No hospital psiquiátrico fui conhecer um espaço libertador
Uma das experiências mais marcantes que tive em 2015 foi ser levada pelo artista visual fluminense Davy Alexandrisky a conhecer o Hotel da Loucura, no Engenho de Dentro, na capital carioca. Trata-se de um andar inteiro de um complexo psiquiátrico dedicado à criatividade com oficinas de arte, espetáculos, palestras e reflexão sobre a loucura. O local também hospeda médicos, artistas e pesquisadores que querem conviver com os pacientes.
Esse espaço é palco de propostas revolucionárias para a saúde mental desde que a psiquiatra alagoana Nise da Silveira inovou ao trocar choques elétricos por tintas e pincéis (de 1940 a 1960). A pioneira na aplicação da arte ao tratamento psiquiátrico é tema de um filme com estreia prevista para este mês e torço que arrebate multidões.
O Instituto Nise da Silveira já teve dois mil internos, número que vem reduzindo gradualmente, liberando espaços físicos. Nos dois andares acima do Hotel da Loucura, há ainda enfermarias – masculina e feminina. Um desses espaços foi ocupado pela proposta do Dr. Vitor Pordeus e transformado na UPAC – Universidade Popular de Arte e Ciência e no Hotel da Loucura. Na área externa, o Spa da Loucura, um conjunto de equipamento para exercícios físicos.
Fotos: Divulgação/João Lima
E quem são os pacientes que frequentam o Hotel da Loucura? Todos nós. Todos somos loucos em potencial. De acordo com os médicos há muita relação entre a vida urbana e os distúrbios mentais. E o pior: a concentração de 70% da população nas cidades (até 2050) deve contribuir com o aumento do número de distúrbios psíquicos como depressão, demência, ansiedade e psicose. O que Vitor Pordeos propõe no espaço é uma saúde mais democrática que permite a manifestação do outro e onde a criatividade é fonte geradora de saúde.
Espaços criativos garantem nossa sanidade mental
Richard Burdett, professor de estudos urbanos da London School of Economics, que estuda o neuro-urbanismo -- uma nova área do conhecimento que investiga a relação entre o estresse e as doenças psíquicas -- tem uma proposta. Ele defende que deve haver espaços de criatividade nas cidades para evitar a propagação de doenças psíquicas. E fala que as pessoas precisam ter acesso a salas de cinema, encontrar-se com amigos, brincar nos parques e passear nas margens dos rios.
“Os arquitetos se preocupam com as proporções e as formas, e os urbanistas, com a eficiência do transporte público. Mas muitas vezes não têm ideia do que isso faz com as pessoas”.
Bem. Eu estive no Hotel da Loucura e isso me fez muito bem. Percorri salas e corredores onde as paredes têm muita poesia, manifestos, cores e pinturas. Senti o acolhimento e interagi nestes espaços criativos. E vivenciei um momento terapêutico, praticamente festivo: havia um sarau, uma roda de pessoas onde cada um podia entrar para recitar, cantar e se expressar de alguma forma. Naquele processo, o mais importante é não distinguir quem é paciente, educador, pesquisador ou profissional da saúde porque trata-se de inclusão. Ali não era possível saber quem era louco ou quem era são.
Foto: Davy Alexandrisky
Eu gostaria de viver em uma cidade em que me sentisse acolhida com mais espaços de criatividade, pela arte, pela igualdade. E foi em um hospital psiquiátrico que vi a proposta da “cura” da loucura pela convivência, prescrita em doses de alegria, criatividade e afeto.
Desta experiência e desta descoberta ressalto a defesa da Arte e Cultura como vetor da saúde pública. E comemoro a ação do Governo Finlandês que decidiu recentemente investir em serviços de arte e cultura para toda a população como parte do sistema social e dos cuidados de saúde. O projeto-piloto terá recursos de dois milhões de euros. Enquanto isso, somente a depressão tem custo de 120 bilhões de euros por ano na Europa... E no Brasil? Não encontrei dados. Isso, sim, é uma loucura.
Obrigada Davy Alexandrisky!
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6 aQue texto ótimo! Como doente mental, fico feliz que esses espaços existam. Sinto muita falta de artes e cultura na minha vida e a vontade própria de interagir com outras pessoas. Se alguém me "carregasse" para um lugar assim, certamente minha doença seria ainda mais estável do que é hoje, com medicamentos, terapia e atividade física.
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8 aAdorei!