ICE na vanguarda das inovações socioambientais: lições da Índia sobre tecnologia para o bem público
Associados do ICE durante visita à Rohini Nilekani Philanthropies, organização homônima da filantropa indiana (ao centro-direita). Foto: ICE

ICE na vanguarda das inovações socioambientais: lições da Índia sobre tecnologia para o bem público

Por Mariana Brunelli*

O Instituto de Cidadania Empresarial (ICE) completa 25 anos de dedicação à inovação social em 2024 e, desde então, vem impulsionando avanços no cenário socioambiental brasileiro. Em um ano de celebração, uma jornada marcante foi a  viagem de aprendizado à Índia, realizada em março, na qual associados ICE, co-financiadores da Coalizão pelo Impacto e parceiros se inspiraram em uma das potências mundiais em soluções socioambientais escaláveis.

A Índia, com seus 1,4 bilhão de habitantes e mais de 300 línguas nativas, embora tenha suas particularidades, enfrenta desafios socioambientais semelhantes ao Brasil, incluindo enormes desigualdades. Para abordar esses desafios em escala, os indianos adotam uma mentalidade singular, como destacado por Sanjay Purohit em seu livro "Think Scale":

A complexidade persiste, a simplicidade escala. A ação alimenta a escala, e vice-versa. A diversidade torna a escala mais significativa. Soluções individuais crescem, ideias compartilhadas se multiplicam. Juntos escalamos, separados estagnamos. (Tradução livre)

É dessa perspectiva que a Índia se destaca globalmente em inovações socioambientais, apoiada por uma infraestrutura digital pública robusta e por investimentos estratégicos da filantropia e dos investidores de impacto. Essas iniciativas não apenas transformam vidas, mas também oferecem insights cruciais para o Brasil sobre como enfrentar desafios socioambientais de maneira eficiente e abrangente.

A Índia investiu fortemente na infraestrutura pública digital, exemplificada pela Aadhaar, que é um sistema biométrico que funciona como um RG digital, que simplifica o acesso a serviços essenciais para todos os cidadãos. Imagine milhões de indianos obtendo benefícios sociais, acesso à saúde e educação de forma simplificada, reduzindo a burocracia e garantindo que recursos alcancem quem mais precisa. Isso abrangeu, inclusive, a rápida inclusão financeira de milhões que antes estavam à margem do sistema bancário: em menos de 10 anos, o país passou de 20% de penetração bancária na população para 80% com uso de tecnologia.

Outra especificidade do ecossistema indiano é o uso de tecnologias open source e seus protocolos e redes de código aberto, que democratizam o acesso as inovações tecnológicas e estimula empreendedores a desenvolverem soluções escaláveis para problemas socioambientais. Essa abordagem dinamiza mercados e promove uma competição saudável, base de um capitalismo funcional. O foco está em fomentar uma floresta de soluções, não uma monocultura na qual as soluções pertencem a monopólios. E esta é uma grande mudança de modelo mental, na qual a ideia de crescimento é relativa a resultados passados e a escala é relativa ao tamanho dos problemas resolvidos.

Nesse contexto, visitamos e conhecemos três diferentes tipos de atores que compõe o ecossistema de impacto indiano: filantropos e investidores de impacto, orquestradores de ecossistemas e empreendedores ecossistêmicos. A seguir exploramos brevemente nossos aprendizados com cada um deles.

Filantropia e Investimento de Impacto

A filantropia e os Investimentos de Impacto desempenham um papel fundamental no ecossistema de impacto indiano, com fundações como Tata Trusts e Rohini Nilekani Philanthropies; e gestoras de investimentos como a Elevar Equity e o Aavishkaar Group. A abordagem estratégica desses atores é inovadora no sentido de que sua base é a colaboração e a confiança. Essas organizações não apenas financiam projetos inovadores em educação, saúde e meio ambiente, mas também focam na escalabilidade e replicabilidade das soluções desenvolvidas. A base da confiança pode ser exemplificada pelo robusta diligência feita antes dos aportes, mas, após esse crivo, a exigência para organizações é, por exemplo, apenas um relatório anual de aprendizados e recomendações para o ano seguinte. Além disso, no aspecto da colaboração, estas  são organizações que promovem parcerias entre diferentes setores para viabilizar a escala e sustentabilidade dos impactos almejados. Nesse sentido, é importante ressaltar que são adotadas práticas robustas de transparência com o impacto, numa perspectiva de reportes com acompanhamento de longo prazo. Essa postura alavanca o fortalecimento de ecossistemas de impacto socioambiental ao ter como premissa a ideia de que para alcançar escala na resolução de problemas socioambientais é necessário uma mudança de mentalidade na qual o aprendizado, os erros e as inovações fazem parte de um processo de contínua evolução. Como nos disse a própria Rohini Nilekani: “Filantropia é onde o coração e a mente devem se encontrar…. [É preciso estar] pronta para aprender e errar, pois faz parte da jornada…. [e pensar nas] narrativas que nos unem”.

