Ideias sobre Ownership e Colaboração para sua carreira
A Collaboration by Jean-Leon Gerome

Ideias sobre Ownership e Colaboração para sua carreira

Já adianto: é um post grande. Este material foi concebido a partir de uma palestra dada para líderes de uma grande multinacional Brasileira a convite da Fundação Dom Cabral, onde sou professor convidado. O objetivo deste post é apresentar algumas ideias que possam provocar em vocês, um movimento criativo para lidar com o atual cenário.

Os desafios são muitos e cada vez maiores. As mudanças nas organizações são a única constante que possuímos. Isto é, a única coisa que não muda é que tudo muda, e continuará mudando. Assim, antes de entrar no assunto, gostaria de ressaltar alguns pontos que percebo em comum, e que são um fenômeno do mundo do trabalho em si. São eles:

1.    Eficiência. As organizações intensificaram uma espiral por eficiência: trata-se de um movimento de mercado, fortemente influenciado pelo boom das startups e pela alta qualificação dos profissionais, profundamente especializados em suas áreas. Assim, fazer mais com menos não é uma exigência apenas Brasileira, mas um movimento mundial.

2.    Os diferentes papéis profissionais (técnico, gerente, líder, patrocinador) estão cada vez mais entrelaçados: consequência de desenhos organizacionais mais matriciais, equipes múltiplas, projetos coordenados. Isso exige uma cooperação interdepartamental cada vez mais dinâmica. E também exige dos profissionais melhor leitura das relações interpessoais no ambiente profissional (ponto que irei explorar quando falar sobre colaboração).

3.    A junção destes dois primeiros fatores, junto com as rápidas mudanças sociais ativa o ganho de complexidade das posições demandando dos ocupantes habilidades que extrapolam sua própria história. Assim, uma mensagem que está bem clara para vocês da no mercado de trabalho é: o que trouxe vocês até aqui é valioso, entretanto, não é suficiente para leva-los ao futuro que vocês desejam. Para isso precisarão se reinventar e provocar algumas rupturas programadas.

Por isso não dá para trabalhar mais, em maior quantidade - é necessário trabalhar mais inteligentemente. É os temas que abordarei aqui hoje contribuem para este objetivo.

Eu gostaria de apresentar parte das minhas ideias utilizando algumas obras de arte pois eu penso que os diferentes contextos foram capturados ao longo do tempo com muita sensibilidade e acurácia por renomados artistas com suas lentes peculiares. Assim, eu gostaria de começar com este primeiro retrato de Jean-Leon Gerome chamado Uma colaboração - A Collaboration.

A Collaboration de Jean-Leon Gerome,

Do lado direito vocês verão o grande dramatista francês Corneille, sentado estudando uma peça, em sua casa. Do outro lado da mesa o renomado Molière, conhecido por suas peças dramático-cômicas. O que mais chama a atenção nesta vista é que Molière e Corneille eram “adversários” contemporâneos, e só sentaram-se juntos uma única vez, para escrever a peça Psyche de 1671. Embora a peça pertença a ambos, historiadores dizem que sem a colaboração de um para o outro, certamente a humanidade nunca teria visto esta obra.

Assim como Corneille e Molière, os profissionais de hoje precisarão pensar sobre formas colaborativas de trabalhar mais inteligentemente. Usar as competências não mais individualmente, mas criando uma sinergia entre os brilhantes membros de suas equipes.

Dessa forma, O que quero trazer para a mesa hoje é uma discussão sobre como fomentar o sentimento de propriedade, ou o termo original em inglês Ownership, junto com o espírito colaborativo que será um grande diferencial competitivo para a maioria das organizações. E para fazer isso, antes é necessário relembrar a própria história do trabalho em si.

Agora vejam esta pintura, chamada La Famille des Paysan (a família de camponeses) dos irmãos Le Nain. Diferentemente de hoje, todos nesta família faziam parte do esquema organizativo do trabalho. A mãe, o pai, as crianças e agregados. Todos com tarefas a cumprir todos os dias da semana, sem pausas. Assim, quanto mais filhos as famílias tivessem, mais o trabalho poderia ser dividido.

La Famille des Paysans dos irmãos Le Nain, 1640.

Uma grande diferença em comparação com os tempos de hoje refere-se à apropriação do trabalho – ou ao senso de Ownership. Vejam que essa família, ao cuidar de todas as atividades, como mostra o próximo trabalho de Johan Morgenstern, era dona de seu trabalho.

