisadas.

A base média no período de 3 anos foi de -US$4,12/sc ou -US$¢186,87/bu.

Conforme mostrado nas tabelas 2, 3 e 4, os hipotéticos efeitos de aumento da dispersão dos dados e a diminuição da correlação (entre os preços analisados e o futuro de Chicago) não puderam ser claramente identificados através das elementares análises acima efetuadas.

Desse modo, não pode-se afirmar aparente perda de eficiência na precificação da soja brasileira na CME. A verificação dessa hipótese só poderá ser realizada com utilização de modelos estatísticos mais robustos.

Considerações sobre os diferenciais entre origens domésticas e o preço a vista em Paranaguá

Optou-se em utilizar diferenciais de preços regionais em relação ao preço a vista em Paranaguá, uma vez que o contrato futuro de soja doméstica da B3, com liquidação em Paranaguá, não tem liquidez e consequentemente cotações.

Dessa forma, o gráfico 4 mostra o diferencial entre as regiões norte do Paraná e norte do MT em relação à Paranaguá, como forma de estabelecer uma proxy do que seria as cotações do contrato futuro de soja da B3

Gráfico 4 - Diferenciais de Soja em Relação ao Preço a Vista em Paranaguá (US$/sc)

Diferenciais de Soja

No gráfico 4 pode-se visualizar menores volatilidades dos diferenciais em relação às bases do gráfico 3.

As tabelas 5 e 6 trazem as médias, os desvios padrão e os coeficientes de variação dos diferenciais, além da correlação dos preços do Norte do Paraná e do MT em relação à Paranaguá.

Tabela 5 – Diferenciais Norte do Paraná em Relação ao Preço a Vista da Soja em Paranaguá

Diferenciais Norte do Paraná

Na tabela 5, de maneira geral, observa-se uma menor dispersão dos diferenciais, bem como elevada correlação entre os 2 preços a vista.

Tabela 6 – Diferenciais Norte do Mato Grosso em Relação ao Preço a Vista da Soja em Paranaguá

Diferenciais Norte do Mato Grosso

A tabela 6 mostra os baixos coeficientes de variação dos diferenciais, indicando que a média dos diferenciais é um bom estimador.

A correlação, embora menor que o Norte do Paraná (por razões obvias), ainda se mostra mais elevada e homogênea comparada com a correlação contra a CME (tabela 4).

Comparação entre o prêmio de exportação e a base Paranaguá - CME

Para completar a análise optou-se em verificar o grau de conexão entre o prêmio de exportação de Paranaguá e a base ajustada Paranaguá – CME.

Para ajustar a base acrescentou-se aos valores do Indicador da Soja Esalq/B3 (cuja referência de preço é sobre rodas, delivery at place – DAP, ou dentro do armazém no corredor de exportação, free alongside ship – FAS) o valor de fobização de US$10,0/t. O resultado pode ser visto no gráfico 5.

Gráfico 5 – Comparação entre o Prêmio e a Base Paranaguá - CME (US$¢/bu)

Prêmio x base Paranaguá

Visualmente verifica-se elevada correspondência entre as duas séries de preços.

Porém o gráfico 6 mostra o diferencial entre eles, o que sugere outra avaliação. Visualmente observa-se uma grande volatilidade entre as duas séries, com picos positivos em março de 2018 (prêmio maior que a base) e valores negativos em novembro de 2018 (prêmio menor que a base).

Gráfico 6 – Diferencial entre o Prêmio Paranaguá e a Base Paranaguá - CME (US$¢/bu)

Diferencial prêmio - base Paranaguá

A tabela 7 apresenta as médias, desvios padrão, coeficientes de variação do diferencial e a correlação entre o prêmio e a base Paranaguá – CME.

Tabela 7 – Diferenciais Prêmio de Exportação Paranaguá em Relação a Base Paranaguá – CME

Diferenciais prêmio - base Paranaguá

Nota-se que a relação entre os dois preços, embora correlacionadas, mostra elevado grau de dispersão devido aos elevados coeficientes de variação, talvez devido a discrepância da dinâmica de antecipação dos fatos do mercado de balcão de prêmios de exportação e do mercado futuro da CME.

Conclusão

A volatilidade e a liquidez do prêmio de exportação podem estar indicando a possibilidade de um cenário futuro ainda mais elevado de riscos de precificação da soja brasileira na CME.

Porém, de acordo com os dados apresentados, não se pode afirmar que a precificação e o hedge da soja brasileira, utilizando derivativos de soja na CME, sejam ineficientes.

Ainda que o futuro da CME passe a perder eficiência na precificação da soja brasileira, seria ingenuidade acreditar que a soja poderia ser precificada em outra bolsa. O mercado dá muito valor à liquidez em detrimento à formação de preços (até determinado limite). Veja que em 17 de maio de 2019 aquela bolsa negociou, entre futuros e opções, quase 36 milhões de toneladas (16% da produção mundial).

Pode-se afirmar que diante da elevação dos riscos de precificação, o mercado acaba adotando mitigadores de riscos que podem reduzir o preço da soja para o produtor.

O que pode-se claramente afirmar, inclusive de maneira muito óbvia, é a maior eficiência e visibilidade da referência de preços em Paranaguá, que sugere que o futuro de soja da B3 com formação de preço em Paranaguá poderia ser um importante instrumento de precificação e de hedge.

Acredito que um caminho alternativo para minimizar o risco de volatilidade e de liquidez do prêmio de exportação seria a criação de uma operação estruturada de arbitragem (ou contrato de base) entre o futuro da B3 (Paranaguá) e o correspondente vencimento no futuro da CME.

Desse modo, sempre que a origem doméstica desejasse fixar o preço da soja por meio de um OTC com um comprador (tradings, cooperativas, empresas de insumos, etc.) seria necessário vender CME e vender a base (venda B3 + compra CME). Note que essa operação resulta numa posição líquida vendida em Paranaguá.

Finalmente a dificílima tarefa de se construir alguma liquidez em qualquer derivativo agrícola cujo ativo objeto tenha formação de preço internacional passa pela conscientização da cadeia doméstica da soja e do importador.




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