Orquestradores de Ecossistemas

Na Índia, foi possível conhecer organizações que atuam como articuladoras de ecossistemas de impacto, usando a tecnologia como facilitadora do processo de escala de soluções. Essas organizações pensam escala como resultado da construção de uma infraestrutura que pode atender a demanda de contextos variados. Nesse sentido, a escala é pensada desde a concepção das soluções. Ou seja, as soluções são desenvolvidas já com estruturas comportando atender a muitos e não por meio de pequenos projetos pilotos que vão sendo reestruturados para poder crescer. O maior expoente que conhecemos nesse perfil de organização foi o Societal Thinking, que é a organização que desenvolveu o Centre for Exponential Change, que está sendo trazido para o Brasil, numa parceria de muitas organizações, capitaneada pelo Instituto Beja, fundado pela associada do ICE, Cristiane Sultani. O método utilizado por eles, parte de uma pergunta-chave:  Qual é o problema que queremos resolver no tempo de nossas vidas?. A partir disso, desenvolvem soluções já pensando em escala junto com empreendedores locais, como por exemplo:

  • Como empoderar 1 bilhão de residentes na Índia com uma identidade única e uma plataforma digital de autenticação? Solução: UIDAI
  • Como colocar um livro na Mão de Toda Criança na Índia? Solução: Pratham
  • Como podemos assegurar os benefícios de uma economia digital para todos os cidadãos com uma infraestrutura de pagamentos digitais? Solução: NCPI
  • Como podemos aumentar o acesso para oportunidades de aprendizagem para 200 milhões de alunos? Solução: EKSTEP

Empreendedores Ecossistêmicos

Dentre os empreendedores que conhecemos, pudemos perceber a capacidade deles de trabalhar com escala desde a concepção das soluções e não escalando apenas o que parece já estar dando certo. É uma mentalidade de “work at scale x scale what works” (trabalhar em escala e escalar o que funciona, em tradução livre). Esses empreendedores são também líderes que formam ecossistemas para fortalecer outros líderes, como o exemplo do Sachin Malhan, fundador da Agami, que formou todo um ecossistema para facilitar o acesso de pessoas vulnerabilizadas à justiça do país, integrando advogados, juízes, profissionais de tecnologia, entre outros. Outro exemplo é a Holding Selco, que formou um ecossistema, por meio de uma fundação, uma empresa, uma incubadora e um fundo de investimento, para estruturar o mercado de acesso à energia renovável na Índia. São empreendedores focados em desenvolver produtos e serviços que facilitam e democratizam o acesso a direitos básicos, tendo a tecnologia como uma facilitadora desse processo, ao permitir, por exemplo a tradução das soluções para os diferentes idiomas locais e a distribuição tanto por áudio como texto para ampliar a adesão do público-alvo.

Sinergia com a Coalizão pelo Impacto

Desde 2022, o ICE capitaneia a Coalizão pelo Impacto, com mais 11 parceiros estratégicos, para desenvolver ecossistemas de impacto em seis cidades, representando todos os estados brasileiros. A Coalizão é uma iniciativa de inovação social que visa, por meio de uma gestão e operação colaborativa, impulsionar o empreendedorismo de impacto por meio de diferentes atores do campo, no sentido de criar um ecossistema de soluções pulsantes e escaláveis para os nossos problemas socioambientais. Assim, o que vimos e experienciamos na Índia, mostra como estamos em sinergia com os princípios do fomento e investimento de impacto Indiano. A visão sistêmica e o papel da articulação de diferentes stakeholders com objetivo comum nos conectam e ao mesmo tempo que nos inspiram com princípios que norteiam as iniciativas que visitamos na Índia: Ação + Dignidade + Escolha.

A Índia está mostrando como a combinação de infraestrutura pública digital, tecnologia como facilitadora do acesso à direitos básicos e filantropia e investimento estratégico em impacto pode gerar mudanças positivas em larga escala. O Brasil pode se inspirar nessas iniciativas e adaptá-las às suas próprias necessidades. Ao focar na construção de ecossistemas que impulsionam novos mercados para soluções socioambientais, o Brasil pode criar um futuro mais sustentável e inclusivo para todos.

*Mariana Brunelli é Ph.D. e Mestre em Administração pelo IAG/PUC-Rio, com uma tese sobre liderança no campo socioambiental. Desde 2012, é professora na PUC-Rio, atuando no MBA Diversidade e Impacto, no MBA ESG, e como coordenadora e professora do curso de extensão Avaliação de Impacto Socioambiental Aplicada. Membro da Academia ICE desde 2019, possui mais de 12 anos de experiência em Responsabilidade Social, ESG e Impacto, com destaque em desenvolvimento e aceleração de negócios socioambientais e gestão de stakeholders. Trabalhou em organizações como FIRJAN, PARES e Artemísia. Atualmente, é consultora de Negócios de Impacto no Gênesis da PUC-Rio e Coordenadora de Programas no ICE.

Texto originalmente publicado na Revista AGO Social - Edição n.4 (Abril-Junho 2024)

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