Ein Bauernhorf de Johan Morgenstern, 1794

Isto é, cultivava os repolhos que serviam não apenas para comer, mas também servia para alimentar os porcos que depois virariam carne para comer. O gado servia para puxar o arado que revolvia a terra, também servia para prover leite e pele. Enfim, as atividades eram realizadas do começo ao fim, eles conseguiam ver seu trabalho e imediatamente entender seu propósito. Como um quebra-cabeças que se encaixava mais rapidamente onde as consequências de um trabalho mal feito seriam certamente percebidas na sequência. Se alguém esquecesse de cortar a lenha, a família toda passaria frio a noite.

Assim, o fruto do trabalho era trocado em um mercado onde o principal capital era a sobrevivência. Vejam estas obras de Pieter Aertsen que retratam os mercados de escambo onde as famílias trocavam seus excedentes por outros materiais.

A meat stall with the holy Family giving arms de Pieter Aertsen, 1551.

Assim, se uma família havia produzido muitos ovos, trocariam o excedente por uma boa pele. O camponês que trocou sua pele pelos ovos, também trocou por uma boa quantidade de carne e assim por diante.

Market Scene de Pieter Aertsen, 1550

A revolução industrial, máquina a vapor e o aumento da sociedade de consumo causaram uma ruptura no trabalho que agora seria dividido em especializações. Assim, o trabalho que antes era todo, agora passaria a ser partes como pode ser notado na pintura de Adolph Menzel.

The iron rolling mill de Adolph Menzel, 1875.

O lado positivo para os trabalhadores era que seria mais “fácil” seu trabalho cuidando de apenas uma parte, entretanto, o significado do que era trabalhar passaria por uma modificação a qual nunca mais seria retomada.

Estranhamente, ainda utilizamos este mesmo modelo, com algumas melhorias é claro, nas organizações de hoje. Dando um salto na história, hoje estamos em um outro momento em termos de negócios. Ao invés de músculos, precisamos de cérebros. Ao invés de desgastar o corpo, exigimos mais de nossa capacidade cognitiva. Há algum tempo um termo tem sido bastante utilizado para explicar o novo contexto dos negócios. VUCA – Volatilidade, Uncertainty – ou incerteza, complexidade e ambiguidade.

Outside walls de Ludo, 2014.

Este contexto é resultado de significativas mudanças em termos políticos, econômicos, sociais e tecnológicos. Vejam por exemplo as preocupações criadas a partir do cenário conturbado dos Países Árabes, ou então os novos padrões de comportamento de jovens em relação a consumo, empreendedorismo e carreira.

Esta dinâmica cria então um estado fluido para os negócios onde certezas são desafiadas constantemente e novos micro-jogos de poder são combinados. Assim, este estado também se traduz para as nossas decisões cotidianas em termos profissionais, inclusive para pensarmos sobre nossas próprias carreiras. Para as empresas, constantes reposicionamentos de mercado tentando lidar com as mudanças necessárias alinhadas à fortes regulações as quais impedem um movimento mais ágil.

Assim, em um mundo que exige cada vez mais uma leitura sistêmica de seus fatores para tomar as melhores decisões, eu tenho uma hipótese de que é necessário resgatar alguns aspectos do trabalho que possam nos tornar mais inteligentes na maneira que conduzimos nossas equipes dentro das organizações.

O primeiro aspecto é o resgate do sentimento de ser dono do próprio trabalho. Vejam que aqui estou tratando o tema como Ownership na falta de uma melhor tradução para o termo. Esse sentimento pode ser visto de duas formas. O primeiro como um estado físico, estático – como quando, por exemplo, podemos dizer que somos donos de algo como a nossa casa. Assim, temos posse sobre aquilo. Ou nosso carro – dizemos este é meu carro. Normalmente coisas físicas são mais facilmente traduzidas em senso de posse por sua própria condição concreta – eu consigo ver meu carro, consigo ver minha casa, entrar nela e modifica-la se quiser.

Entretanto, aqui queremos extrapolar esta visão e tratar sobre o Ownership como uma condição psicológica, isto é, a propriedade como senso de domínio sobre algo que não necessariamente é algo tão concreto, isto pode ser um projeto, um processo ou uma ideia. Vejam então que ser o dono de algo também pode ser visto como uma atitude. É algo que representa minha própria identidade. Vocês já devem ter passado por uma experiência como esta, sentir-se o dono de algo (não concreto) e a sensação de que nada vai lhe impedir de chegar lá. Um sentimento de que aquilo é seu. Assim, quais são os fatores que influenciam o sentimento de Ownership?

1.    Senso de controle: estar ou sentir-se no controle de algo afeta a percepção de eficácia e impacto. Quanto mais me sinto no controle de algo, maior minha satisfação. Como aumentar a percepção de controle de alguém sobre algo? Com autonomia. Criar condições de autonomia implica em oferecer liberdade para criar e tomar decisões – é claro que também sendo responsável por elas. Todos querem autonomia? Se fizer uma rápida enquete com as pessoas que conhece tenho certeza de que mais de 95% responderá sim. Mas a verdade é que nem todos estão preparados para autonomia, isto porque todos querem ter a liberdade para, mas não querem pagar o preço por ela. Entretanto, aqueles que desejam, e estão preparados para ter maior autonomia experimentam maior percepção de Ownership.

2.    O segundo ponto é o conhecimento. Ter ciência sobre o objeto, lembrando que o objeto pode ser um projeto, um processo ou coisa parecida, aumenta o senso de ownership. Quando desconheço, ou sinto que não conheço o suficiente, facilmente adoto o comportamento de esquiva, isto é, ao invés de sentir-me dono daquilo, penso que alguém deverá ser dono disso já que não me sinto capaz. O conhecimento pode ser fomentado de diversas formas. De um simples treinamento técnico até sessões de interação com membros mais experientes sobre determinado assunto. O conhecimento aumentado nos leva ao terceiro ponto.

3.    Chamei aqui de intimidade a sensação de estar associado ao objeto. Estar associado é a percepção de que há uma ligação que extrapola o mero papel prescrito e nos dá a sensação de expertise. Uma associação íntima entre o indivíduo e seu objeto. Esta intimidade estará relacionada à quantidade de interações que tenho com o objeto. Assim, imaginemos que alguém seja designado como líder de uma nova frente na empresa. À medida em que o tempo passa, mais ele ou ela interage com o objeto, mais o conhece, vê suas diversas faces e desafios até que torna-se íntimo daquilo, apropria-se e evoca sua identidade agora como expert, mesmo que não utilize este termo para descrever-se.

4.    Por fim, o quarto fator determinante do senso de ownership é o investimento de si mesmo sobre o objeto, aqui estamos falando de uma característica absolutamente individual, intrínseca e de motivações. É o investimento do indivíduo em termos de energia física, tempo e energia psíquica na tentativa de criar, moldar e produzir resultados através do objeto. Isto é, estar disposto a apropriar-se.

Assim, vocês podem olhar este post a partir de duas perspectivas diferentes: uma na condição de membro de uma equipe e outra na condição de líder de uma equipe. Embora as questões sobre ownership sejam as mesmas, na primeira condição você deve estar se perguntando como fará para se sentir mais dono de algumas coisas. Na segunda condição você, enquanto líder, é um enabler – isto é – alguém que facilitará ou possibilitará a aparição do senso de ownership em alguns membros de sua equipe, isto é, como possibilitar que essas pessoas possam sentir-se donas de algo? Como aumentar seu controle, suas interações, sua intimidade com o objeto de forma a apropriar-se dele? De qualquer forma, é um movimento sadio a ser feito e eu pessoalmente acredito que este resgate de ser “dono” do próprio trabalho explica muito porque os jovens de hoje tem fugido das carreiras tradicionais e sido seduzidos pela ideia do empreendedorismo como a melhor trajetória profissional a ser seguida – quero ser dono do meu negócio.

Entretanto, o senso de ownership só será válido se contrabalanceado pois, como já discutimos quando tratamos do VUCA, o aspecto sistêmico é crucial, isto é, o senso de ownership levado ao extremo será prejudicial sem a colaboração. Logo, em tempos de redes sociais virtuais, compartilhamentos em massa e cooperação, a colaboração será essencial para um trabalho mais inteligente e eficiente. Para começar, eu gostaria de apresentar uma pesquisa feita pela professora Heidi Gardner de Harvard. Ela pesquisou diversas organizações e times tentando entender quais eram as principais barreiras para a colaboração nas empresas. Este é o resultado:

Por ordem de frequência:

1.    Desconhecer a expertise dos colegas: Como saber quem pode colaborar comigo se não sei como estas pessoas poderiam me ajudar? É fácil pensar esta perspectiva de dentro para fora, entretanto, uma outra pergunta seria: meus colegas sabem em que expertise eu posso colaborar com eles?

2.    O segundo ponto é a falta de confiança na competência dos colegas: traduzindo em miúdos, eu tenho medo que aquele meu colega vai fazer alguma burrada. Ou seja, se não confio na competência de um colega, dificilmente tentarei formar uma aliança de colaboração com ele.  

3.    Falta de familiaridade interpessoal e confiança: todos já são experientes o suficiente para compreender que é mais fácil colaborar e cooperar com alguém que já conhecemos. A minha pergunta é: as pessoas te conhecem na empresa? Ou você está preso em sua caverna e os únicos que te conhecem são aquelas pessoas muito próximas a você? Se o seu networking dentro da empresa é frágil, provavelmente você está escondendo suas competências e perdendo grandes chances de colaboração.

4.    Receio da ineficiência e pressão por tempo: No começo a colaboração toma tempo, e este tempo investido muitas vezes parece que está sendo desperdiçado “estou participando dessas reuniões aqui e meu trabalho está acumulando lá na minha mesa”. Esta ilusão pode se tornar realidade se os tomadores de decisão da organização não tiverem claro qual é o papel estratégico da colaboração. Isso porque há um paradoxo: ao mesmo tempo que a colaboração é necessária, o individualismo é tolerado, quando não – celebrado.

5.    Falta de confiança nas próprias habilidades: Na psicologia temos um fenômeno chamado de “síndrome do impostor” onde o indivíduo carrega uma crença interna de que é incompetente e está ali naquela posição por sorte. Isto significa que não confio em minhas próprias competências e por este motivo não quero me expor. Em minha experiência profissional eu já atendi mais de 80 executivos em processos de coaching - vocês ficariam surpresos com a quantidade de pessoas inseguras dentro das organizações.

6.    Por fim, as pessoas tem receio de colaborar pelo medo do jogo político dentro das organizações: Isto significa que os silos dentro das organizações ainda falam muito alto, os jogos de poder são grandes barreiras para a colaboração pois este raciocínio territorial é como um buraco negro que suga a energia ao redor.

Logo, eu acredito que para criar um ambiente colaborativo é necessário

(1) transpor os silos organizacionais e a disputa por território;

(2) Diferenciar colaboração de delegação – em especial para os líderes: a colaboração exige mais do que simplesmente descentralizar suas tarefas, é uma proposta de co-criação intra e interdepartamental;

(3) Se algemar em sua cadeira é um suicídio profissional: muitos profissionais tem medo da colaboração por acharem que estão perdendo espaço, assim, por sua própria insegurança ou o que costumam chamar de modo de sobrevivência, se algemam ao seu conhecimento e tentam alavancar suas carreiras baseados nesta única estratégia;

(4) Embora a colaboração seja natural ao ser humano, ela não é fácil: basta ver crianças brincando. Enquanto estão descoordenadas, são egoístas, entretanto, quando trabalham com um propósito, são altamente colaborativas. Com os adultos é a mesma coisa;

(5) Monte seu laboratório: você não precisa de um grande investimento para iniciar a colaboração, comece pequeno, faça testes, e sempre mantenha seus indicadores (ligados à colaboração) em dia.

Lembre-se do VUCA – e de que como somos limitados, justamente por isso não conseguimos dar conta disso sozinhos. É uma somatória de forças que impactam nosso dia a dia no trabalho, assim, para lidar com isso também precisamos criar nossa própria somatória de forças – e elas residem nos seres humanos.

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Sobre o autor:

Rafael Chiuzi

Doutor em Psicologia Social e do Trabalho, pela Universidade de São Paulo (USP). Certificação Avançada em Strategic Leadership and Change Management, pela London School of Business and Finance. Professor Convidado da Fundação Dom Cabral – FDC. Consultor especializado em RH estratégico: Programas de Mentoring, ExecutiveCoaching, Aconselhamento de Carreira e planejamento sucessório, desenvolvendo grandes programas corporativos em empresas como Itaú-Unibanco, Alpargatas e Sabesp. Foi Professor do Mestrado e Doutorado em Psicologia da Universidade Metodista de São Paulo e Gerente executivo de Recursos Humanos no SEMASA. Membro e conselheiro para gestão de talentos da Human Resources Professional Association of Canada em Toronto.



José Galuzio .'.

Técnico em segurança do trabalho

8 a

Excelente artigo. Quando chegar ao pequenos e médios empresários será de grande valia. Forte abraço

Elen Albuquerque

Diretora de Planejamento, Orçamento e Custos

8 a

Excelente artigo sobre o atual contexto organizacional, bem como ao sentimento intrínseco vivido pelos seus colaboradores. O desafio de lhe dar com as diversas mudanças organizacionais e humanas não são simples, até porque assim como apresenta este artigo, o perfil profissional tem mudado também, ou seja, além das mudanças já sabidas que envolvem o ambiente corporativo, hoje temos também a mudança dos indivíduos que estão inseridos no mercado. Em resumo, desafio é o que não nos falta, mas que permite nosso crescimento através da mudança, novas percepções e busca pela aprendizagem corporativa.

Thais Correia Gomes

COO - Co-founder na B31 Gestão Integrada de Saúde

8 a

Ótimo artigo professor.

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